março 22, 2012

Ódio aos mouros

Praticamente toda a vida me chamaram "moura", enquanto morei a Norte - tem lógica, não tenho sotaque de cá, cometi o crime de ter nascido na Maternidade Alfredo da Costa, passo as festas a Sul e a minha família é toda lá de baixo.
No resto da vida, enquanto morei a Sul, apelidaram-me de "tripeira", porque era a morada que constava do meu bilhete de identidade e o sítio onde me considerava em casa.

As pessoas têm necessidade disto, de chamar coisas às outras, de as rotular.
E até aqui ainda vou.
Chego a fazer de conta que não reparo quando se diz mal dos "mouros", abrindo uma excepção condescendente para mim, que não tenho vergonha das minhas origens (e não as escondo, como não o faria se tivesse nascido a Este ou a Oeste - no meio do Atlântico, sei lá). Como que me suportam, apesar delas (será suposto agradecer?). Yeyy, sou uma sortuda.
Atinjo o ponto de esboçar um sorriso quando, entre amigos, se fala de "Lisboa a arder" - estão a brincar, só podem, não seria possível que se falasse a sério, pois não?

Mas depois leio coisas.
Oiço coisas.
Vejo coisas.
E sou remetida para situações em que alguém clarividente se considerava superior em nome da cor de pele, de uma raça, do sítio onde se nasceu, de uma ideologia, uma religião ou do género a que pertence.
E não encontro diferença alguma entre o ódio que se tem aos outros por qualquer desses motivos e as palavras cuspidas (mesmo escritas, são violentamente cuspidas) porque um clube que não é o nosso ganhou um jogo ao que é nosso: e o mau perder transforma-se no ódio aos mouros (que são só de uma cor, a despeito das muitas que há lá para baixo), cujo estádio deveria explodir e, já agora, a cidade toda e, por que não?, todos os que não nasceram iluminados ao ponto de gostarem de azul e branco (mais uma vez, sempre fui alvo da misericórdia alheia, porque, não sendo dos azuis do Norte, também não cometo o crime maior de ser de outra coisa qualquer ou, na pior das hipóteses, vermelha da mouraria).
Não estou a falar de clubite, estou a falar de algo muito maior, que urge reconhecer: hoje, li qualquer coisa como os mouros do Norte serem tão traidores como o seria um judeu nazi (ou outra balela qualquer, não sei se as palavras eram exactamente estas mas o sentido era-o).

E eu posso eliminar estas alminhas do Facebook e esquivar-me à leitura de atrocidades.
Mas elas continuam aí e isso assusta-me sobremaneira.
(E nem venham com a treta de que estas coisas não são para levar a sério; foi porque não se levou a sério muitos outros tipos de discriminação que elas atingiram o ponto que atingiram.)


Nota a posteriori: note-se que o exemplo que dou é apenas ilustrativo e não representativo, no sentido em que qualquer ódio, venha de que cor vier, é condenável per se.

10 comentários:

  1. Temos tantas coisas em comum :O)
    A mim também, toda a vida me chamaram e continuam a chamar "moura"!

    ResponderEliminar
  2. Tirando o aparte descompressor da Sãozinha, a quem chamam Moura em vez de lhe chamarem mãe de árbitro, também passei toda a vida pelos crivos dos nomes. Na América onde nasci, era chamado de Português, passando depois a ser conhecido pelo "Americano" quando os meus pais regressaram ao território Luso.
    Mais tarde, já presa das hormonas que - dizem- fazem cair o cabelo aos homens, passaram a chamar-me careca. Anos depois o Fisco, seguindo a sua evolução lexical, passou a chamar-me de "sujeito passivo". Pelo caminho ficaram as coisas que as namoradas que me chamaram, entre elas um figo e por ai fora...
    Nascemos com este destino, o de nos chamarem coisas.
    Quanto aos azedos azuis, deixa lá, se nos chamam mouros, nós atribuimos-lhes os nomes de bimbos e está tudo bem. Por cá, na minha casa, são todos bem-vindos, águias, leões, dragões e briosos, desde que tragam um enchido e um pipo de berdasco, cum milhão e meio de ....

    ResponderEliminar
  3. Esqueci-me de concluir, mas era só para dizer que o futbol é apenas um jogo feito com uma bola e homem que é homem joga sempre com duas.


    (salvo as justificadas excepções de força maior)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. E não há nenhum desporto, que eu saiba, que se jogue com duas bolas... o que é estranho, cum milhão e meio de...

      Eliminar
  4. pois....tens razão, tirando o bilhar (de bolso) que se joga com três-.--- ;)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Por isso eu digo que qualquer desporto é anti-natura.

      Eliminar
  5. Não quem te nature, São.... és uma garganeira...

    ResponderEliminar
  6. Eu, que sou muito mouro, afirmo aqui que nada me afasta de uma boa tripeira. Ou de uma tripeira boa. Mesmo que seja adepta do fêcêpê. Sócia desde pequenina. E até desminto o meu benfiquismo e viro para o azul do Belenenses ou assim.
    Mas nisso das regiões sou daltónico, pois sou.

    ResponderEliminar