maio 26, 2011

Reflexões pré-eleitorais II – ainda o funcionalismo público

A propósito de uma pequena polémica sobre o funcionalismo público, suas virtudes e defeitos e qualquer ausência de meritocracia, em Portugal, em que me vi envolvido recentemente e que o Shark também aflora em comentário em anterior entrada, julgo que não interessa atermo-nos tanto à estéril polémica sobre saber, no universo do funcionalismo, quantos são os «bons» e quantos são os «maus», mas muito mais apurarmos que existe um sistema desenhado e sustentado que se apoia no compadrio – gerador de cumplicidades perversas – e, assim, tem como razão de ser a promoção da incompetência e, como corolário inevitável, a ineficácia funcional.

Este é, então, o sistema montado que premeia os «maus» da história, que mais não seja pela omissão, permitindo e incentivando que as disfunções se criem e medrem e se instalem nas repartições, primeiro, e, depois, nas nossas vidas e em todo o país, ao mesmo tempo que vota a um obsceno ostracismo todos quantos pugnam por «agitar as águas pantanosas». Aqui uma vez mais que mais não seja pelo subversivo exemplo que transmitem de abnegado esforço em prol da «coisa pública».

É neste quadro que podemos ver com outros olhos, por exemplo, a via sacra que os professores têm penado nos últimos anos – e, notemos uma outra vez, não TODOS os professores mas, essencialmente, aquela grande maioria que tem uma vida dedicada ao Ensino, aos seus alunos e – porque não dizê-lo? – às respectivas famílias desses mesmos alunos.

Estes tais que são ignorados, menosprezados, insultados, apenas por essa extraordinária razão de serem funcionários públicos, como se tal, em vez de um elogio referencial, constituísse um anátema, um ferrete social que, de algum modo, servisse para distinguir um ser humano de outro.

Não! De facto, aqui o «sistema» é claramente o culpado.

O sistema que contém, ao nível dos seus quadros decisores uma caterva de clientes da «porca estatal» do Bordalo, que os partidos do poder promovem como condição essencial de sobrevivência.

Sobrevivência a que os nomeados não podem deixar de recorrer como esquema primordial de sustentação do seu incontornável arrivismo.

Não me iludo, entretanto, considerando que estes males são, fatalmente, portugas. Claro que o não são. Constituem, bem pelo contrário, uma apreciável parte da natureza humana individualmente considerada, seja em que parte do mundo for.

Mas ocorre em Portugal com especial incidência – como em todos os países do mundo onde a noção de cidadania se perdeu, algures entre o mata-bicho matinal e o trajecto para o emprego.

Um país, qualquer país,  onde a ciência política desce ao nível da comunhão de interesses privados que todos conhecemos, onde as «congregações» extra-partidárias reflectem exemplarmente esses conluios de interesses, a incompetência útil será sempre acarinhada, a ineficácia funcional oportuna será sempre a bóia de salvação dos arrivistas.

Como ouvi a um velho professor com largo domínio de conhecimento sobre a realidade empresarial do país, em tempos nem muito distantes, há em todas as estruturas profissionais elementos cuja «importância» assumida advém da sua capacidade em entupirem circuitos… Sem eles esses circuitos jamais se desentupirão. E quando tal ocorre, tendem a ser desentupidos com muito maior celeridade para os «amigos».

Qualquer organização que se revele incapaz de expurgar do seu seio esses elementos – geralmente em cargos dirigentes – é uma organização votada ao fracasso, na perspectiva do interesse comunitário.

O que é tão mais interessante, em Portugal, é a capacidade que o Estado tem revelado, através dos sucessivos governos que através dele desmandam, de ser capaz de exportar para o mundo privado todos estes vícios, tudo (mal) funcionando neste lodaçal de interesses cruzados e cúmplices.

O que, por sua vez, mais não é do que a evidência da promiscuidade de interesses entre este Estado e o «mundo empresarial privado» tão subsidiodependente - outra falácia que nos consome e corrói enquanto sociedade .

Como me parece evidente, enquanto não formos capazes de inverter este estado de coisas, bem podemos vilipendiar os «funcionários públicos», pois, porventura, não estaremos a fazer mais do que a cuspir nas nossas próprias caras.

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