Uma pessoa pensa depressa e conclui que a Democracia é uma receita fabulosa para travar a tendência para os abusos por parte dos mais fortes, para impedir que se instale nas nossas vidas uma versão moderna, mais ou menos camuflada, de lei da selva.
Portanto a pessoa pressupõe que a Democracia se basta a si própria para garantir os direitos de toda uma população.
Toda? Não. Um pouco por toda a parte brotam grupos de irredutíveis diferentes da maioria cujo estatuto deixa à mercê da vontade alheia muitas decisões que até deveriam estar tomadas à partida, por inerência. E esses podem questionar a mais-valia que a Democracia representa, subordinados que ficam, na prática, ao poder dos mais numerosos mesmo quando estes se equivocam.
Esta introdução poderá induzir interpretações erradas. Não, não estou a vergar ao peso da crise ao ponto de me converter ao fascismo. Mesmo quando a Democracia parece incapaz de servir os legítimos interesses de algumas minorias eis que entra em cena a Liberdade a ela associada e que permite, a quem não possa ou não queira porque não tem que querer aceitar injustiças de que se sintam vítimas, contestar até uma maioria, nem que seja por maioria de razão.
Isto a propósito de um daqueles assuntos que a crise torna proibidos nas agendas partidárias por serem desconfortáveis e por se tornarem facilmente catalogados como supérfluos por não serem oportunos.
O problema é que alguns desses assuntos dizem respeito à felicidade de cidadãs e de cidadãos e, se virmos as coisas como elas são, à dignidade da sua condição de seres humanos e a frase não é bombástica, como de seguida deverão entender.
O assunto que me move, disparatado nesta conjuntura, blábláblá, é o da adopção por parte de todos os cidadãos e cidadãs comprovadamente capazes de criarem um filho de acordo com os critérios em vigor, independentemente da sua raça, cor ou opção sexual.
Porque me move tal assunto numa altura destas?
Boa pergunta, pois permite-me enfatizar o que o assunto tem de mais significativo, muito acima dos nojos e das renitências de uma hipotética maioria na qual se incluirão muitas pessoas incapazes de tolerarem restrições tão repugnantes como, por exemplo, ao número de filhos que podem conceber. E o factor mais relevante do assunto é o facto de estar em causa a distinção entre pessoas com base nas suas preferências sexuais, nomeadamente na sua capacidade de criarem um filho nas devidas condições.
Ou seja, a maioria(?) não aceita a felicidade de uma minoria porque os moldes diferentes dessa felicidade podem perturbar os preconceituosos mais sensíveis.
Para além de tresandar a fascista, pela segregação que impõe com base num pretexto absurdo, qualquer restrição tão radical aplicada a um ser humano apenas por fazer parte de um grupo mais fraco porque minoritário é uma violência e um atentado a princípios tão fundamentais que a própria Democracia a eles se deve subordinar. Sim, existem excepções a qualquer regra e situações cuja indignidade obriga a corrigir sem demoras, sob pena de tornarmos a Democracia num simples instrumento de poder com inspiração estatística.
O que está em causa é a interferência ilegítima na felicidade de pessoas, muitas ou poucas, sem qualquer justificação plausível ou argumento inteligente que a possa justificar.
E por isso pretendo deixar aqui a minha opinião retratada, na esperança de colaborar no lançamento de um debate que, em boa verdade, nem deveria acontecer porque ninguém tem o direito de decidir acerca dos contornos da felicidade dos outros quando estão em causa apenas as suas diferenças e quando estas não impliquem algum tipo de ameaça aos seus iguais, ponto.
Mas a vida é um permanente viveiro de absurdos e para não ficarmos um dia perdidos no meio do matagal temos que ir arrancando alguns males pela raiz.
É que mesmo a Democracia, confiada ao livre arbítrio do plebiscito e sem um pensamento crítico acerca das suas incongruências, embriagada pelas multidões, pode constituir terreno fértil para más sementeiras. E para a posterior colheita de um cesto de contra-sensos tão corrosivos, tão fomentadores do descrédito, que pode explodir um dia na cara da Democracia com o fragor de um imenso temporal.
A "democracia" é: uma imagem da psique da maioria. Uma "paisagem" é: uma fotografia da psique dos seres que a configuram. É assim que concluo que uma verdadeira "revolução" só se pode conceber como processo contínuo... começam por mudar dois ou três, depois cinco ou dez, a seguir cem, mais tarde mil... depois dez mil... e por aí afora... sendo que o argumento de qualquer verdadeira "revolução" terá que ser suficientemente generalista para albergar toda a diferença e suficientemente específico para conduzir a todos numa determinada direcção...
ResponderEliminar(Ainda não chegamos ao momento, infelizmente, em que deixemos de remar todos em direcção ao objectivo da "posse pela posse" para nos encaminharmos para uma ideia de sociedade concebida, ao menos, em torno de uma ideia egoísta de "bem-estar"...)
Eliminar(Também se pode fazer uma "revolução" de um salto, pela vontade, para uma fase posterior... correndo o risco de que com o tempo a maioria não tenda a dirigir-se ao papel que deverá ocupar nesse novo cenário...)
Eliminar(... assim sendo, será uma "revolução" falhada...)
Eliminar(... o que é o mesmo que "revolução" nenhuma...)
EliminarA bela da Democracia pode ser um danado de um monstro...
ResponderEliminar(O monstro somos nós... "monstrorum artifex")
EliminarSem qualquer dúvida
EliminarEu sou um montro diferente, "carcharodon carcharias", mas sinto-me em casa na mesma...
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Vista a coisa desse prisma, a mim basta-me tirar o acento: "Libelula purpurina" (mas previno que ando algures perdida numa fase qualquer de metamorfose... o que deixa em aberto a possibilidade (incluindo a minha) de perspectivar o real aspecto da criatura...)
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