março 26, 2012

A posta no bastão azul


Até podia achar coincidência o facto de estas imagens de polícias ávidos de baterem nas pessoas, sobretudo pessoas que informam, acontecerem quase sempre ao longo dos mandatos laranja no poder, mas não acho.
Ao eterno apelo da Direita para privilegiar a disciplina sem dispensar a repressão para mantê-la soma-se o evidente temor do actual Primeiro-Ministro de que as coisas descarrilem nas ruas e temos garantida a receita trauliteira que as palavras do poder insinuam e a vergonha no Chiado denunciou.

Já levei bastonadas da polícia e posso confirmar que aquilo dói mais do que a picada de meia dúzia de abelhas em simultâneo num mesmo local da nossa anatomia.
Aproveitei para deitar um relance à expressão do agente da autoridade que se preparava para me aviar a segunda de mão quando entendi bater em retirada, centenas de metros até o peso da couraça daquela amostra derobocop o forçar a desistir da perseguição, e percebi que a criatura não estava de todo aberta ao diálogo e a uma amena troca de impressões acerca do facto de aquela ser (mais) uma carga policial desnecessária e violenta em demasia para o que estava em causa na altura.
Ficam fora de si, os homens fardados a quem compete espancar os que discordam ou, como no exemplo mais recente se percebe, apenas incomodam com o relato das proezas de quem se pode transformar numa destravada arma de arremesso do regime quando o caldo entorna e o povo decide reclamar onde a Democracia o deixa.

É isso que recordo quando acontece mais um episódio daqueles que o tempo e diversas investigações e inquéritos inconsequentes acabam por reduzir a um incidente sem grande expressão, até porque, como este povo pacato se apressará a referir, até nem morreu ninguém.
Pois não morreu, mas podia ter morrido. Ou pelo menos sido gravemente ferido como o jovem a quem um tiro da polícia nos desacatos nas portagens da ponte 25 de Abril amarrou a uma cadeira de rodas. E seja como for, não podemos estar reféns da dimensão das consequências para a avaliação da gravidade do que se passou.
Foi grave, como o são todos os abusos de autoridade, como o são todos os ataques à liberdade de informação que, por muitas histórias que se contem, ficam bem expressos na intimidação que se quer vincar quando se espancam jornalistas identificados na condição. Para deixar um aviso à navegação, devidamente condimentado com a sugestão de indumentária e de posicionamento para salvaguarda da segurança não dos jornalistas mas da imagem futura de um Governo que até estranha tamanha pacatez perante tanto desmando, tanta dificuldade que nos impõe a ressaca do mau desempenho de quem nos tem governado desde que a (primeira) Revolução aconteceu.

Pensava eu que o terror popular perante as fardas (na altura cinzentas) dos que batiam sem dó nem restrições ao mínimo sururu em qualquer local público, com particular apetência pelas redondezas dos estádios de futebol, treinando à época para uma ameaça real dos nossos dias, a das claques organizadas, tinha acabado mas na altura era imposto sem recear uma Imprensa censurada que virava a cara para o lado ou levava com o lápis azul, ou pior. Mas agora caminha-se de regresso a esses dias sem lei para alguns.
E é essa a vontade dos que mandam ou permitem ou sugerem que se espanquem profissionais da Informação no exercício das suas funções, substituir pelo medo as ferramentas que no passado tanto jeito deram a quem governou.

E é essa a realidade obscura por detrás destes abusos que apalpam o pulso à contestação enquanto o tentam torcer à bastonada, tentando amedrontar os que se manifestem e aqueles que possam “denegrir” com a detergente verdade dos factos todos os esforços, todos os discursos institucionais hipócritas de alegada condenação da violência que, para acontecer, careceu de alguma autorização (dita) superior e que visa especificamente intimidar todos quantos protestam as suas queixas mais aqueles que as possam amplificar.

Sai-lhes sempre o tiro pela culatra quando nem assim os conseguem silenciar.

11 comentários:

  1. Isto não há nada como saber destas coisas por quem já passou por elas.

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  2. Acho que sabemos todos como lidar com estas derivas do Poder. É manda-los abaixo, porque das duas uma; ou o poder é democrático e assim sendo não é legítimo que se possa voltar contra o povo, ou não é democrático e aí tem a legitimidade das Ditaduras, as quais, dizemos à luz da inspiração Democrática, são ilegítimas. Quanto ao papel dos agentes nestas coisas não há nada de especial: eles são treinados para bestas, o coração é-lhes retirado e o no seu lugar fica uma pedra talhada na mesma pedreira onde se produzem os tique-taques de rocha dura que fazem mexer os peitos dos banqueiros e troikas, ficando os corações moles de carne e lágrimas, para nós, o povo, os trouxas...

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    1. Isto de democracia já não tem nada. Pornocracia, quase na totalidade.

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  3. Às armas, só uma resposta, as armas. Isto de nos manifestarmos e levarmos no 'toitiço' não leva a lado nenhum.
    Pelas mais diversas razões já alguns dirigentes ditos 'democráticos' tombaram, não piaram e não levaram ninguém atrás (JFK, por exemplo). Que contemplações há que ter com este governantes mal disfarçados que mais não são do que lacaios de uma plutocracia que age na sombra e no 'lobismo'. Se algum tombar, os senhores que se seguem irão naturalmente pensar mais vezes antes de tramar quem reclama e tem montes de razão. O que mais merecem nos dias de hoje é a paga com a mesma moeda.
    Tenho dito

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    1. Camarada Otelo, isso das armas tem o problema de as balas não tomarem partidos...

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    2. E não têm todas a mesma origem...

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  4. As balas não tomam partidos, mas quando partem com o destino certo que lhes seja imprimido por um atirador de precisão, podem alcançar objectivos que eu não vislumbro alcançáveis por outra via, pelo menos no país onde habito. Anichados sob o peso da canga é que não evoluímos para fora do caminho que o país está a tomar. Não há qualquer partido que me inspire esta forma de ver as coisas pois, feitas as contas, todos se lambuzam nesta 'democracia' da treta, mesmo os que estão ao lado do Otelo (se é que os há).

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  5. Quando aceitarmos a morte de alguém como solução para os problemas de um país estaremos a meio caminho de o destruir.
    Enquanto existirem mecanismos ao alcance dos cidadãos para corrigirem as anomalias (sim, é mais difícil tomar conta de uma Junta de Freguesia, por exemplo, do que disparar na carola de um biltre) é para aí que devemos apontar.
    Do caos só nascem anarquias ou ditaduras. Nenhuma serve o meu conceito de Pátria.

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    1. Bem, Shark... a vantagem da História é aprendermos com os erros do passado... e já houve erros assim...

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    2. Quando deixamos de pensar com a cabeça e se deixa o coração tomar os freios nos dentes, é natural que se cometam erros.
      Mas a cabeça, o cérebro, é o órgão que mais energia consome, ou seja, alimento.
      E sabemos - É TAMBÉM UM DADO DA HISTÓRIA- como A FOME É MÁ CONSELHEIRA.
      Parece que quem não sabe nada de História, são os senhores que pela sua prática insensata, empurram os ventos da História para os cenários da desgraça já conhecidos.
      Mas como o bom senso da Sãozinha e Tubarinho demonstram, nessas ocasiões, as balas nem sempre vão na direcção dos pulhas mas sim nas dos desgraçadas que estando no mesmo barco são acusados de causadores das desgraças mútuas.

      (ou seja, em bom português, andamos todos depois à porrada, enquanto eles ficam olhando e rindo à distância)

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