Desabafava tempos atrás o Primeiro-Ministro no exílio, José Sócrates, que não há coisa pior para um político do que uma crise. Concordo.
Deve ser terrível para quem não tem ovos sequer para uma omoleta de promessas e se vê obrigado a substituir o sorriso polaroid por uma carranca mais consentânea com o figurino geral.
Isso preocupa-me enquanto cidadão dependente de uma política mais sorridente, claro.
Porém, embora admita essa ligeira consternação pelo drama humano de um político sem coelhos na cartola ou, no caso concreto, mesmo já sem cartola, tenho que puxar a brasa à minha sardinha de pelintra e aproveitar a engenharia do raciocínio acima:
Não há pior para um gajo teso do que a falta de dinheiro.
Isto dito assim parece bem menos profundo do que é. Mas mesmo as ideias de quem não completou a licenciatura mas assume isso com toda a frontalidade podem ter baixios.
O problema não é menor, se tivermos em conta as proporções entre a aflição do político obrigado a gerir uma crise e a de um gajo teso intimado a resolvê-la.
De resto essa diferença passa pela descontracção com que o actual PM assume a sua determinação em gozar as férias no Algarve como de costume, enquanto para a maioria dos tesos isso das férias é apenas mais um período no qual se torna demasiado óbvia a falta de liquidez.
Mas dizia eu que a falta de dinheiro atrapalha imenso o gajo teso. Isto acontece porque o sistema está pensado no sentido de punir quem se atrasa a cumprir, numa lógica perversa porque desenhada para enterrar ainda mais quem já nada em problemas. Ou seja, a pessoa tem falta de dinheiro e isso implica penalizações pecuniárias que a agravam.
É fácil de perceber como a coisa funciona numa dinâmica trituradora de efeito dominó que só abranda quando o gajo teso já nem mexe porque nada sobra para lhe confiscar, numa bola de neve que se torna imparável depois de somadas todas as alcavalas.
Este ciclo vicioso acaba por ilustrar aquele que os governantes sentem na pele de terceiros quando se vêem a braços com uma crise não propriamente sua, com as perdas e penalizações e juros a não permitirem a saída do vermelho porque, lá está, a lógica do sistema não engloba a abébia para os prevaricadores: se tem pouco e não chega, para castigo fica sem nada. Ou ainda pior, fica com menos qualquer coisa do que nada porque as dívidas são para honrar mesmo quando já não existam meios para o efeito e empréstimos são para quem deles não precise porque até consegue pagar a respectiva prestação.
Nestes becos com saída garantida do sistema a falta de dinheiro é mesmo do pior porque a quem menos tem é a quem a coisa mais faz doer, implacável na sua purga dos que não merecem pertencer ao mundo dos que valem apenas porque têm e os restantes constituem-se embaraços, maus exemplos como grãos numa engrenagem pensada para a prosperidade globalizada e incapaz de processar a situação inversa.
E enquanto aos políticos apanhados por uma crise é atribuído um rótulo de incapazes que os afasta do centro do poder político mas os aproxima do poder financeiro ávido de retribuir uma simpatia para encorajar outras, aos gajos tesos apanhados no mesmo contexto é exibido o chicote do flagelo social associado ao estatuto de caloteiro para os manter à distância de qualquer poder que não aquele que lhes permite votar nos que depois retribuirão o gesto, nunca se abstendo, uma vez esmifrados até ao tutano, de os votarem ao maior ostracismo que a democracia permita e a sociedade seja capaz de tolerar.
É uma classe cada vez mais... média...
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