maio 03, 2012

As maiorias silenciosas que fazem tumultos e a hipocrisia reinante

Se há momentos em que me assalta aquela incómoda e desconfortável vergonha pela prática de actos por parte de terceiros, ontem, dia 1 de Maio de 2012, foi um desses dias, ao ter conhecimento da lamentável atitude «promocional» da cadeia de supermercados Pingo Doce.
Não pelo lastimável espectáculo proporcionado pelo rebanho despolitizado, egoísta e/ou realmente carenciado (que também os há-de haver e em quantidade), pois esses são os habitantes do «Portugal profundo» que existe em tantos de nós, as «maiorias silenciosas», ordeiras, trabalhadeiras mas oportunistas ou «sobreviventes», que vendem, entretanto, a alma ao diabo por um prato de lentilhas… desde que sejam elas a comê-lo. Aqueles que nos tempos salazarentos afirmavam, com uma espécie de corajosa covardia, que a política deles era o trabalho e que se davam muito bem com isso.
Os mesmos que, hoje, vão dizendo a mesma coisa, escudados no argumento falacioso de que o que o país precisa é de «trabalho», para sair da «crise», mesmo que seja trabalho escravo, indigno ou ilegítimo.       
Mas pela atitude da corja empresarial deste tipo de calibre – pois creio bem que existe outro tipo de empresários –, mais a cáfila de assessorias que os ilumina, que é capaz de abandalhar – com a conivência do rebanho acima, de quem interpretaram bem o sentir – o dia que deve ser o  mais caro para quem tenha do trabalho a devida noção do que isso representa para a dignidade maior do ser humano na comunidade em que se insere.
Cinquenta por cento de desconto em compras acima de cem euros, entretanto, coloca-nos questões elementares, a responder com urgência por quem chefia o Estado da nação:
- Se estes descontos puderam fazer-se sem prejuízo, então o lucro nas transacções habituais é abusivo, desonesto e merecedor de punição pública;
- Se, pelo contrário, estivemos em presença de «dumping», com venda de produtos abaixo do preço de custo, então a atitude cai sob a alçada da lei vigente e impõe-se célere e conclusiva bordoada nos espertalhóides que a promoveram, através de mera aplicação legal – que a ASAE sirva, enfim, para alguma coisa, na defesa efectiva dos interesses do cidadão;
Entretanto, convém não perdermos de vista que, num ou noutro caso, o extraordinário fluxo financeiro que correu pelas caixas do Pingo Doce estará hoje a ser encaminhado para a sede do grupo domiciliada no estrangeiro, com manifesto e consabido prejuízo para a economia nacional.
Ora, isto, assim configurado, permite-nos dizer aos distintos governantes eleitos que nos calharam em sorte que podem limpar as mãos à parede com a autorização concedida a estes grandes grupos de interesses para abrirem portas em dia feriado de alcance mundial. Para além de se ter promovido uma profunda clivagem entre os cidadãos civicamente conscientes e os consumismo-dependentes.
Claro que, neste caso, os nossos gurus de serviço não se perturbam com a imagem que transmitimos aos «mercados». Afinal, a malta até ainda tem uns troquitos guardados para alinhar nestes desvarios. E isso é o que os «mercados» querem saber… e o resto é conversa.
Falta agora que o senhor ministro das Finanças faça um levantamento e retire rendimentos de inserção social e/ou isenções de pagamento de taxas moderadoras àqueles que tenham acorrido, ontem, às catedrais do consumo. É que no aproveitar é que vai o ganho e, assim como assim, lá irão pagar outra vez alguns mais dos mesmos…
Também como alguém disse, o acto teve outro grande mérito: serviu como ensaio geral para quando as grandes superfícies forem assaltadas pela multidão dos descamisados com fome. Mas, claro, nessa fase sem passarem pelas caixas.

25 comentários:

  1. Pois Orca---- A ASAE serve mais para achar uma colher de pau meio rachada na cozinha de um qualquer restaurante, ou uma casca de batata com bolor atrás de um pé de uma bancada onde a vassoura da limpeza não chegou no dia anterior.
    Ou para obrigar os produtores de queijo tradicional a gastar tanto dinheiro em inoxes, azulejos, máscaras, e demais tretas - que durante milénios a humanidade dispensou- , que os desgraçados, depois de fazerem as contas concluirem que para fazer 500 queijos por ano teriam de trabalhar até aos 280 anos para pagar o investimento e por isso desistem.
    Serve ainda para assaltarem os pequenos negócios para saber se o software é todo legal e se não for, Pimba! Multa e coima que é para aprenderem!
    Mas para perguntar pelo contrato de trabalho, com as cláusulas onde certamente não está patente o dia primeiro de Maio, já não existe. Desculpa-se:/ nesse dia os trabalhadores da ASAE, estavam de descanso a gozar o seu merecido dia. Não dou por mim sequer a formular a hipótese de pessoas tão zelosas com o cumprimento da lei estivessem nesse dia a desrespeita-la indo fazer compras ao Pingo Doce....

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  2. Não estou nada de acordo contigo, Orca. Uma cadeia de supermercados, não é uma instituição de beneficência nem de protecção aos direitos do cidadão, e o Alexandre Soares dos Santos, já o ouvi falar por diversas vezes, e nunca o apanhei a dizer "asneiras". É um homem sensato e muito inteligente. Tanto que, numa manobra de grande inteligência política, encostou a canto de uma penada a concorrência, os sindicatos, e os trabalhadores. Quem me dera ver o país governado por alguém com este sentido político. Quanto ao "rebanho despolitizado", é lamentável que seja tão "despolitizado". E sindicatos idem. O que é que eles conseguiram? Nada. A não ser fazer figura de ursos. E os realmente carenciados, duvido que tivessem cem euros para "bater". Há ainda que convir que se estivéssemos em período de abundância, a única diferença estaria na extensão das filas: bem maiores. Vivemos numa "sociedade de consumo". Ninguém se envergonha disso. Quer nos agrade ou não, é o que temos. E não será nunca com a indignação (genuína) de meia dúzia de gatos pingados que mudaremos alguma coisa. Ou a malta aprende a ter "jogo de cintura", ou iremos de mal a pior sempre. Os meus clientes são todos pessoas com muito dinheiro e ferozes... se consigo obter bons resultados com o meu trabalho (do qual faz parte proteger o território, a permeabilidade do solo, o ciclo da água, etc.) não é nunca com argumentos éticos ou estéticos. Quando eles me dizem "mata", eu digo "esfola". Quando eles me dizem "esfola", eu digo "estripa". São sempre eles que decidem. Eu nisso não me meto. O que eu lhes digo é que é meu dever (e é o que sinto) informa-los a respeito de soluções que me pareçam mais favoráveis... E eles "decidem" sempre bem... porque eu saco sempre da manga com bons argumentos económicos... ou então nunca levaria a minha avante... "a minha" que, na verdade, é a de todos...

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    1. Sua vendiiiiiiiiiiiida!

      :O)

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    3. Vendo-me e o melhor e o mais que posso... o dinheiro é pouco... e também nunca foi o que me fez correr... mas vendo-me pelas árvores... vendo-me para poupar um pedaço de chão... vendo-me para poupar recursos... vendo-me para tornar a vida das pessoas melhor... e mais me venderia se me deixassem trabalhar... infelizmente uma grande parte do que faço, por decreto, é lixo... só serve mesmo para ganhar dinheiro, o que é chatice tremenda (mas um dia escreverei um post sobre isso da inutilidade do trabalho...), mas mesmo assim "já lá moram" umas quantas bem metidas... e em simbiose! Foi bom para todos (que assim é que a gente gosta...) :O)

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    4. E mais te digo, não é para me gabar, mas se eu fosse o gestor de uma cadeia de supermercados, era gaja para sacar de uma deste calibre, embora pudesse ser mais forreta, não ia além dos 40%, e de certeza que ainda aproveitava para escoar uns produtos daqueles que nem ao menino jesus interessam... e com isso não acordava com nenhum problema de consciência, pelo contrário, ia acordar toda contente! Agora... do lado de cá das barricadas, a menos que a coisa se torne vinculativa, e aí até me sinto na obrigação de lá ir, ninguém me apanha a fazer compras no dia 1 de Maio...

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    5. ... a menos que se prove que houve nisto alguma ilegalidade, está tudo correcto. O problema é que cada um não saiba desempenhar bem o seu papel... é isso que cria o desequilíbrio... (Na Natureza também há peixes grandes e peixes pequenos... e isso nunca foi problema...)

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    6. (... o que eu não teria feito era "obrigar" os tipos a trabalhar... tinha-os subornado... e a avaliar por esta imagem... nem teria saído muito caro...)

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    7. Tu consegues surpreender-me ;O)

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    8. Não sei se isso é bom se é mau... :O)

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    9. Mas estás a ver a minha ideia? Aparentemente, como somos inteligentes, haveríamos de ser capazes de adoptar não uma, mas várias estratégias de sobrevivência. Mas não. A espécie humana, por exemplo, não sabe formar cardumes. A Natureza não nos deu isso. Se nos tivesse dado isso, sempre que fosse necessário, compulsivamente formaríamos cardumes. Não o fazemos porque a nossa estratégia de sobrevivência é o individualismo. Só nos unimos para lutar e... e... sempre com a sombra (e perigo iminente) da traição a pairar-nos sobre as cabeças... E esta estratégia não é um caso de fracasso. O nosso problema (enquanto espécie) é exactamente o extremo sucesso e não o fracasso. Do ponto de vista civilizacional, enquanto não conseguirmos compreender isto e adaptar os nossos sistemas às características que possuímos, viveremos sempre em desequilíbrio... Não sei... Se calhar estou doida. Mas isto para mim é muito evidente.

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    10. Surpreendes-me pela positiva... o que é surpreendente ;O)

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    11. porque é que eu nao consigo comentar na Funda há quase dois dias, hum?

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    12. "Estimado cliente,
      Conforme indicado na resposta anterior de momento não é possível fornecer um prazo para uma resposta por parte do nosso departamento técnico. Será uma questão de aguardar.


      Com os melhores cumprimentos,
      Eduardo Maio

      Web: www.esoterica.pt
      Tel: 707 50 90 91
      Fax: 707 50 90 92

      Detalhes do Ticket
      Ticket ID: OMJ-174470
      Departamento: Domínios
      Prioridade: Normal
      Estado: Fechado"

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    13. Bem.... a Dona "Strudes" anda a dar volta aos livrinhos do sr Fulgêncio e a tirar o pó aos que não tem pó algum. Mas se ela reparar bem, ali mesmo ao canto há uma montanha deles, carregadinhos de pó que ninguém vê há anos. Bem fazia ela mais a comadre Bia, esquecerem os apontamentos do sr Fulgêncio e ir limpar a casa para o outro lado.

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    14. Quanto ao pormenor delicioso dos cardumes e da gente humana...
      Libelitalinda.
      Temos comportamentos de cardume. Vimos bem como ia tudo em cardume direito à armadilha, o anzol, que pelo mecanismo da gula, as leva à desgraça.
      As consequencias do assalto do Pingo Doce às carteiras do pessoal já se sente por toda a cadeia comercial. Ao comprar tanta quantidade por metade do preço, morderam o isco e compraram o que queriam e não queriam, ficando sem mais dinheiro disponível para o resto do mês. O Pingo Doce fez um encaixe de dinheiro enorme, e o prejuizo, é agora do domínio comum, é zero, pois a prática habitual deles é empurrar os descontos para cima do produtor. Também estes se deixaram apanhar na armadilha dos grandes distribuidores, passaram a fornece-los em exclusivo e depois, com a falência da rede de pequeno comércio, viram-se de repente nas mãos deles. Sem outra alternativa: ou vendes à Sonae, ou vendes à Jerónimo Martins, e pouco mais, já que os outros são marginais e mesmo assim, com os mesmos tiques dos anteriores. E são eles que impõem preço, prazos de pagamento, promoções etc. Ou seja, todo o tecido produtivo do País está nas mãos dos tubaroes da distribuição. Que tem lucros , sabe-se agora, que chegam a 80%. Enquanto o produtor definha em trabalhos e encargos a que o Estado o obriga, estes senhores, pagam o grosso dos impostos na Holanda e por cá o que não pode deixar de ser. Este cenário é agravado pelo facto destes senhora "patriotas" como se vê e se auto-intitulam, não hesitaram em devolver produções inteiras e preferir importar produtos semelhantes para pressionar os produtores. Com as obvias consequencias de aumento do défice das balanças comercias e pagamento de impostos. E quem paga então o que o Estado precisa e que por via da deslocalização das empresas fica em falta?
      Os mesmos de sempre que vão lá comprar onde é mais barato. E depois, como não são capazes de ligar causas e efeitos, acham mal ficar sem ordenados, férias e décimos terceiros...

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    15. Essa falta de raciocínio lógico básico na maltinha é que me faz uma grande confusão.
      "Ah... eu vou comprar aos chineses... oh... a fábrica onde eu trabalhava e a minha mulher fechou... cabrões dos patrões!"

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    16. eu também sou um tubarão da distribuição. distribuo amor e prazer à fartazana!

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    17. Meu querido Charlie,

      A corrida aos descontos não foi um "comportamento de cardume" mas antes um comportamento de individualismo motivado pela sobrevivência mais imediata de cada indivíduo. As sardinhas reúnem-se em cardumes para se defenderem dos grandes predadores. Aqui, o comportamento de cardume teria sido o de boicote ao tubarão (mil perdões, Shark) e de solidariedade para com o grupo que foi forçado a trabalhar no 1 de Maio. Quanto ao resto, também o Pingo Doce terá prejuízo económico, porque os bens adquiridos com 50% de desconto não serão posteriormente comprados, com uma grande probabilidade no mesmo local, sem desconto nenhum. Muito mais que uma manobra comercial visando o lucro, isto foi uma manobra política. E quanto aos comportamentos de consumo da manada, o problema é sempre o mesmo. Mas a questão não está na manada nem no seu carácter "egoísta" (ou está) mas pouco adiantará continuar a apelida-los de nomes feios. As coisas são o que são. O problema essencial, a meu ver, é a má estruturação da sociedade para as características da espécie que a compõe. Ou seja, para as nossas características de espécie, é uma estrutura pouco "ecológica". Todas as espécies de plantas e animais, etc., têm uma estratégia de sobrevivência. Lá porque somos inteligentes, a nossa espécie não é excepção. Temos que aprender a viver com isso.

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    18. E há ainda outros aspectos a considerar... Uma grande parte das pessoas gosta de fazer compras. Adora!! Para muitos isto foi um dia passado em grande. Vi alguns vídeos em que as pessoas estavam perfeitamente felizes! E dependendo da astúcia de cada um, a verdade é que fazer compras com 50% de desconto poderá ter tido um grande impacto na economia de muitas famílias. Querermos por força que algum género de "ética" se sobreponha a isto talvez seja da nossa parte um tanto de moralismo utópico e cretino. Por aqui, julgo eu, não se vai a lado nenhum.

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    19. As pessoas são assim. São como são. Não podemos mudar as pessoas (só a Natureza o poderá fazer e em milhões de anos e muito possivelmente não no sentido que desejaríamos). Deveríamos era ser capazes de criar um sistema que funcionasse bem e em equilíbrio com a matéria humana que existe.

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    20. (Temos uma forma primitiva (desculpem-me todos) de atacar os problemas com "veneno" (mais leis, mais proibições, mais condicionamentos). Mas não é com "veneno" que se resolvem os problemas de sistemas dinâmicos. Quando muito isto é uma forma agressiva de corrigir sintomas, mas está longe de conduzir à cura).

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    21. Minha querida asas de transparência...
      Na verdade, os cardumes são isso mesmo, como dizes: a união do individuo a outros seus semelhantes para que em grupo enfrentem as ameaças à sua espécie. Ou seja, a união em torno de interesses comuns.
      Aqui, no Pingo Doce, com a devida diferença, o termo cardume não foi bem aplicado. Teriam de ser peixinhos e fazer bolhas com a boca.
      Tirando isso, era um bando de todos contra todos a ver quem comia mais do tubarão.
      Quanto ao resto do argumento, tudo a favor, nada contra.
      e agora, vou ali e já venho, mergulhar numa cerveja fresca
      Glup glup..glup.----ahhh.... ainda bem que os peixes não gostam de bejeka

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    22. Força nessa bejeka (acho que também lhe vou dar numa...)
      :)

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