março 19, 2011

dos copos, da perspectiva, da atitude, do seu esvaziamento, da filosofia e dos comportamentos cívicos

Quando vejo um copo meio cheio, bebo-o. Quando o vejo meio vazio, encho-o.

Isso é o que geralmente ocorre se pensarmos que tudo depende das circunstâncias da vida. Tudo depende do conteúdo do copo. Tudo depende da nossa apetência por esse conteúdo.

Assim fui ensinado e apurei, a fim de contrariar desperdícios – o que é pecado, diziam-me – ou para não ficar perante a vida à espera que as coisas aconteçam – o que também é desperdício, logo, também pecado.

E, assim, eu ateu confesso, sigo religiosamente tais preceitos, bebendo copo atrás de copo… enquanto me sobrar a vontade de beber e beberagem disponível.

No que podem dar generalizações simplificadas ou simplificações generalizadas é que, ansiando por constituírem paradigma, transformam-se em não mais que bloqueios de raciocínio, que podem levar a que um esplêndido dia de sol apenas nos faça pensar em poupança de luz eléctrica.

Um copo não está meio cheio nem meio vazio por força do meu estado de espírito – alegre ou triste - ou sequer pela minha natureza – optimista ou pessimista – mas muito mais em função da minha apetência de momento em relação ao seu conteúdo, como já digo antes e que me parece razoável.

Uma abordagem «desinteressada» ou «apolítica» sobre o cerne das questões corre o risco de enfermar dos mesmos males do eunuco na celebração do Dia do Pai.

Tudo depende do conteúdo do vasilhame em apreço, pois. Tudo depende do apetite do indivíduo presente. Tudo depende da dimensão da sua sede e, até, da circunstância em que se encontra, pois esta pode não lhe ser favorável ou permitir dar livre curso aos apetites. Não é por isso que a sede deixa de ser sede. Não é por isso que o apetite se desvanece.

E, agora, da metáfora política para a política metáfora:

É com esta profunda complexidade humana que um governante não autista deve saber lidar, para encabeçar um projecto de sociedade. A questão poderá ser, entretanto, se perante esse «autismo» tal advém, como no caso do conteúdo do copo, de mero modo de ser ou de estado de espírito muito pessoais, ou se, outrossim, se trata de colheita alheia que alguém assume como sua, em função dos proventos que daí lhe advenham… e à seita.  

Quando tal ocorre, a abordagem a que se assiste é que, esteja o copo meio cheio ou meio vazio, mal o cidadão olha para o lado, matutando sobre a filosofia dimensional de conteúdos e de continentes, e já o estado lho surripiou, alambazando-se com o recheio. E logo àquele pobre cidadão que tanto dera à perna para esmagar a uva.

E isto é que não pode ser. Porque o estado não está cá para andar nos copos (sejam de água ou de vinho, pois todos são caros), mas muito mais para apurar e providenciar para que cada cidadão tenha para beber o que necessita para não morrer à sede. E pior quando esse estado rapina o copo a quem já não tem mais nenhuma garrafa à mão.

Moral da história: perante um copo meio cheio ou meio vazio, bebe-o sempre, nem que seja para apurar a qualidade do seu conteúdo. Se gostares, volta a enchê-lo. Se não, lava o copo e arruma-o na prateleira respectiva. É por isso que devemos sempre votar…

P.S. (honni soit...) 1 - Agora, belíssimo mesmo é quando bebemos esse copo em boa companhia. Isso, sim, é uma alegria!

P.S. 2 - Um esclarecimento que é devido aos meus concidadãos: quando reiteradamente refiro a má frequência a que este nosso país está sujeito, devem obviamente excluir-se destas cogitações cerca de 10.000.000 de indivíduos de nacionalidade portuguesa e de umas outras centenas de milhares de nacionalidades várias. Aqueles a quem eu me refiro são outros... Exactamente, são esses mesmos! Eu sabia que vocês sabiam!

12 comentários:

  1. Ó Jorge, dás-me licença que abra as hostilidades, numa das minhas aulas, com este teu texto (remetendo, evidentemente, para o seu autor e local de publicação)?

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  2. Autorizadíssima, Ana. A palavra, quando nos sai das mãs, foi feita para voar..

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  3. "...Tudo depende do apetite do indivíduo presente. Tudo depende da dimensão da sua sede e, até, da circunstância em que se encontra, ...."

    Certamente meu caro Orca; a Circunstância.
    Certamente não seria dos apetites de Sócrates beber a taça de cicuta com a qual as consciências da sua urbe de acalmariam. Mas dadas as circunstâncias, bebeu.
    O conceito casa bem com o pão que o diabo amassou, e lá dizia o nosso saudoso Zeca, que quando o pão te sabe a.... o que faz falta.....
    Não, não rima mas tomo a ligeireza de alterar o final do verso, remetê-lo para o inicio do meu comentário e endossar-lhe o copo meio...qualquer coisa, que nos quer fazer beber...

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  4. Bebê-lo sempre! Mesmo quando não se tem sede?! Isso não será incitar ao vício?!
    E agora a sério tenho a dizer o seguinte: Sempre votei (até sair do país) e ainda hoje me pergunto se serviu para alguma coisa(?)! Porque a verdadeira questão não é votar é que escolha fazer se perante as opções possíveis só apetece dizer venha o diabo e escolha!! Ou haverá ainda quem ache que se o governo fosse PSD seria diferente?! É evidente que o Estado do país é da responsabilidade dos dois maiores partidos que têm alternadamente assumido as rédeas do governo! Um porque se limita a defender cegamente os interesses daqueles com que se identifica e o outro porque é demasiado cobarde para aplicar as medidas que se impõem, pois por um lado receia perder a "Poolposition" (eleitoral) até aqui sempre garantida e por outro porque foge como o diabo da cruz à colagem a qualquer projecto de esquerda sobretudo depois que a queda do "muro" decretou a derrota do "modelo" comunista! O preconceito é tal que os debates políticos são literalmente diálogos de surdos! Ninguém quer ouvir ninguém!
    Mas haveria ainda tanto para dizer!!! Isto daria pano para mangas! E só por isso já valeu a pena comentar!

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  5. É verdade Laura, ninguém ouve ninguém, cada um fala por si, cada um na sua caverna de certezas absolutas.
    Não se vai lado algum assim, mas se calhar tem mesmo que ser deste modo.
    O Homem só vê o lado de lá da parede quando a deitam abaixo. E isto é assustador, pois revela que génese das acções mais animalescas do Homem podem existir propósitos nobres...

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  6. Charlie,
    Duvido que tenha que ser assim! E pior ainda acredito que o tempo do entendimento e do diálogo urge! Sob pena de caminharmos a passos largos para um principício de onde não haverá volta!

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  7. Laura, existe de facto um sentimento colectivo difuso emanado do mais profundo do ser humano e que alimenta todas as tragédas. Em todos os grandes momentos da vida, se passa ilusoriamente pelos portais do definitivo. A Morte é de facto o único e definitivo acontecimento que individualmente cada Homem experimenta e não transmite a ninguém. Todos as outras passagens tem o sabor intenso do renascer, do abrir dum ciclo novo e definitivo. Com a morte do anterior ter-se á acabado de vez com a Morte....até que a morte de novo volte, definitiva para quem a experimenta, misteriosa e eterna para quem fica.
    Os que não dialogam, estão como mortos, fechados sobre si próprios, certos das suas verdades absolutas. Como disse, entre as paredes das suas cavernas a luz imensa das suas palavras torna o sol tão pequeno que jamais ele tem permissão de entrada no espaço que eles dominam.
    (poderíamos então fecha-los la dentro, e ficarmos com o minusculo sol, que de tão insignificante lhes sobra a luz que a nós nos falta)

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  8. Bem, ontem estive numa feira de queijos e envhidos, em Oliveira do Hospital. Que bem se beberam copos meio cheios, uns atrás dos outros, em excelente companhia. Quando tocávamos numa das mesas das tascas da feira "a um euro por serenata e se não pagar nada tocamos uma serenata", cravei um frango assado ao dono da tasca. Que bem que soube depois, enquanto agurdávamos a nossa vez para almoçarmos... e bebermos mais copos meio cheios!

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  9. Paulo Moua,
    Pois eu vim agora mesmo do "Tunameliches" e dei-me conta do quanto por aí o pissoal se diverte! E fazem muito bem... faria o mesmo se estivesse por perto! Como não estou fico a chuchar no dedo... que o copo esse vou enchendo à medida da sede que por aqui se vai tendo!

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  10. Aparece no próximo sábado, que vamos tocar para a Baixa de Coimbra e depois vamos para casa dos Antoninos comer um arroz de salpicão. Até já me estou a babar...

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  11. Paulo Moura,
    Brincalhão! Se fosse assim tão fácil! Mas do lado de cá vou brindar ao vosso desempenho no próximo sábado e talvez tentar uma versão helvética de um arroz de salpicão... Divirtam-se que o que faz falta é animar a malta! ;-)

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  12. É o que tentamos sempre fazer, Laura, camarada, pá!

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