Em Portugal a economia paralela está calculada em mais de 20% do PIB. Esta é uma economia que não paga impostos nem descontos para a segurança social. É uma economia anti-social, que os sucessivos governos têm permitido e incentivado. Criar mecanismos para reduzir este espaço de negócio potencialmente criminoso, não tem sido prioridade dos nossos políticos.Um Governo que mantém os bancos a pagar menos imposto que as outras empresas não é social-democrata, nem justo.
A venda de automóveis de luxo contraria a crise que o país vive. No início de 2010 as vendas da Porsche e Jaguar subiram uma percentagem acima dos 50%. Só no mês de Junho a venda destas marcas subiu 100%, talvez para evitar a subida do IVA, segundo notícia publicada no Jornal de Noticias de 20/07/10.
Segundo as próprias marcas as vendas estão a ter grande sucesso no Norte do País, a região mais martirizada pelo desemprego e pela descida do rendimento bruto por pessoa.
Este aumento nos automóveis de luxo está em sintonia com o que se verifica no sector. De Janeiro a Maio de 2010 venderam-se 107.075 veículos ligeiros (passageiros, comerciais e jipes) o que significou um aumento de 50% relativamente a 2009.
Em plena crise, esta subida de consumo assenta numa base de sustentabilidade que tem origem na economia paralela e em todo o dinheiro que circula fora dos registos contabilísticos.
Estes factos mostram que a sociedade portuguesa está cada vez mais desequilibrada e desigual.
Em Portugal tem crescido o fosso entre os mais ricos e os pobres. Hoje somos o terceiro país mais desigual da União Europeia.
Facto mais grave porque esta desigualdade tem sido agravada por políticos que afirmam defender a igualdade.
Deste 95, há já 15 anos, com excepção do curto período Durão Barroso/Santana Lopes, somos governados pelo Partido Socialista, um partido que afirma promover a igualdade. Esta diferença entre o que se promete e o que se pratica é um dos maiores pecados da nossa democracia e mina a credibilidade da política. Gente que se vende eleitoralmente com o rótulo da igualdade promove a desigualdade e a injustiça em vez da justiça social.
É verdade que, nos últimos anos, se criaram alguns apoios sociais destinados aos mais carenciados, como o rendimento social de inserção e o rendimento solidário para os idosos, mas não se alterou a base do problema, que é a desigualdade instalada e tolerada na nossa sociedade.
É um escândalo que alguns tenham salários e/ou rendimentos perfeitamente escandalosos perante as carências sentidas por cerca de 20% da população, abaixo do limiar de pobreza.
Como é possível que tenhamos reformas muito baixas, insuficientes para uma vida digna, e aceitemos que outros tenham reformas concedidas pelo Estado de valores obscenos? Como é possível que, sem nos indignarmos, aceitemos que alguns tenham várias reformas e subsídios vitalícios, com valores milionários, concedidos pelo Estado, enquanto outros se têm de contentar com valores insuficientes para uma vida digna?
A análise estatística das pensões pagas aos ex-funcionários públicos revela uma grave discrepância entre os valores médios que estes recebem da Caixa Geral de Aposentações e aquilo que é pago pela Segurança Social aos trabalhadores reformados pelo regime geral, que trabalharam no sector privado e sempre descontaram ao longo de toda uma vida de trabalho. Não é tolerável que o Estado mantenha esta injustiça pagando aos ex-funcionários valores muito superiores.
É hoje aceite que a sustentabilidade da Segurança Social está em causa.
Urge que se crie um tecto máximo para as reformas pagas pelo Estado através das suas empresas públicas, Caixa Geral de Aposentações ou pelo regime geral da Segurança Social. Este tecto, a exemplo do que deve acontecer com os salários, deve estar relacionado com o valor da pensão mínima paga pela segurança social. A pensão mínima, a chamada pensão social, deve ser o valor de referência. Nenhuma reforma ou aposentação sustentada pelo estado deve ultrapassar 14 vezes esse valor. Neste caso já estamos a tolerar como aceitável que uma pessoa possa receber num só mês, dos catorze previstos para efeitos salariais, o montante que os outros recebem num ano. Este tecto máximo não impede que qualquer pessoa possa ter descontos para outros sistemas privados.
Um estado humanista não pode assumir que não tem o suficiente para garantir pensões mínimas capazes de evitar situações de pobreza e em simultâneo pagar pensões milionárias.
Como é possível que tenhamos um salário mínimo baixíssimo e se continue a admitir que gestores do Estado tenham salários de milhões de euros?
Como podemos continuar a votar em políticos que mantêm esta situação e são culpados por estas opções? Não basta acusar a classe política, pois somos nós que os elegemos.
É preciso dizer que esta terceira república viola os princípios da igualdade e da fraternidade. Não basta dizer que somos todos iguais. Não basta dizer que se é pela igualdade.
Não é por ser maçom que um indivíduo defende a liberdade a igualdade e a fraternidade. Tem de o mostrar no seu dia-a-dia.
Não é por uma pessoa se dizer católica que pode deixar de respeitar os valores cristãos de amor aos outros. Tem de o mostrar.
Não basta dizer-se social-democrata ou afirmar-se socialista. Tem de actuar em conformidade.
(...) Ninguém é responsável? Vamos todos continuar a tolerar esta hipocrisia?
(continua)
Jaime Ramos
Excerto do livro «Não basta mudar as moscas»
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