março 21, 2011

Carta aos Dragões-Poetas

Sob o teu túmulo nada existirá. Se morreste é porque gastaste até ao fim cada milímetro teu.

Porque és daqueles pássaros que desde tenra idade entregam o corpo à alma e a alma à vida e a vida consagram às linhas. Porque te viveste todo, inteiro, incompleto, até ao último grão. Porque lançaste o teu fogo às chamas, as tuas chamas ao fogo, as chamas e o fogo à vida e às páginas amarrotadas, torcidas se te apeteceu torcer; porque voaste para que o olhar pudesse ver do céu e desceste ao centro da Terra para que pudesse ver as quedas e o Mundo de quem se enterra cedo; porque te consumiste sem dó nem piedade da dor nos teus ossos; sob o teu túmulo nada existirá, tudo existiu acima dos teus ossos.
Sob o teu túmulo existirá o vazio, a imensidão do nada que te permitiste sobrar e tudo aquilo que nunca foste. Quando o Outono te trespassar os dias e o peito e te abrir a pele, poderás receber o Inverno de braços abertos na firmeza de quem nunca terminará frio - o frio inveja a noite que escurece o dia, não deseja a Luz - ele há-de-te encontrar fora de ti, muito além de ti, só terminarás nunca porque nunca será quando te terminares; nada de ti será ali, tudo de ti já se foi.

Os que te chorarem como um poema interrompido vão encontrar conforto nos braços sempre quentes das chamas que foste oferecendo; as chamas alimentadas pelo fogo serão eternas; os que não te conheceram chorarão apenas a sua ilusão, vão encostar-se à pedra fria que talvez lhes pareça irmã da vida que conhecem, talvez se apercebam do próprio vazio e o chorem.

Só a palavra pode tudo, não se prende nos impossíveis, não se detém nos limites da existência, não se acorrenta à realidade; a palavra já feriu de morte, já matou, já criou novas vidas, juntou amantes, quebrou paredes ou atravessou-as, saiu de si e voltou a entrar, voou e caminhou sobre as águas, destronou Reis e Rainhas, foi Cupido, Hermes, Vénus, alma, corpo, sede, medo, esperança, força de gigante e utopia; a palavra é um corpo Divino na Terra, único, tem pele de letras e não tem pele, corpo, sequer limites, pode ter e não ter ao mesmo tempo; a palavra é tudo e é nada e o seu poder, a sua magia, a sua força podem ser soberanos. É por isso que és um Dragão, porque escolheste a mais poderosa e mais arriscada de todas as armas, porque a palavras forjada a fogo é espada universal e eterna, é a lâmpada de Aladino, é a Magia de todos os Castelos e Reinos, exige-te a vida única, enche-te de vidas e arranca-te de ti.

Sob o teu túmulo nada existirá; a pedra não te encarcerará; já em vida te desencarceraste e desenterraste de ti.

13 comentários:

  1. Desenterrar dele próprio...
    Já ouvi falar de quem consegue enterrá-lo em si próprio, portanto...

    :O)

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  2. Esse comentário foi a dar-lhe para o "kinky"! Enterrá-lo em si próprio? Ai, credo! Ahahahahah O que eu aprendo, por aqui... Eheheheh

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  3. A São Rosas é "kinky" em todo o lado... até num sítio sério como este.

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  4. Miss,
    No penúltimo parágrafo deste teu texto defines de forma sublime o poder da palavra! Parabéns!;)

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  5. Quanto mais leio Shagwell, mais e mais me fascina.
    Quem é esta pessoa?
    Onde é que ela está de verdade?
    Quem é a menina de cordel que esta personagem agita?
    Pode ser uma entidade abstracta, um sonho, uma invenção, ou um exercício de memórias em permanente fusão.
    Quem ou o quê é que ela procura?
    Não o procurar talvez, mas sim descobrir.
    Há nas escritas desta personagem apenas um levantar duma ponta de véu, que um levantar mais além se esfuma em velas ao longe, desaparecendo atrás do horizonte.
    Quem é que te conhece de verdade, Miss?

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  6. Olha, Charlie, já agora e pelo exercício que li, também podes pensar em escrever uns poemazinhos.

    Quanto à personagem de mistério, disseste muito. E há outro tanto a revelar-se quando ela nos diz que «só a palavra pode tudo...».

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  7. E o Charlie escreve poemas, OrCa. Nunca leste nenhum poema dele?

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  8. Laura, :)
    obrigada! :D

    Charlie, :)
    mas eu sou só eu. :S http://www.youtube.com/watch?v=TIX5WMYrMms ;) Obrigada! :)

    OrCa, :) tu já me viste em osso. Eheheheh :)))

    Beijos a todos

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  9. Hmmmmm.....
    ´




    Hypnerotomachia Poliphili
    ..

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  10. http://pt.wikipedia.org/wiki/Hypnerotomachia_Poliphili :-O


    :)

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  11. Temos na nossa obra, uma referência a este livro enigmático, não tás alembrado, compadre Páulinho???

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  12. O compadre ainda tem os olhos trocados desde que leu isso :O)

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