maio 27, 2012

«Esquerdismo requentado. Mercado social» - Jaime Ramos

Fruto deste circunstancialismo, a sociedade portuguesa, que sempre foi permissiva, hipertrofia a própria lassidão. Confundem-se «chicos-espertos» com empresários. Aplaude-se o lucro, todo o lucro, sem se penalizar a agiotagem, a especulação ou a corrupção. Branqueado ou não, o dinheiro, e a importância social, parece terem o mesmo valor. Penaliza-se o político ou o agente público que cedem à corrupção, mas tolera-se o habilidoso que corrompe. Ao lado do empresário com ética e com virtude, que investe a médio ou a longo prazo, surgiram os comerciantes do imediato, os novos-ricos cujas fortunas cresceram tão rapidamente como a dos premiados pela lotaria ou euromilhões, mas com menos clareza. Socialmente, pune-se mais o pequeno roubo do que a burla financeira, a esperteza fraudulenta ou a fuga ao fisco. No caso do conto do vigário,
 o “cigano” que ludibria um idoso vai preso mas a banca continua a vender “gato por lebre”. Ao contrário do comportamento dos aristocratas ou dos empresários sérios, os novos adoradores do dinheiro apostam na ganância, pavoneiam-se no sumptuoso, vivem na ostentação da arrogância e do gasto fácil. Admito correr o risco de ser acusado de esquerdismo requentado. Incluindo-me no grupo daqueles que sempre acreditaram nas potencialidades da livre iniciativa, não sou obrigado a deixar-me ofuscar pela conjuntura. Na sociedade poderão faltar ideologias, na economia poderão não existir modelos alternativos, mas o caminhar dos movimentos sociais não se interrompe. Temos de introduzir na nossa sociedade valores éticos e morais que impeçam o arrecadar excessivo de dinheiro; o «enriquecei a qualquer preço, enriquecei depressa, enriquecei sem trabalho». Mas enquanto a sociedade não passa da lassidão a uma consciência cívica colectiva que puna esses exageros, cumpre ao Estado, não só a defesa dos mais fragilizados, mas também a criação de mecanismos que preservem a concorrência e permitam um fluir correcto do mercado – e impeçam a ilicitude, definindo com precisão a fronteira entre o lucro legítimo e o lucro sujo ou menos claro. Contra as correntes que defendem menos Estado devemos exigir mais Estado, um Estado com mais poder. Precisamos de um Estado forte, capaz de defender o interesse colectivo e intervir nos excessos do poder do dinheiro, impedindo acções fraudulentas e a fuga ao fisco. Não se confunda, porém, mais poder do Estado com «maior administração».


Jaime Ramos Excerto do livro «Não basta mudar as moscas»

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