“O lucro é legítimo mas tem de ser conciliado com o progresso social e partilhado por todos os que contribuem para a produção da riqueza. Hoje não é o tempo de se fazerem aplicações sumptuárias, de compras de bens supérfluos ou de exibicionismos injustificados no plano moral, no plano ético e no plano social” são palavras de Cavaco Silva no Vale do Ave em 7/12/90. O autor continuou como Primeiro-ministro. Vinte anos depois é Presidente da República e as palavras continuam não só actuais como igualmente esquecidas pelas elites económicas e políticas.
Aproveitando as palavras do líder do PSD, publiquei um artigo no Expresso cujas ideias vou recordar, com algumas adaptações. Começava-se a sentir a tendência da sociedade portuguesa para esquecer uma visão reformista, social-democrática, abrindo-se a uma crescente liberalização.
O Mundo viveu a época de ouro do capitalismo. O fragor do desaire financeiro a Leste foi o afrodisíaco do livre mercado económico. A recente crise financeira alertou para as fragilidades do sistema e para a ignorância de muitos responsáveis.
No Ocidente, os comunistas reduziram-se a esclerosados aparelhos partidários. A miragem de uma chegada ao poder não só deixou de ser longínqua como passou a inacessível. De partidos com base ideológica passaram a «coisa» indefinida. Em Portugal, o Partido Comunista, depois do apogeu do PREC, foi perdendo força. À conjuntura internacional desfavorável associou-se o fim de uma gerontocracia. A divisão da representação da esquerda com o Bloco de Esquerda ainda mais o enfraqueceu.
Na segunda metade da década de 70 os socialistas portugueses apostavam no modelo jugoslavo, assente nos princípios da apropriação colectiva dos meios de produção, na utopia do sistema autogestionário.
O PS foi evoluindo. Fechou o socialismo na gaveta, por decisão de Mário Soares. Deitou as chaves fora quando prescindiu de Ferro Rodrigues e, com Sócrates, adoptou o actual modelo de partido espargata. Uma perna em total sintonia com a direita dos interesses e a outra, com perfume de “rive gauche”, ligas sexy na coxa, a condizer com os temas fracturantes, como no caso dos casamentos gay.
Os sociais-democratas europeus, receosos do peso financeiro do «welfare state», vivem a miragem da diminuição da carga fiscal e, aqui e ali, vão-se embriagando pelo sonho do «laissez faire, laissez passer».
Na Europa, que nas décadas de 60 e 70 receava maioritariamente o poder do capital e apostava no reformismo redistributivo e no estado-providência, que culturalmente trocara a Bíblia pelo marxismo e o igualitarismo cristão pela luta de classes, sucedeu o tempo do endeusamento do dinheiro.
Salvaguardando as diferenças relativas, Portugal viveu também as suas euforias. Privatizou, fez auto-estradas, aderiu ao Euro, beneficiou dos juros baixos e dos dinheiros fáceis que vieram da Europa. As elites, na política e na economia, acreditaram que não tinham de se preocupar nem com o défice do Estado, desde que não fosse exagerado, nem com o défice da balança externa.
Neste século, depois do descalabro da monarquia, da «bancarrota» da I República, do possidonismo forreta de Salazar, da delapidação do PREC revolucionário, do miserabilismo socialista, parecíamos, finalmente, uma nação de sucesso. Nem a divergência de crescimento nas últimas duas décadas arrefeceu os espíritos.
Jaime Ramos
Excerto do livro «Não basta mudar as moscas»
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