abril 03, 2012

TV Amnésia


A memória colectiva pode revelar-se curta em muitos aspectos, à semelhança do que acontece na reacção comum dos indívíduos que a compõem, sobretudo quando o assunto é unanimemente repulsivo ou apenas algo embaraçoso.
O embaraço até pode ser ligeiro, ah e tal isso já foi há muito tempo e as coisas eram diferentes nessa altura e coiso, mas nota-se o desconforto com que todos encaramos as piruetas que a vida acaba por a todos nos obrigar. Nem que seja pelo efeito do progresso, como é o caso da mudança radical de atitude perante o custo a suportar pelo acesso às emissões de televisão.

É preciso já ter virado muitos frangos para lembrar esses dias, tantos que haverá quem até questione a verdade dos factos como eu e muitos outros os vivemos. Todavia, no meu mundo de classe média-baixa existiam mais terrores para lá da pide e da miséria que grassava em bairros da lata que se encontravam ao virar da esquina, na periferia e até no perímetro da capital.
Um desses terrores, ainda mais profundo do que o dos traficantes de droga que a ofereciam em rebuçados para conquistarem novos mercados, era o das alegadas brigadas de detecção de televisores sem a taxa em dia.
Essas brigadas que nós, putos de então, temíamos por tabela eram unidades móveis que se dizia estarem equipadas com sofisticados aparelhos que apanhavam umas ondas quaisquer emitidas pelos televisores em funcionamento.
E o povo acreditava tanto nos equipamentos xpto como na capacidade de manter registos de todos os lares com a taxa em dia numa altura em que os computadores em Portugal só faziam parte das séries de ficção científica.

A verdade dos factos, a tal que pode perturbar os mais sensíveis à incoerência que a passagem do tempo tantas vezes nos impõe, é que bastava o boato de que andava nas redondezas um carro suspeito com uma antena mirabolante (parte do tal detector ultrasónico de corrida) e a malta por taxar, a esmagadora maioria, corria às salas de estar e jantar para desligarem a televisão, em pânico não sei se pela dimensão da multa se pelo estigma do prevaricador.
O povo temia ainda mais a fama de incumpridor, susceptível de evocar algum tipo de rebeldia, do que a martelada de uma coima que para justificar tanta miúfa deveria ser ainda mais astronómica do que a viatura marciana com a antena parecida com um radar.

A parte chata de reavivar estas lembranças do jurássico é a da malta que nesses dias fugia aos inspectores da taxa poder ser a mesma que hoje acolhe de forma voluntária os delegados comerciais dos diferentes operadores na guerra da televisão por cabo para escolher a tarifa mais adequada às suas necessidades de consumo televisivo pago em nada suaves prestações mensais e que, mesmo com juros e correcção monetária, fariam corar de vergonha os que não conseguiram convencer os telespectadores a pagarem uma quantia quase simbólica para sustentarem o serviço público.

E de caminho sempre tínhamos ajudado a pagar as tais sofisticadas máquinas imaginárias com faro televisivo que hoje dariam um jeitão aos nabos que instalaram o pandemónio no controlo de audiências...

8 comentários:

  1. "Semos" um povo muito altruísta, não "semos"?

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  2. Semos sim hehehe, e ainda me lembro do espanto que me tomava ao ver as pessoas comprar isqueiros e pequenos rádios portáteis à socapa que passavam o tempo todo a esconder: quando alguém batia à porta, quando iam acender um profiláctico e peitoral cigarrinho, ou quando iam ao estádio ouvir a bola. Rádio escondido com o rabo de fora, que é como quem diz, um gato de auscultador enfiado na orelha.
    Em casa eram as tv's que a par dos segundos e terceiros receptores de rádio sem licença ( o rádio principal costumava ter) se viam e ouviam com os mais disparatados sistemas para iludir os tais fiscais: desde copos de água em cima para "filtrar as frequências" até ouvir a rádio moscovo ou a BBC nas dispensas das cozinhas enquanto se punham umas travessas de inox, dessas onde se põe o leitão, a ladear o dito receptor.
    Ai ai...quem não tem saudades desses tempos do terror primitivo, perante a ameaça permanente de penhoras automáticas, deva que não deva, supostamente para defender a minha parcela do interesse colectivo, por parte dum Estado garganeiro, estúpido e cego....

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    1. Agora...até do leitão ( e suas arcadas, como diria "Miss Well)saudades se tem. :))

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    2. Mas disso é fácil tirar saudades...

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    3. Ah amigos.... o próprio leitão está ele com bairradas, digo, carradas de saudades....

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  3. Mauricio Arrais.10 julho, 2012 11:10

    Paulo Moura:Por onde tem andado,que não tenho quem me ajude.Os meus colegas da CP morreram ,só conto consigo.Será que sofro de amnésia?Esqueço os nomes das pessoas,e repito os temas.Estou preocupado.Ando aborrecido por ninguem da CP,dar uma achega.Mauricio Arrais.Abrantes.

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    1. Boa tarde, Maurício.
      Como deve entender, esta página não é especializada em assuntos como este que o preocupa especialmente. Também achámos o tema interessante e por isso publicámos o seu texto. Mas, por favor, não nos peça para falarmos sobre um tema que não dominamos.

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