A riqueza, principalmente a herdada, é um fraco indicador de mérito pessoal. Biologicamente os espermatozóides e os óvulos transmitem qualidades e defeitos mas não devem transmitir contas bancárias e património.
Uma das medidas fundamentais é implementar um sistema fiscal que incida sobre as sucessões e doações.
É legítimo trabalhar em excesso para deixar património aos descendentes, mas a transferência de grandes fortunas deve pagar imposto, que pode ser canalizado para apoiar os mais carenciados e a educação daqueles que, sem culpa, nascem pobres.
A actual situação de se poder herdar fortunas imensas isentas de pagamento de qualquer imposto é injusta. É aceitável que a transferência de direitos de propriedade entre familiares directos possa estar isenta até alguns limites, tal como se podem isentar as pessoas de menores rendimentos de pagar impostos de trabalho. É imoral defender que alguém não precise de trabalhar toda a vida só porque é filho de um berço de ouro, enquanto aquele que nasceu na pobreza vai ter de trabalhar toda a vida, sem expectativas de poder mudar de estilo de vida. É ilegítimo não querer pagar imposto pelo privilégio, de viver bem sem trabalhar.
Uma sociedade justa deve criar imposto sobre as doações e sucessões, com taxas progressivas, onde os que mais herdam mais pagam.
O mesmo princípio deve obrigar a criar um sistema de pensões de reforma que garanta um rendimento mínimo, acima do limiar de pobreza (60% do salário mediano), a todas as pessoas que trabalharam e descontaram durante todo o período contributivo previsto. Não é aceitável que uma pessoa que teve toda uma vida de trabalho tenha uma pensão abaixo do limiar de pobreza.
Em simultâneo temos de criar limites às pensões e às acumulações. A situação actual, em que há altos quadros do Estado e/ou políticos a acumularem pensões principescas é inaceitável quando se reduzem apoios a quem vive abaixo do limiar da pobreza. Mais inaceitável porque a generalidade destas situações não se deve a uma vida contributiva completa mas sim a privilégios referidos a meia dúzia de anos de serviço.
A regra deve ser a não acumulação de reformas ou subsídios vitalícios e a definição de um limite máximo para as pensões de reforma pagas pelo Estado.
Nas pensões pagas pelo Estado deve haver um limite mínimo que garanta uma vida acima de um limiar de dignidade humana e um tecto máximo que atenue as desigualdades existentes.
Nos salários da Função Pública e das organizações ou empresas públicas, participadas e controladas pelo Estado, deve ser adoptado o mesmo princípio de existência de limite mínimo que garanta uma vida digna nos níveis salariais mais baixos e um máximo que não seja ofensivo para as pessoas que vivem dificuldades.
Nos rendimentos particulares, fora da órbita do Estado, deve haver um salário mínimo bastante acima dos actuais limites, e total liberdade para as empresas pagarem aos seus quadros, sem qualquer limite.
O Estado não tem o direito de impor um tecto salarial a uma empresa particular mas tem o dever de criar um sistema de imposto progressivo, o actual IRS, que seja de facto justo. Os salários, pensões ou subsídios vitalícios pornográficos devem pagar uma taxa elevada que pode e deve ultrapassar os 50%. Para o cálculo da matéria colectável devem ser incluídas as despesas de representação e os prémios que frequentemente são superiores á remuneração mensal oficial. Os EUA em 1970 aplicavam taxas de 70%. Com Reagan desceram para 50% em 1981.
Sendo verdade que o Estado não deve impor limites máximos salariais às empresas privadas é desejável que a população tenha um juízo crítico contra os gestores que abocanham salários obscenos, sem respeito pelos pequenos accionistas nem pelos consumidores dos seus produtos, que pagam preços exagerados para alimentar a voracidade destas administrações.
É desejável que os consumidores olhem para a EDP ou para a PT e percebam que estão diariamente a pagar serviços caros, cuja única justificação é a falta de concorrência efectiva. Os portugueses devem sentir indignação ao pagar preços excessivos para que outros vivam à grande e à francesa.
De facto é como se estas empresas, abusando de não haver efectiva concorrência, roubassem diariamente um pouco a cada português, na factura que lhes apresentam, para garantir lucros e salários exorbitantes aos gestores.
Não basta um católico dizer-se católico. Tem de ter actos de acordo com a religião. Não basta dizermo-nos defensores da igualdade e da fraternidade. Não bastam as palavras. São precisos actos. Não basta festejar a república e os seus cem anos. É preciso lutar para que ela seja melhor, renovada, mais legítima e mais justa.
Um dos problemas mais graves do nosso país residiu no facto de, após a adesão à UE, Portugal ter criado um modelo de crescimento assente no betão e sem sensibilidade social. O dinheiro fácil foi utilizado para agravar as desigualdades sociais. Podemos falar de um modelo selvagem, que promoveu as compras dos Ferraris, não só no Vale do Ave, e outras manifestações de novo riquismo, apostando num baixo salário mínimo.
Um país rico, atraente, com boa qualidade de vida, não se constrói com especialistas sem visão geral, sem utópicos que persigam a sociedade perfeita, sem pessoas com preocupações sociais.
Não pode haver desenvolvimento duradouro e sustentável sem democracia. A história sempre mostrou que são os países com menos desigualdade que conseguem não só os maiores sucessos de bem-estar como maior crescimento económico.
Jaime Ramos
Excerto do livro «Não basta mudar as moscas»
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