março 17, 2011

A voz dos outros

Pode ser algo de muito simples.
Um buço a precisar de cera ou descoloração.
Uma coxa mais larga.
Ou um vestido que assenta mal.
Pode ser um hálito desagradável.
Ou um cheiro a sovaco.
Pode ser um texto pobre e sem sumo.
Unhas a precisar de manicura
Ou o cabelo a clamar por tinta.
Também serve um dente torto ou um nariz demasiado grande ou achatado.
Uma bengala linguística.
A constatação de que a nossa cadela está mais trôpega.
Ou alguém que não nos liga um corno mas faz de conta que sim porque era suposto ligar.

Enquanto só nós somos cientes do facto defeituoso (ou pensamos que somos), podemos sentir-nos incomodados, mas vivemos bem com ele, sobretudo se nos rodeamos de gente do tipo "sim-senhor", que insiste que o mal está na nossa cabeça.
Mas quando alguém sem filtros nem receios politicamente correctos (com o coração ao pé da boca, quero dizer) diz em voz alta o que gostaríamos de não ousar admitir (sequer em pensamento) de forma estruturada, o mundo, tal como o construíramos até agora, corre o risco de ruir.
(Ou, em alternativa, é afastarmo-nos do falastrão ou da desbocada, que diabo!, que direito tinham de nos vir macular a vida em cor-de-rosa?!)

4 comentários:

  1. Cor-de-rosa?! Não é azul FCP... digo, azul YSL?!

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  2. Ana, Ana, tu vê-me lá o que instigas, moçoila... Olha que eu perco-me por um defeitozinho... Enfim, um hálito desagradável, não vou tão longe. Agora um dentinho torto, uma narigueta que nos diga algo podem ser a diferença entre uma monotonia vulgar e uma graça infinda e sempre presente.

    Daí que, até nisto, tantas vezes alguma condescendência se justifique.

    E, na volta, esta mania de todo o mundo trazer aquelas coisinhas metálicas nos dentes, porque uma dentuça tem de estar alinhadinha, me pareça um exagero normalizador.

    Esta é a minha voz, cheia de defeitos, obviamente. Mas os gostos são - e que bom que sejam - tão diversificados. Se este diz mal de uma «imperfeição», aquela dirá melhor e - quem sabe? - um terceiro poderá até já estar por ela (a imperfeição) irremediavelmente apaixonado. Depois, é só saber até onde é que a coisa dura... Mas, como diria o Vinícius, que seja infinita enquanto dure. ;-)»

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  3. Paulo - Isso depende dos dias. Há-os que são de todas as cores!

    OrCa - Sempre, sempre o olhar do outro a definir-nos (já o dizia Mestre Aristóteles). :)

    Charlie - Sim, sim, a durabilidades do que é bom é desejável (e eis que acabei de tornear uma daquelas questões a que nunca sei responder).

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