Qualquer conceito, mesmo o mais simples de entender, possui a flexibilidade intrínseca das coisas susceptíveis de se submeterem à lotaria da interpretação individual. Ou mesmo colectiva, pois existem conceitos cuja interpretação e consequente aplicação prática variam de acordo com a localização de quem os adopta.
Quando por detrás de um conceito existem emoções entramos no domínio do aleatório nas interpretações e o consenso torna-se impossível.
A amizade pertence a esse grupo e isso torna-a passível de variar de pessoa para pessoa enquanto conceito ao ponto de qualquer semelhança entre as percepções de cada um/a não passar de pura coincidência.
Já li, já ouvi e já vivi a amizade, no melhor e no pior, o bastante para me sentir capaz de defender a minha definição pessoal e infelizmente intransmissível desse conceito tão moldável como a plasticina de que parecem construídas algumas relações rotuladas com esse selo de garantia de qualidade na ligação entre pessoas.
Aqui já começo a esboçar o cepticismo que caracteriza o meu saber mais de experiência feito do que fruto de algum tipo de teorização que, bem vistas as coisas, é tão infrutífera como a do sexo dos anjos.
A amizade séria, como gosto de lhe chamar, implica à partida alguma sintonia na interpretação do conceito ou pelo menos o respeito necessário pela inevitável diferença na forma como a sentimos, a entendemos e decidimos abraçar.
O abraço constitui, de resto, um excelente indicador para o calibre da emoção associada à amizade e essa não dispensa, na minha versão da coisa, uma ligação de tal forma forte e inequívoca que a transforma, a par com a frequência de contacto, quase numa relação familiar.
A amizade é amor, é o amor possível entre duas pessoas que não o podem ou não o querem viver e até pode (e deve) fazer parte de uma relação amorosa.
Por isso não pode ser entendida de forma leviana, aligeirando algo que qualquer pessoa sabe ser assunto sério quando dá pela falta ou quando percebe a diferença que um amigo de qualquer género pode fazer em bons ou maus momentos da existência da pessoa.
Um amigo é leal e de absoluta confiança.
Um amigo conhece-nos bem porque contacta connosco com a frequência suficiente para se manter a par e poder assimilar as nossas grandezas e as nossas misérias.
Um amigo está sempre presente nas aflições de forma voluntária e nos momentos especiais por inerência.
Um amigo chora por nós e faz das fraquezas forças para nos ajudar, nem que seja por se disponibilizar para ouvir, mesmo levando grandes secas.
Um amigo é indispensável, é um conselheiro, é uma referência que guiamos e nos guia ao longo de um caminho difícil de percorrer a sós e eu não tenho.
Mas também não sou.
Para mim, amigo é todo aquele que que continua nosso amigo, apesar de tudo.
ResponderEliminarComo começa a amizade? Isso ainda não sei...
Ai sim? Atão e amor é o quê (só por curiosidade...)?
ResponderEliminarPergunta à minha companheira (que por acaso não é lésbica), que é filósofa :O)
EliminarMas sei que o amor acaba por razões que a razão desconhece... e a amizade não.
EliminarAmigo é aquele que ama.
ResponderEliminarA atracção sexual pode acabar em amor ou não tal com o seu inverso. Na verdade, sendo o Homem um ser gregário, é-lhe imprescindível a convivência com os seus semelhantes, estabelecendo-se esta em círculos concêntricos a partir do próprio individuo e de acordo com hierarquias de valores, chamemos-lhes "poder". A convivência implica partilha de poder, cedência de poder, partilha de emoções, cedência a interesses nem sempre totalmente comuns. Esses círculos com centro no próprio individuo constituem a trama dos relacionamentos interdependentes das sociedades humanas e são tanto mais largas e distantes quanto mais longe o individuo está dos topos hierárquicos. Os homens muito poderosos são sempre muito sós. Isto acontece mormente pela necessidade primária da sua própria segurança que leva a uma construção quase metafísica da sua própria condição. Os antigos dirigentes, Reis, Imperadores, Faraós e demais, divinizavam o seu estatus, numa fuga para a frente dos seus meros e universais destinos de mortais. A não partilha de poder conduz naturalmente à restrição da amizade. Podemos perguntar se no que diz respeito ao amor- à expressão mais intima da amizade,- a mesma questão se põe.
Lembro-me duma piada que a propósito se fazia tomando as letras da SEBENTA: Se És Bom Estudante, Não Tenhas Amores., ou seja, não ames mais nada que seja diferente do teu projecto.
É sabido como muitos homens amam: com sentimento de posse e não de partilha. Amam-se a eles mesmos acima de tudo e de todos e na mesma medida que amam o seu projecto de poder ao qual tudo subordinam.
Não tem, nem podem ter amigos, nem amores, apenas podem possui-los, e isso é poder, o mais afrodisíaco produto virtual que os seres vivos animados de movimento inventaram para se relacionar. Como seres inteligentes, cabe-nos o eterno dilema da escolha, essa coisa que os Deuses nos cederam.
Isso :O)
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