maio 17, 2012

«O milagre português» - Jaime Ramos

A euforia na primeira década após a adesão à UE e o passageiro milagre económico português, vivido após as restrições impostas pelo Governo do Bloco Central, assentaram numa «santa» trindade e numa ilusão.
A adesão à Comunidade Europeia permitiu-nos o lucro imediato da transferência de fundos estruturais e a sensação de dinheiro à farta.
A estabilidade política, assente na maioria parlamentar do PSD e nos Governos de Cavaco Silva, fizeram-nos esquecer os 16 governos que tivemos em onze anos, após o 25 de Abril.
O terceiro factor foi a confiança dos portugueses em Portugal, iniciada com a democracia, confirmada com a adesão à UE e a entrada no pelotão da frente da equipa do euro. A eficaz estabilidade governativa e a adopção de algumas medidas estruturais pelo Governo de Cavaco Silva fizeram esquecer os períodos de vacas magras, os salários em atraso, a fome em Setúbal, os juros de 44 por cento à cabeça, os anos durante os quais, para se travar o défice das contas públicas, não se actualizaram as pensões dos mais desfavorecidos e carenciados durante o Governo do Bloco central liderado pelo Dr. Mário Soares.
Os últimos anos dos governos de Cavaco Silva indiciavam o início da desaceleração. O Governo de António Guterres criou a ilusão que bastava consumir e aumentar a despesa pública e privada para o país se desenvolver. Foi a época dourada do infantilismo macroeconómico que iniciou a utopia de que a balança externa era uma questão menor.
A conjugação dos ventos de leste, a noticiar as dificuldades do antigo “império” soviético, com o sucesso do estado social de mercado conduziu a Europa (e o Mundo) a uma época de vazio ideológico. Tudo pareceu indicar não existir alternativa ao sistema de mercado e à livre iniciativa privada, com excepção de algumas ditaduras que se foram reforçando politicamente e economicamente, como as “democracias” russa e angolana e o regime de partido único na China.
Os sindicatos “desproletarizaram-se” e perderam a coragem para assumir carga ideológica. Sem fatos-macacos ou colarinhos azuis, são cada vez mais gestores sem projecto de sociedade. Reduzem a luta de classes ao dualismo inflação versus subidas salariais.
O PSD tornou-se mais um partido de eleitorado de centro-direita e menos um aparelho de militância social-democrata. Esta evolução para a direita acentuou o apagamento do CDS.
Entre este PSD e o PS da espargata passaram a circular os tecnocratas, sem ideologias nem projectos patrióticos, e a direita de interesses preocupada com os negócios e com a necessidade de fazer dinheiro, muito e rápido, antes que a “teta” se esgote.
Esta conjugação permite que os dois principais partidos sejam influenciados pelos ventos dominantes, seguidores do mercado e enfeitiçados pelo poder do capital.
É esta miscelânea de interesses, sem ideologia, que espartilha Passos Coelho, e o limita na oposição ao governo socialista. Um dia é incentivado pela doutrina liberal, no outro é criticado pela revisão constitucional. Marcelo Rebelo de Sousa acusa-o de imaturidade e Ângelo Correia garante que o líder o ouve, quer queira quer não queira.
Passos Coelho tem todas as hipóteses de ser Primeiro-ministro, desde que não se deixe aprisionar por este colete-de-forças. (Nota: como se veio a confirmar)
Pode optar por ser liberal, garantindo a continuidade da governação socialista, mantendo o empobrecimento do país, o agravamento das desigualdades, ou assumir-se como social-democrata, revolucionar o futuro, criando um país mais justo e mais competitivo.

Jaime Ramos
Excerto do livro «Não basta mudar as moscas»

9 comentários:

  1. Cada dia entendo menos da politica ou será que já não há políticos com força e argumentos para fazer um programa que ajuste o nosso país aos tempos da grandote gloria e do emprego pleno....?

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    1. Como, se gastam a força toda (deles e nossa) e o dinheiro (só nosso) a tentar calar "os mercados" que quanto mais ganham mais querem e, se perdem, querem que sejamos nós a compensá-los?

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  2. A diabolização contínua contra os governos que apostaram no crescimento é o argumento favorito dos politicos liberais e ultraliberais que agora nos governam.
    O jeito que ainda dá falar no Guterres para não citar sequer Sócrates.
    A verdade, verdadinha é que tudo indica ter sido o mundo inteiro canalizado para a situação que agora estamos a passar e sempre pelas mãos dos tais mercados.
    Se os governos de então não apostassem no crescimento seriam apontados como retrógados e incompetentes, incapazes de acompanhar o desenvolvimento global. Mas para nos desenvolvermos económicamente de forma a melhorar o nivel de vida, foi necessário recorrer à importação maciça, coisa que na altura agradou imenso aos mercados. É um drama para um país como portugal, sem a massa cinzenta elevada ao nivel crítico suficiente, tentar os saltos tecnológicos. Sem conhecimentos de ponta, a tecnologia adequada e o financiamento interno não é possivel. Por um lado compreende-se o porquê: o preço final dos produtos é tanto mais barato quanto maior a quantidade produzida. Logo, qualquer industria nesse campo tem de ser virada para a exportação e isso implica entrar na selva impiedosa dominada pelas grandes marcas. Por outro lado, produzir implica matérias primas e industrias de apoio, todo um tecido que Portugal não tinha e ainda não tem, sendo as matérias primas -em grande parte, se não a maior- de origem importada. O mais natural é que mesmo se uma industria em grande escala tivesse algum suceso, a componente importada subiria em flecha de cada vez que a exportação sofesse um aumento de nota. Por isso se recorreu à importação: importar por importar, importa-se o produto acabado, sem riscos nem de investimento, nem de défices de funcionalidades.
    Em trinta anos passou-se de um pais atrasado para um pais consumidor de tecnologia avançada, mas que quase nada fabrica nessa matéria. Acompanhar a crista da onda de forma a não perder a vanguarda na utilização de equipamentos, computadores, telemóveis, etc, que são factores fundamentais para a competitividade das empresas, exige uma constante e maciça importação.
    Seria necessário responder com produção própria, mas que ninguém tenha dúvidas: fabricar desde a raiz um computador em portugal é simplesmente impossivel. Limitamo-nos a pouco mais do que fabricar algumas caixas e montar o que importamos. Um país de 10.000.000 de habitantes, neste contexto actual é um país inviável. Mesmo que pudessemos em algum ponto do circuito fazer algo competitivo, rapidamente a voragem das leis de Moore a fariam ficar ultrapassadas, exigindo novos investimentos, e sem tempo para os desenvolver e apurar tecnicamente, apenas restaria a importação de tecnologia de produção. Ou seja, um beco sem saída.
    A única oportunidade é a de fazermos bem as poucas coisas (tradicionais quase só) que os outros ainda não fazem nem melhor nem mais barato para podermos de algum modo pagar toda a tralha indispensável que importamos incessantemente, pois esta é que é a lei deste mundo governado pela lógica dos mercados.

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  3. xi... que testamento, ..da-se
    desculpa, paulo, sou um tagarela e quando começo a falar esqueço-me

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    1. E já sabes o que te digo sempre: é um desperdício, não fazeres um post quando estás... inspirado.

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    2. (... "desculpa, Paulo" mas a Libelita também passou por aqui... :) )

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    3. E passas sempre muito bem ;O)

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  4. Pronto, agora que o li de novo, acho que sim...
    Estava a escrever ontem sobre o estudo que tem de ficar pronto quanto antes, e foi um momento de descanso....

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