março 09, 2011

A posta numa manif à rasca mas montes de bué

A sério que gostava de poder levar a sério o levantamento popular (virtual, até ver) que a música dos Deolinda, a crise financeira ou a simples sede de protagonismo de uma geração maioritariamente constituída por gente mimada, arrogante e demasiado umbiguista para reunir o arcaboiço necessário a um movimento colectivo espontâneo como os que viram na televisão e pretendem reproduzir na versão limpinha de um país democrático onde não existe um mauzão para lhes soltar as feras aos calcanhares suscitou.

Mas não posso. E explico-vos porquê.

Nunca fui um entusiasta dos rebels without a cause, excepto na sua componente lúdica. Uma revolução não acontece só porque sim, tal como uma manifestação não faz sentido quando se aliam a futilidade de um objectivo imbecil e despropositado, típico de quem não percebe pevas do que se passa à sua volta porque nunca esteve lá para ver, e a motivação dispersa por queixas que não passam da denúncia de problemas que todos conhecemos mas sem qualquer bitaite acerca de hipotéticas soluções.

O Sporting está mal e perde demasiados jogos? Expulsem todos os jogadores. Já agora, como a nossa Liga é muito inferior à espanhola e à inglesa acabem com o futebol no país.

O Ensino não corresponde às expectativas? É correr com o Corpo Docente no seu todo.

O país está em crise? É correr com toda a classe política.

E depois logo se vê.

Claro que o entusiasmo vai crescendo, há a popularidade da gaja parva que ela é, as mais de 20 mil clicadelas numa página revolucionária do Facebook e agora até já ganharam o festival da canção.

Os sinais multiplicam-se perante o olhar deslumbrado das gaiatas e dos gaiatos que depois de uma vida burguesa e sem dificuldades parecidas sequer com as que mobilizaram os seus pais e avós décadas atrás descobriram a pólvora sem fumo da contestação popular, da tenda armada na praça, do insulto impune ao agente de autoridade porque viva a liberdade e o people tá todo na rua a gritar.

Mas afinal vão gritar o quê, estes fedelhos que nunca mostraram interesse sequer em conhecer o funcionamento das instituições que querem agora, na prática, confiadas ao vazio?

Claro que muitos já sentem na pele as consequências do mau bocado que estamos a passar e juntarão a sua voz aos paladinos da moda contra o monstro de contornos difusos que é a classe política no seu todo, livres do jugo de partidos e outras organizações expiatórias de uma culpa que não assumem na sua birra mediática, tal como ninguém os ouve falar acerca de tomarem o seu posto nos bastiões tomados pela força do berreiro inconsequente na sua utopia abastada de meninas e de meninos que concordam na ideia de que estudar não serve para nada e por isso é certo e sabido que vão todos aprender os ofícios que dão futuro à pessoa, uma geração inteira a trabalhar no duro, pasteleiros, carpinteiros, serventes da construção civil e sem um canudo que só serve para atrapalhar.

Sentem-se poderosos, como os bandos de chimpazés, assim todos unidos num grupo grande quanto baste para impressionar os mais cépticos e para os contagiar com o impacto de uma imensa mole de carolas nos ecrãs de televisão. E nos monitores dos seus portáteis, as armas que esgrimem com a mestria de quem acha que sabe tudo e se habituou a vergar com chantagem emocional os adultos pelo ponto fraco do remorso pela sua falta de disponibilidade para os criar.

Cresceram na convicção de que berrar, como faziam em pequenos (ainda mais pequenos), sempre acaba por resultar numa vitória qualquer, tanto lhes dá.

Razões de queixa legítimas existem e talvez um dia até justifiquem que o poder caia na rua quando de entre os que gritam sobressaiam os líderes do futuro, inteligentes, consequentes, animados por uma convicção e dotados de um projecto alternativo que sirva melhor o país como o anseiam.

Mas do que já sei desta agitação das águas, aposto que a montanha não irá parir nem um rato de pedra.

Irá apenas abortar os delírios patetas de uma ínfima parte de uma geração que, como qualquer outra, engloba no seu seio um pequeno séquito de jovens calhaus.

19 comentários:

  1. Em nome da geração que se desenrasca (ou tenta, pelo menos), bem vindo, Shark!

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  2. Bem vindo, Shark.:)
    (o que tinha a dizer sobre este texto, já disse lá no teu canto, com direito à ripostação de velhas "conhecidas" e tudo, pelo que, agora, fica só o aplauso re recepção. Outros se sguirão)

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  3. Vês, Ana? Quando O saco não vai a Maomé, trago o Maomé aO saco :O)

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  4. Pronto, mal ponho aqui os pés tenho logo duas beldades a acolherem-me de forma calorosa...
    :)

    Agora devia botar discurso, mas a caixa é muito apertada pelo que direi apenas que me sinto bem até ver e, como vem sendo meu apanágio, tentarei elevar bem alto o estandarte.

    Do Persuacção, claro.

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  5. O mais razoável que se pode dizer sobre o casamento e sobre o celibato é isto: em qualquer das circunstâncias haverá arrependimento... disse Sócrates, não este o nosso, mas o outro, o de todos, e já há bués de tempo. Faça o que se fizer haverá sempre lugar a crítica. Por mim adorei que tivesse ganho o grupo rasca para nos representar na eurovisão, essa coisa duma europa eurocrática e estéril. Se tivesse ganho a outra, a eurovisa-politicamente-correcta, ficaria como sempre em último lugra, agora ficará em último mas dá-se o pontapé na canela. Se calhar até vou pra a rua, não sei bem a fazer o quê, porque há quase quarenta andei de arma na mão com cravos, e agora que eles secaram ficaram tão rijos como os que penduraram o cristo na cruz e no meio de ladrões. E é contra estes que grito, que gritamos, que desesperamos. Talvez faça falta gritar menos e inventar uma ETA qualquer para ver se os que não tem vergonha, passem ao menos a sentir medo. Seja como for, e regressando ao Sócrates de Platão, se fizermos, corremos o risco de fazer mal, e se não fizermos´... também. Façamos então qualquer coisa, nem que seja merda, pois esta merda, já tresanda de mau cheiro...

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  6. Ena, Charlie... tem calma, rapaz...

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  7. Charlie, pá, então imagina lá que a putalhada está numa de ditadura de direita ou coisa que o valha.
    Continuas a manter essa posição revolucionária?
    É que eu também vivo Abril, mas precisamente por isso aprendi a lutar por causas e não porque sim. Um gajo nunca sabe para o que lhes dá.

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  8. Olha que tens razão. Alguns dos manifestantes hão-de querer, aposto, é um aumento da mesada dos papás.

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  9. Tomar a parte pelo todo, rapaziada? Eu? nã...
    Acho que os meninos das mesadas as tem cada vez maiores, e os que gostariam de poder dar tem cada vez menos e são cada vez mais.
    Gosto de ouvir os argumentos dos que dizem: "Crise? Qual crise? Fui ao Algarve e a auto estrada estava cheia". Como se uma estrada cheia fossem os 10.000.000 que habitam este rectângulo. Mas SHK e São, não estou zangado heheeh.
    Isto é só um faz de conta...:D

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  10. Ah! É que tu, com o teu cabedal... chateado... somos amigos, não somos?

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  11. É claro que semos amigos.
    A propósito de cabedal, conto com os mesmos 1.81 de vertigem, mas menos 20 kg.
    Transformei a entremeada em musculatura e sou muito feliz assim, ai se sou... :D
    ( mas os leitões que se cuidem que dietas não é comigo)

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  12. Só tens mais um centímetro?! Visto daqui parecia que fazias mais sombra :O)

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  13. Pois tenho muita pena - ou talvez não... - mas nesta estou mais com o Charlie do que com o Shark. E do alto dos meus 59 anos amanhã também estarei na manifestação. Não sei em qual, nem sei ao serviço de quê, mas NÓS todos deixamos chegar isto a tal ponto, que alguma responsabilidade devemos, colectivamente, assumir. Nem que seja a do protesto.

    E também por duas razões outras relevantes: nem gosto de tomar a árvore pela floresta, nem gosto que a floresta esconda a bela individualidade de cada árvore que a enforma.

    Tenho o privilégio de privar de perto com muitos e muitos jovens que não são enquadráveis na moldura definida pelo Shark. E que estão mais do que motivados para protestar contra o verdadeiro estado de sítio para onde nos conduziram os sucessivos governos do centrão - afinal, os únicos destinatários do protesto.

    Quanto à má-formação de tantos e tantos jovens - onde reconheço muita razão à argumentação do Shark - a questão é esta: quem é que os mal-formou? Os pais, os parentes próximos, os professores, a sociedade que vimos construindo e onde eles se inserem? Quem é que lhes compra as consolas e os jogos? Quem é que permite que, na mesa do restaurante, o pimpolho matraqueie a consola dos jogos enquanto os pais olham para o infinito? Quem é que se demitiu e demite do seu mais do que nobre magistério de influência? Quem é que lhes põe os carros nas mãos (estou a falar dos filhos das classes médias, claro, que os outros ou andam a pé ou vão roubá-los)? Quem é que lhes fornece o guito para os shots e outras minudências? Quem é que permite o descalabro no sistema do ensino, que só anda a formar idiotas desde a mais tenra idade, se os paizinhos não tiverem dinheiro e discernimento para lhes facultarem «instrumentos paralelos» para a vida? Quem é que cria, como paradigma de cidadania, o ambiente dos Morangos com Açúcar do nosso descontentamento?

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  14. Continuando... É que quando um puto cá chega - e devia chegar por um acto responsável e consciente de quem mandou a respectiva queca -o mundo está feito. E ele vai fazer-se a ele, completamente dependente das circunstâncias que o envolvem.

    E se acham que devem protestar, pois que protestem. São muitos os jovens que dão o corpo no Egipto, que o dão na Líbia, que o deram no Kosovo, na Sérvia, como já o tinham dado no Vietnam.

    Se, desgraçadamente, os jovens portugueses não se revêem nos partidos e demais instituições existentes que poderiam enquadrar, com outro élan, este protesto... a culpa também será deles? E a alternativa é calarem-se e continuarem, precariamente, a recibo verde?

    Por estas e por muitas outras, caro Shark, atenção, que precisamos de ir com calma...

    Também conheço muitas abécolas como aquelas que referes. Mas sempre as conheci, desde que a mim me conheço, desde aqueles para os quais a sua política era o trabalho ou o futebol, até aos que andavam sempre de carteira recheada pela benaventurança dos paizinhos bem instalados.

    E, já agora, tenho um filho, com licenciatura concluída mas já atropelada por Bolonha - outra cagada sem nome - que já passou por meia-dúzia de ocupações - qualitativamente relevantes! - em meia dúzia de anos, até como professor universitário, que para tanto lhe chegam formação e saberes (!!!), e que desde os seus 20 anos faz questão de tentar viver com independência não subsidiada e sem cunhas... e só lhe aparecem ou maus pagadores ou esquemas a seis meses, mal pagos.

    Se me aparecer por aí algum andróide que me prove que se pode assim construir um futuro diverso do dos sem-abrigo, eu agradeço a informação.

    Como ele, uma imensidão, que lamentavelmente apenas vê futuro na emigração. Se é essa sangria de muitos dos melhores que devemos advogar, enquanto nação, enquanto povo, enquanto cidadãos, então estamos conversados e Portugal ficará bem entregue nas mãos dos socretinos a que temos direito.

    Ou, por outro lado, ainda, Portugal não tem relevância e ser português ainda menos e venham de lá os chineses, ou os indianos, como ontem vieram os americanos e, antes deles, os franceses, enquanto culturas dominantes, a bem do progresso do mundo. Desse progresso a que assistimos nos diários conflitos de interesses sob a égide dos sacrossantos «mercados».

    Não, Shark amigo, eu compreendo muito do que dizes, mas amanhã também vou manifestar-me contra... qualquer coisa.

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  15. Eu sei que estou a ser chato... mas lá terá de ser:

    No meio disto tudo, quer os Deolinda quer os Homens da Luta são efeitos perfeitamente colaterais, como o foi a Tourada de outros tempos, ou a Grândola ou o Depois do Adeus.

    Mas está muito na natureza humana localizar ícones ou pontos de referência para cada um não se perder ainda mais da tribo...

    Entretanto, sê bem vindo ao grupo, Shark, pois já que estamos a mudar o mundo, quantos mais, mais fácil se torna. E, sendo bons, ainda melhor. ;-)»

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  16. Copia isto para um post, OrCa. Vá...

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  17. Sim, Orca, copia para um post para eu poder contestar que aqui fica muito apertado...
    :)

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  18. Há-de começar a manifestação e vocês nisto :O)

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  19. O tempo é sempre curto... mas vamos sempre a tempo.

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