Nos últimos dias, a Al Jazeera tem acompanhado também a situação político-económica em Portugal através dos seus correspondentes europeus. Entre as várias peças acerca do nosso cantinho à beira-mar plantado, descobri esta crónica, da autoria de Barnaby Phillips (correspondente europeu no Reino Unido), que relata a sua viagem de ontem a Lisboa e na qual faz o retrato de um país desiludido, ansioso e receoso à beira do colapso. Tomei a liberdade de a traduzir pois vale a pena ler.
Apanhei um táxi do aeroporto para o meu hotel no centro de Lisboa e pedi recibo ao condutor.
Ele era um homem amigável e tínhamos tido uma conversa interessante. "Quanto quer que lhe ponha no recibo?" perguntou-me, com um sorriso e um piscar de olho.
Depois da fria e respeitável Londres, foi o recordar de que me encontrava num lugar -como dizê-lo?- talvez mais mediterrânico (com o devido pedido de desculpas se ofendi alguém).
Lisboa é uma das minhas cidades favoritas. Adoro os bairros antigos agarrados às encostas das colinas, a arquitectura e os pequenos eléctricos que andam para cima e para baixo nas ruas com calçada.
Sou fascinado pela história e pelas ligações coloniais com Angola e Moçambique. As pessoas são gentis e generosas, a comida é óptima.
Mas não há lugar para equívocos em relação ao estado de humor, desta vez; uma mistura de ressentimento fervilhante em relação aos políticos portugueses e uma cruel resignação perante o facto de o pior estar ainda por vir.
Já senti este estado de alma antes; lembra-me a Grécia durante os primeiros meses de 2010, à medida que o país caía na bancarrota.
Está presente o mesmo cinismo em relação aos que se encontram no poder, o mesmo sentimento de desamparo e frustração... (e, atrevo-me a dizê-lo, a mesma tendência criativa em relação a alguns aspectos de contabilidade).
Em alguns aspectos, Portugal encontra-se numa situação ainda pior.
Pelo menos a Grécia, sob a liderança do Primeiro Ministro George Papandreou, elegeu recentemente um governo com um mandato forte que lhe permitiu tomar acções firmes para salvar a economia.
Portugal está à deriva após a demissão do Primeiro Ministro José Sócrates.
As eleições podem estar a semanas de distância e podem ser inconclusivas.
É certo que a dívida e o défice de Portugal são menores do que os da Grécia.
Também é verdade que os bancos se encontram em melhor situação do que os da Irlanda ou da Espanha.
Contudo, os problemas económicos são aqui muito profundos; o mercado de trabalho é inflexível e há pouca inovação.
Hoje visitei uma uma empresa de Tecnologias de Informação, dirigida por um grupo de jovens empreendedores portugueses.
Todos eles eram extremamente brilhantes e a empresa está a portar-se bem.
Mas eles partilharam o seu desagrado e sentimento de alienação em relação os políticos do país e o seu sentimento de desespero ao verem cada vez mais colegas seus a procurar emigrar para o Norte da Europa e para os EUA.
Hoje, o metropolitano de Lisboa estava em greve. Ontem eram os ferries. Amanhã serão os comboios.
Será uma maré crescente de inquietação industrial à medida que as medidas de austeridade se tornam mais severas?
Talvez, embora Lisboa não tenha a tradição de protestos de rua dramáticos de Atenas.
Sendo assim, para onde vamos a partir daqui?
Os mercados financeiros claramente não acreditam que Portugal consiga o crescimento necessário para lhe permitir saldar as suas dívidas e há agora imensa especulação sobre o país vir a necessitar de um resgate na ordem dos 70 biliões de euros.
Isto irá levantar mais questões acerca do futuro das fracas economias periféricas da Zona Euro e reavivar os receios de contágio que possam afectar economias maiores como a da Espanha.
Infelizmente, a lição que se tira de Portugal, da Grécia e da Irlanda, é que optar pelo resgate não singnifica necessariamente o fim das aflições do país.
Pelo contrário, é apenas o início de um novo capítulo, num longo e doloroso processo de reforma.
"Dans la mouche", Katano!
ResponderEliminarNa realidade, a opinião deste correspondente da Al JAzeera em nada difere da opinião do cidadão médio cá do Rectângulo.
ResponderEliminarEntre grunhos e hipócritas, truculentos ou ingénuos, alguns olhos espreitam por entre as folhagens e vêem exactamente o mesmo que o olhar deste estrangeiro transmite no seu texto.
Ah! Portugal também tem um arbusto para analistas tímidos...
ResponderEliminarO melhor sítio para se observar cavernícolas é sem dúvida o abrigo dum belo arbusto.
ResponderEliminarAmbos - caverna e arbusto - são resguardos, oferecem segurança, só que um arbusto, ao não ter tecto, dá para ver o sol. :)
Bom para quem não é careca...
ResponderEliminarBem, pronto, pode estar deitado debaixo dela, só com os olhinhos a aparecer.... ;)
ResponderEliminarEstá melhor...
ResponderEliminarVale, de facto, a pena ler. Mas vocês desculpar-me-ão que, sem retirar genérica razão ao articulista, refira que há por ali duas ou três coisas que, enfim…
ResponderEliminarDesde logo ao dizer que Portugal está à deriva após a demissão do Primeiro-Ministro José Sócrates. Não, não é assim! Portugal está, sim, à deriva também por culpa do (des)governo do Primeiro-Ministro José Sócrates. Já está, aliás, de há longa data, à deriva, nesta espécie de Maelstrom do nosso querido centrão que não é capaz de fazer outra coisa ao país que não seja afundá-lo num turbilhão de dívidas.
Não me irrita menos o facto de nunca se compararem valores absolutos das remunerações entre Portugal e a restante Europa; ou entre práticas de condições de trabalho; ou entre as práticas fiscais, altamente «específicas»… ou, ou, ou….
Depois, refere-se a suposta «estabilidade» dos bancos portugueses, comparativamente, por exemplo, aos da Irlanda… Bom, e isso conseguiu-se e consegue-se à custa de quê e de quem? E, já agora, serve-nos para quê, aos cidadãos comuns?
Nem menos me chateia, quando se fala da suposta «inflexibilidade» da nossa legislação laboral, sem a contrapor ao despautério que é o nosso mercado de trabalho, absolutamente desregulado e na maior impunidade, com o beneplácito do Estado, através dos sucessivos governos, desregulamentação de que ele é, aliás, o principal mentor.
Nada do que aqui se passa, nesta área, tem paralelismo quantificadamente comparável em nosso desfavor, com o que se passa por essa Europa fora… Mas tal nunca ninguém refere.
Objectividade jornalística? Eh…
E lá estás tu a desperdiçar um belo texto num comentário. Posta, rapaz, posta.
ResponderEliminarMas qual queres? A mirandesa ou outra?
ResponderEliminarTem de se dar tempo ao tempo, carago. Ainda agora postei uma. Preciso de descansar um bocadinho...
E, depois, a dizer sempre o mesmo, ainda canso o distinto público.
Mas, vê lá tu: dizem os «entendidos» que as remunerações cá na lusa terra nunca acompanharam as dos parceiros europeus, mesmo aqui os nossos vizinhos, porquê? Ora, porque a «nossa» produtividade per capita é mais baixa. Bem... então e porquê? Ora, porque há muito desperdício. E qual é ele? Ora, feriados a mais, intervalos para o café até dizer chega, comentários diários sobre o futebol, etc., etc., etc. Muito bem! Então e quando vamos «lá para fora» e produzimos c'umòcaraças? Ah, agora é o parque industrial antiquado, a falta de formação ou de qualificações... Então, vá de dar qualificação! Pronto, agora há qualificação. Muito bem. Pomos um licenciado em calceteiro, outro em caixa de mercado,etc., etc., etc..
A chatice é que toda a malta sabe muito bem que é assim. Mas como grande parte anda encostada à teta da porca estatal, tudo assobia para o ar.
E hão-de votar, outra vez, nessa incomensurabilidade socrática, vais ver, que o gajo é que é esperto e o resto são lérias. Vale a pena escrever (mais) sobre isto?
Alguém disse, talvez cinicamente, que um dos nossos dramas históricos é que os «melhores» emigram e nós, os pobres que cá ficam, somos os descendentes dos tristes que ontem ficaram, os velhos do Restelo e tal...
ResponderEliminarSe calhar, é. Ou talvez não. E o Velho do Restelo até dizia algumas coisas com laracha, ou dignas de algum crédito. O certo é que emigrar, muita vez, será a escolha mais certa para cada um. Mas muitas vezes também é a atitude mais cómoda. Assim c'umàssim, não é preciso fazer manifestações, nem dar o corpo ao manifesto para mudar o que consideremos errado, nem ir para os sindicatos lutar por qualquer coisa, em vez de apenas dizermos que «aquilo é uma merda», nem bater o pé às injustiças... ou «partir as ventas à reacção», o que, porventura, está a fazer alguma falta...
Enfim, mas isto é alguma novidade?
Essa da "reacção", precisavas de ma explicar bem, porque - confesso! - nunca entendi. Nem logo depois do 25/4/1974...
ResponderEliminarÓ, São - reparaste nas aspas, claro... - a «reacção», conceito do ideário esquerdo-popularucho, há-de ser a metáfora abrangente para todos quantos consideram que a forma mais conveniente de se estar na vida é mamar na teta que esteja mais à mão, nem que para isso seja preciso arrancar de lá algum nascituro com fome... Apenas porque a nossa sede ou fome é mais prioritária do que a do nascituro... só porque é a nossa.
ResponderEliminarAssim a modos que, eufemisticamente, aquilo a que os «analistas» da nossa praça chamam de «capitalismo selvagem».
De resto, creio que neste conceito caberão (sim, sim, é isso mesmo...) quer os empresários desregradamente chupistas como os seus apaniguados chulecos (que até podem ser os porteiros lá da empresa, que o conceito não discrimina classes sociais). Também não é relevante serem públicos ou privados, pois, para o caso, cá no burgo, vai dar tudo ao mesmo.
Eu gostaria de não dar uma de radicalóide com esta converseta toda, mas a verdade é que, em Portugal, estamos todos tão «próximos» uns dos outros que parece impossível tornear a grandíssima lei do compadrio. Pelo que, se é verdade o que se diz quando se diz que «o poder corrompe», o fenómeno em Portugal parece ocorrer com muito maior fluidez e celeridade... E nunca mais saímos deste vórtice de interesses instalados que, nomeadamente, cerceia todo e qualquer tentativa de golpe de asa das gerações mais novas, asfixiadas por uma carga de impostos e taxas piores que cinza de vulcão em actividade.
Verdade ou mentira?
http://www.youtube.com/watch?v=ukPdbUrRKbo
ResponderEliminarQuando me referia ao meu comentário, era no sentido de dizer que o condicionamento feito pelos meios de comunicação, através dos noticiários, e os "opinion makers", conduz os Portugueses a fazerem a figura do emboscado atrás do arbusto quando exprime: "até parece mentira ninguém ver isto..."
ResponderEliminarE isto é terrivel, pois faz com que aceitemos mais tarde e já em desânimo, as soluções suicidárias que nos querem impingir.
Quem são as agências de rating?
Quem são os "mercados"?
Vamos pagar dívidas diminuindo a nossa capacidade económica?
Quem é que anda a enfiar esta água morna nas cabeças das pessoas?
Repito: Onde estão estas pessoas ???
E depois de acha-los, não seria bom fazer como se diz na peça:
" E não se pode matá-los??????"
E indo ainda na senda das citações: Sérgio Godinho: "... matar não gosto, mas matar o piolho liberta a gente...."
..ou poderia ser "pulgas" já não me lembro bem.... ;)
ResponderEliminar"Eu, matar, não gosto muito
ResponderEliminarmas saudades, é diferente
é como matar pulgas
alivia a gente"
Sérgio Godinho - "O Porto Aqui Tão Perto"
Ah grande Orca!! Esse(s) comentário(s) merece(m) realmente uma posta! Eu também não concordo com tudo o que ele diz e alinho-me mais no sentido da tua opinião. Não é pela demissão do Sócrates que estamos à deriva. Inclusive, já há muito que defendo a ideia de que a diferença entre o nosso governo e o governo da Bélgica é que o nosso é mais oneroso para o erário público. Quanto à suposta estabilidade bancária, ninguém lhe deve ter dito que o BPN e o BPP são bancos.
ResponderEliminarAchei relevante este texto apenas para analisar a forma como nos vêem lá fora já que nós, atolados como estamos neste pântano feito de um caldo de politiquices, boys n' jobs, conformistas e outros que tal, não conseguimos antever o fim desta épica trapalhada.
Não é para vos/nos preocupar mais, mas olhem a notícia fresquinha:
ResponderEliminar«A agência Standard & Poor's (S&P) reviu ontem em baixa os "ratings" atribuídos aos maiores bancos a operar em Portugal, num ajuste ao corte efectuado sobre a dívida da República. O BCP, pela sua "posição financeira mais débil do que os concorrentes", fica apenas um degrau acima das classificações de alto risco, designadas de "junk" (lixo).»
http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=476187
...Quem comanda as tropas? Quem são os silenciosos guerreiros deste implacável saque?
ResponderEliminarFirst we take Manhattan, tham we'll take Berlin.
Ireland, Greece, Portugal and Spain.
Wake up Europe, Merkell is next.
Não há-de faltar muito...
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