março 20, 2011

Porque sou anti-nuclear fundamentalista

...para uma energia de dois anos, as varetas nucleares ficam, e por extensão toda a central, radioactivas durante 25.000....

foto: web.educastur (fusión y fisión nuclear)


Com a recente tragédia a acontecer no mundo da energia Nuclear logo a seguir a Chernobil, o Mundo redescobriu de repente, e novamente da pior forma, o enorme perigo que representa a simples existência da ideia de se produzir energia a partir desta fonte.
Os que porventura passarem por aqui e que ao lerem estas linhas as descobrirem simplistas, que me perdoem, mas não há outra forma de chegar a toda a gente que não seja através da objectiva simplicidade.
Os argumentos que tem sido propagandeados sobre as inestimaveis vantagens e inocuidade da Energia Nuclear, pecam desde o seu início por pertencerem ao universo da paranóia. Não se podem usar metáforas, eufemismos, ou ligeirezas de linguagem quando o que está em causa é a monstruosidade representada por este tipo de instalações. O preço por kilowatt, a segurança, o tratamento de resíduos e por aí fora, são na verdade tremendos e só o lobby poderosíssimo que à sua volta gira fez com que as pessoas acreditassem nesta tríade de mentiras. Porque é de facto de mentiras que se trata.
A energia nuclear é realmente caríssima, perigosíssima, e sem tratamento possível no que aos resíduos diz respeito.
Mas como é que é se fazem as contas? Perguntamos e apenas ainda vamos no primeiro item. As contas são marteladas, pois se considerarmos só o preço do plutónio e matérias da mesma família como elemento de cálculo por kilowatt, este fica mais em conta. Mas basta que introduzamos o coeficiente que todas as seguradoras conhecem bem, o risco, para o preço disparar e ultrapassar de imediato o custo do Kw produzido de outras formas. Ao mesmo tempo, devemos acrescentar aos custos, o valor duma grande porção de terra, do seu subsolo e veios freáticos que ficam afectados ao complexo durante os breves 30 ou 40 anos de funcionamento. Depois disso, toda a central e a sua envolvência ficarão como um cemitério durante algum tempo, coisa pouca: 25.000 anos!!!

Se pensarmos só nesta última frase ficamos de cabelos em pé!!!
Nestes dois mil anos que contamos a partir do suposto nascimento de Cristo, quantos Impérios se ergueram e se desmembraram? Quantas centenas de guerras espoletaram, quantas e quantas crises económicas e ambientais ( terramotos com os movimentos de subsolo e desvio de veios freáticos, incêndios e inundações) aconteceram? Como pode alguém decentemente exprimir e assumir um compromisso para 25.000 anos?
Imagine-se que teria havido em Santarém uma central nuclear no tempo dos Romanos e ainda hoje, ( se tudo tivesse corrido bem, nem tremores de terra, nem deslizamentos nem inundações, nem incêndios) ninguém poderia aproximar-se dos restos da central. Estes restos teriam de ter sido mantidos em segurança de forma continuada pelos Romanos e Celtas, pelos Suevos e Visigodos, pelos Árabes, Lusos e Espanhóis, Franceses invasores e Ingleses tutoriais, pelos Liberais e Absolutistas, reformistas e Republicanos, o Estado Novo e País dos Cravos até chegarmos aos nossos dias de cinza crise onde não haveria dinheiro para a sua manutenção. Isto considerando a mirabolante circunstância de que nunca antes uma crise assolara o País, e no entanto, durantes estes dois mil anos de total improbabilidade apenas teria decorrido menos de um décimo da meia vida dessa herança tirânica.

Como se podem engolir as patranhas argumentativas a favor da construção destas monstruosidades sem que se processe criminalmente e de imediato os seus promotores sob a acusão de grave ameaça, pela via da mentira, à segurança e vida, não de uma região, não de um país, mas de todo o planeta, de toda a Vida e Humanidade?
Para que conste, tem havido centenas de acidentes com fugas de material potencialmente cancerígeno para o meio ambiente que nunca foram relatados. O silêncio e secretismo são uma das características desta actividade verdadeiramente diabólica e apenas quando algo de mais grave acontece é que a verdade rompe com as paredes do pacto de silêncio do mesmo modo que a pressão excessiva dum fluido rebenta qualquer recipiente que o contenha.

Uma central nuclear é na sua essência algo parecido com uma panela de pressão, onde o vapor que saí pela válvula faz mexer uma turbina produtora de electricidade. Em vez do fogão para aquecer a água usam varas de material radioactivo. Essas varas estão imersas num outro circuito de água (cor violeta/rosa na ilustração) que ficará para sempre radioactiva, cujo calor tremendo produzirá o efeito das chamas dum fogão.
Ou seja, dum lado há um tradicional sistema a vapor a produzir energia, do outro para produzir o vapor, um inferno de calor e radiações.
As varetas produzem calor durante um a dois anos, depois ficam radioactivas durante mais 25.000 (numa primeira fase, chamada de meia vida, pois só ao fim de cinco ciclos que seguem a lógica de base neperiana bem conhecida nas curvas de Gauss, é que se podem considerar inócuos os tais resíduos).
Mas as preocupações fundadas começam desde logo com a construção dos complexos. São enormes estruturas, com inúmeras ramificações, e logo aí o risco de falhas de construção é grande, de tal sorte, que quando se acabam de construir se fazem os ensaios de segurança em vazio (sem material radioactivo) introduzindo vapor sob pressão. Em todas as centrais foi necessário remendar, reconstruir, reforçar as tubagens, os irradiadores de calor etc. Depois, a duração duma central é de 30 a 40 anos, porque embora construídas em inox, a radiação é de tal forma corrosiva que ataca e destrói tudo o que a envolve. São frequentes as passagens da água radioactiva (rosa/violeta) para o circuito secundário ( azul) e que por essa via são para o meio ambiente.
A seguir à entrada em funcionamento enceta-se um caminho sem retorno. Não se pode desligar uma central, apenas moderar um pouco o calor emitido pelas varetas através duns invólucros. Quando nas centrais se quer "desligar" a central, emite-se a ordem na sala de comando e uns motores eléctricos fazem descer os tais invólucros sobre as varas. Mas continuam a emitir um tremendo calor e tem de ser obrigatoriamente arrefecidos sob pena da destruição de toda a central. Para esse efeito usam umas bombas que fazem circular permanentemente a água radio-activa (em circuito fechado, cor rosa / violeta na ilustração) que envolve as varas e a fazem arrefecer em irradiadores.
Quando essas bombas falham a água fica tão quente que a pressão sobe sem controlo e rebenta as tubagens. Depois, já sem água para arrefece-las, a varas atingem a temperatura da fusão dos materiais da central e até o próprio suporte do complexo: as rochas do subsolo.
Aí começa então o processo dramático chamado de "síndroma da china" : a amálgama radioactiva em fusão irá continuar a fundir e descer através da rocha até atingir um lençol de água. Chegado a esse ponto e uma vez em contacto com o líquido, começa a arrefecer mas toda a água dessa região ficará para sempre fortemente contaminada assim como o ecossistema tornando-o inabitável. Os impactes no entanto não se confinam à região mas sendo o planeta um sistema interactivo complexo é fácil entender como o desastre terá forçosamente repercussões globais.

Só por estes motivos escritos necessariamente de forma resumida e simples, qualquer cidadão consciente deveria de imediato exigir que se terminassem de imediato a construção de mais centrais deste tipo. As que existem, só por si, constituem uma ameaça tão ou mais perigosa que todas as armas nucleares existentes.

18 comentários:

  1. Charlie,
    Antes de mais quero felicitar-te pela a forma como expões o tema, clara, simples e logo acessível a qualquer leigo na matéria(como eu)!E pensar que a França aqui ao lado parece um "canteiro" desses tão venenosos "cogumelos"! Mas o argumento de peso, diria mesmo o único que pesa e prevalece é sempre o mesmo: "Autonomia energética como a da França que tem energia para dar e vender é o objectivo de todos os países que abraçaram o nuclear como a melhor opção!" E o pior é que, de acordo ou não, estamos todos no mesmo o barco quando a tempestade ameaça!!

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  2. Eu já tinha noção disto mas explicadinho assim torna-se óbvio até para um economista que esta opção é uma bela merda.

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  3. Creio que na verdade os economistas são postos perante um universo truncado de dados.
    Se num determinado contexto forem consideradas como importantes apenas algumas variáveis e omitidas outras, é muito natural que se cheguem a conclusões pré-concebidas, nomeadamente por esses que tem interesses no negócio do nuclear.
    O mesmo se passou com as tabaqueiras que anos a fio mostraram análises e resultados de estudos produzidos por cientístas de renome que a troco das lentilhas vendiam o mais importante que um ser humano pode ter como seu que é a dignidade.
    Todos os estudos mostram que o nuclear é securíssimo, excepto quando há um acidente.
    O que não dizem é algo que escrevi e que peca por defeito: as ocorrências nas centrais nucleares, não são centenas por ano mas vários milhares, cuidadosamente escamoteadas e escondidas da opinião pública, com recurso à censura imposta aos meios de comunicação pelos governos que tratam essas monstruosidades como segredos de Estado.
    Nas próprias centrais, há um pacto de silêncio entre os funcionários e que é imposto pelas hierarquias, também elas sujeitas a sanções em caso de fuga de informação.

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  4. Charlie,
    Só isso (o tal pacto de silêncio obrigatório) já diz tudo! E mesmo depois de Chernobil será que esses senhores nunca pensaram que um cataclismo natural poderia um dia provocar um desastre como este do Japão?! Que a passar-se, por exemplo, em França, que tem só ela cerca de 60 reactores nucleares, poderá um dia ter consequências ainda mais funestas e para toda a Europa?! Senão mesmo para toda a humanidade?!

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  5. No caso Francês, Laurinha, assistimos ao facto dela ser uma potência militar nuclear e as centrais funcionam muito como apoio a esse tipo de armamento tático.
    Na lógica da "dissuasão" nuclear não basta ter as ogivas, mas ainda mostrar que se está em plena capacidade de produzir mais armamento, tendo para esse efeito um manancial logístico de peso.
    Porque temos de fazer as contas bem feitas, e a energia que se dá e vende, quanto é que custa na verdade? Só para que conste, em Chernobil foram enterrados em 25 anos de obras consecutivas, biliões para cobrir com uma cúpula a zona radioactiva e no entanto a cobertura continua em péssimo estado, pois a corrosão produzida pelas radiações destrói tudo o que se lhe ponha em cima.
    Exauridos de recursos pedem agora ajuda internacional para conseguirem arranjar meios que estabilizem o local para um horizonte de 100 anos, prazo que alguns teóricos advogam ser o necessário até ser encontrada solução. Quanto custou a evacuação de toda a região envolvente? Quantos mortos e doentes directos e mais, muitos mais, os indirectos?
    Quanto custou de facto cada KWatt, MegaWatt, GigaWatt de Chernobyl???
    Ninguém está sequer habilitado a prever os danos permanentes criados.
    Isto é tão grave que actualmente todas as centrais dispõem dum estatuto especial no que a seguros diz respeito, não podendo ser responsabilizadas pelos prejuizos causados. Tratam-se nos departamentos governamentais a imprevisibilidade duma ocorrência nesses recintos ao nivel do que se considera para um desastre natural o qual não pode ser imputado a ninguém.
    Este pequeno factor mostra bem que na verdade nem eles acreditam na segurança das centrais como eles querem fazer crer e que pelo contrário as consideram monstruosidades perigosíssimas.

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  6. Digam lá que o Paulo Moura não fez bem em tornar este blog colectivo!

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  7. Tú que és íntima do Paulo lá saberás as linhas com que tu e ele se cosem...

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  8. Nós? Até à casa de banho vamos juntos!

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  9. Sim, sim, há meses e também às mesas.

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  10. Assustador...! (Não falo das siamesas, claro). Também fico grato ao Charlie por ter proporcionado este esclarecimento, fundamental para a tomada de consciência em favor da reactivação da palavra de ordem NO NUKES!, agora a nível mundial.

    Indubitavelmente, perante estes «gigantes» que tudo dominam e determinam desde que colham disso benefício, custe o que custar, morra quem morrer, se impõe uma profunda mudança de paradigmas das sociedades... Isto se a ideia for manter a Humanidade por mais uns anitos nesta bola azul.

    Tarefa ingente...

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  11. Olá Mestre Orca.
    Obrigado, ser simples é por vezes complicado, e certamente os sabedores destas ciências e tecnologias irão rir-se da simplicidade, mas no fundamental é tudo isto que acontece. Mudem eles de água quente para água a 550º ou ainda mais sob tremenda pressão, ou para os ciclos a gás em compressão sucessiva, desde as de urãnio para as MOX que reciclam combustivel mas que na verdade, e esgotada os ciclos possiveis de reaproveitamento, deixam o PU239 (isótopo do plutónio extremamente tóxico usado nas armas nucleares) sem saber o que lhe fazer por 24.500 anos etc.
    Sei que não disse a verdade toda, para ser simples e ser simples sem explanar o pormenor, é dificil. Mas a verdade é ainda muitas vezes pior do que de forma simples deixei no post, que os meus amigos co-bloguistas fizeram o favor de comentar. Desafio que haja um só a favor dos NUKES que desdiga o fundamental: a energia nuclear é uma monstruosidade de controlo muito dificil e que se revela em pleno sempre que a lei de Murphie vem ao cimo. A energia nuclear deverá ser banida do mundo e quanto antes. E mesmo assim, depois de desactivadas as centrais temos que manter eternamente o cemitérios, as velhas centrais e vigiar todo o ecossistema- Uma herança terrífica para o futuro de todas as gerações- e isso, meu caro Paulo, não há economista que se aguente à tabuada, ábaco ou computador.

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  12. Juntando à forma como estamos a tratar o ambiente, o endividamento dos países, das empresas e das pessoas, as próximas gerações deverão ter uma qualidade de vida que não invejo.

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  13. Penso, caro Paulo, que cada ciclo constrói no seu início os seus paradigmas.
    Talvez o que seja terrível sob os nosso prismas, não tenha qualquer valor para eles, e assim,estejam isentos de aplacar a culpa.

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  14. Pode ser... mas não vejo esses paradigmas (refiro-me a valores, a questões de fundo) a mudarem no espaço de 2 ou 3 gerações.

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  15. A questão nuclear, e Nuclear, neste post em particular, está focalizada nas alterações com carácter permanente e que por esse motivo, alteram toda a lógica onde os paradigmas assentam.
    Num mundo construído sob a tónica da Globalização, o factor determinante é a mobilidade; de gentes, produtos, capitais.
    Se no Japão, sobre a tragédia dos terramotos e tsunamis consequentes, ocorrer o pior dos cenários- a fusão do núcleo de plutónio, todos os dados ficarão condicionados de forma permanente numa imensa região. A sociedade re-organizar-se á obviamente mas sob outras linhas de pensamento colectivo. Fazemos o impossível sob pressão, até mudar do dia para a noite....

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