março 10, 2012

«Desemprego e desigualdade. Capitalismo e Pobreza» (parte 1) - Jaime Ramos

Temos [na data em que o livro foi publicado] mais de 730.000 portugueses no desemprego, recorde absoluto na nossa história. Urge criar emprego sustentável, em vez de negócios para as empresas do regime.
O número de desempregados não é ainda mais elevado porque muitos portugueses emigraram nesta última década. De 1998 a 2008, 697.963 portugueses foram para o estrangeiro. Desde 2.000 o número anual da emigração tem vindo a crescer. Em 2007 e 2008 foram mais de cem mil por ano. Os cinco maiores destinos foram, por ordem decrescente, Suíça, Espanha, Alemanha, Angola e Reino Unido.
Se não fosse esta emigração recente teríamos hoje uma taxa de desemprego próxima dos 15% em vez dos 10,6% (Junho/2010).
O envelhecimento da emigração dos anos sessenta e setenta, com o seu retorno a Portugal, tem reduzido o número de emigrantes em números absolutos, com consequente redução das transferências bancárias a favor de Portugal, mas este facto não pode branquear a realidade da emigração voltar a ser uma saída “imposta” a milhares de portugueses.

Portugal é o terceiro país mais desigual da UE de 27 países.

Segundo dados recentes obtidos num estudo da associação TESE com coordenação científica do ISCTE em Portugal, 20,1 % das famílias estão classificadas como pobres, uma vez que ganham menos que 60% do rendimento médio, e 31% são agregados com adultos que ganham por mês entre 379 e 799 euros e estão acima do limiar de pobreza.
Estes agregados são apelidados de famílias-sanduíche. São agregados com incapacidade para fazer face a despesas inesperadas e que têm dificuldade em enfrentar os encargos normais do dia-a-dia.
Mais de 50% dos portugueses vive com imensas dificuldades. Choca ouvir alguns ultras, radicais, a defender que os portugueses ganham demasiado e que a solução para a economia do país exige reduzir os salários.
Em 2009 Portugal tinha 11 mil afortunados, número que cresceu com 600 novos milionários. Estes milionários têm uma fortuna avaliada em mais de um milhão de dólares, indicador internacional. São os HNWI, High Net Worth Individuals , indivíduos com activos líquidos superiores a um milhão de dólares, excluindo a residência principal e bens consumíveis. Falamos de dinheiro limpo. Estes dados foram publicados pelo Diário Económico de 25/6/2010.
Em 2008 eram 10.400 milionários e seu número cresceu 5,5%. Este crescimento aconteceu durante um governo socialista, num ano em que a economia sofreu uma recessão, a crise financeira do Estado se acentuou, o desemprego e a pobreza cresceram, as dificuldades das famílias aumentaram.
Somos um país absurdo, dual. Temos empresas a fechar, muitas a abrir falência e os grandes grupos financeiros aumentam os lucros. Temos empresas pobres e empresários ricos. Crescem as fortunas e o Estado corta nos apoios aos desempregados.
Os milionários portugueses têm uma fortuna conjunta superior a 11 mil milhões de dólares, valor semelhante ao custo total previsto para as obras de TGV, ferrovia de alta velocidade.
A maioria da opinião publicada opta por omitir estes factos e prefere defender a necessidade de medidas de austeridade, que provoquem dor nas classes desfavorecidas, incluindo a média-baixa.
Falar de desigualdade obriga a reflectir sobre alguns números.
Os 166 administradores das empresas do PSI 20 receberam, em 2009, 136,5 milhões de euros ou seja 1/3 do que o Estado gasta com o Rendimento Social de Inserção atribuído a 409.878 beneficiários do rendimento mínimo.
O vencimento do Presidente da EDP foi de 3,1 milhões de euros ou seja igual a 267 trabalhadores a ganhar o salário médio nacional de 894 euros, ou igual a cerca de 467 pessoas com o salário mínimo.
O vencimento dos sete administradores da EDP daria para fazer uma redução de 51,6 euros na factura de electricidade dos 341 mil portugueses que tem o salário mínimo, segundo um estudo recentemente publicado na revista Visão.
Um trabalhador com salário mínimo, depois dos descontos, recebe 422,75 euros por mês, 14 meses no ano. A redução de 51,6 euros corresponderia a um aumento de salário superior a 10%.

(continua)

Jaime Ramos
Excerto do livro «Não basta mudar as moscas»

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