outubro 14, 2012

A posta de que todos temos um pouco


A saúde mental está a degradar-se no nosso país como em muitos outros. De resto, basta um pouco de atenção às notícias para o perceber. As alucinações e as bizarrias multiplicam-se a um ritmo que relega para segundo plano os desvios mais tradicionais, as notícias chocantes do passado passaram ao estatuto de normais e nesta normalidade aparente começamos a distinguir os primeiros indicadores de que a loucura não passa de uma questão de perspectiva e mesmo um doido intui que a da maioria acaba sempre por prevalecer como a mais acertada.

O conceito de loucura tem sofrido mutações ao longo do tempo ao ponto de hoje poderem circular livremente pelas ruas algumas pessoas que séculos atrás poderiam acabar amarradas a um pau, acusadas de bruxaria.
Isso prova que a loucura não passa de um desvio a um dado padrão, o da racionalidade como a maioria a defina num dado tempo ou lugar. Sim, até a Geografia pode influenciar o diagnóstico de uma loucura que pode chamar-se excentricidade noutro sítio qualquer. É uma questão cultural, mais do que psiquiátrica, pois nem mesmo a Medicina consegue meter as mãos no fogo pelas suas certezas neste domínio.
Que impressão teriam os nossos antepassados de há dois séculos atrás de um/a descendente que não sendo artista de circo se mostrasse capaz de se mandar de uma ponte amarrado a um elástico só pela pica que isso dá? Acabaria certamente numa camisa de forças, tal como qualquer defensor da política económica do actual Governo português.

Apesar de todo o folclore religioso que o transforma numa sumidade cheia de sabedoria e de bom senso, o próprio profeta da cristandade deve ter soado aos romanos e aos filisteus como nos soa agora o Presidente da República: completamente passado dos carretos. Claro que jamais iriam crucificar Cavaco Silva pelos seus discursos, mas isso nem que fosse apenas para não correrem o risco de que pudesse igualmente ressuscitar…
Isto a propósito de como a loucura depende acima de tudo de uma avaliação externa, como a da Troika a Portugal, por parte dos considerados sãos pela maioria (mesmo quando os sinais em sentido contrário se multiplicam). É aqui que entra a tal questão estatística: e quando os que antes se consideravam malucos forem a maioria? Quem definirá nessa altura os critérios que separam o sorriso perante uma excentricidade fora do comum e o internamento compulsivo?

Tal como o nosso país está a ser gerido por pessoas que talvez não se safassem do crivo de há poucas décadas atrás e provavelmente acabassem, se não no Júlio de Matos, pelo menos muito afastadas de qualquer centro decisor, quem nos garante que os tipos do FMI que andam a errar nas contas e a violar camareiras nos hotéis são bons do miolo quando insistem em impor medidas que dão cabo da cena toda ao pessoal?
É uma questão de perspectiva, lá está…
Por isso se torna importante olhar em redor para tentarmos perceber as tendências em voga em matéria de definição consensual da loucura.

Pelo andar da carruagem e se formos sensatos e prudentes, chegará o momento em que teremos que fazer um esforço ainda mais rigoroso para, pelo menos aos olhos deles, parecermos igualmente sãos.

4 comentários:

  1. Sim, ser são nestes tempos é um exercício cada vez mais pertencente ao campo do desejo...

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  2. Mas no que toca à verdade histórica, nunca é demais enfatizar o facto de que Cristo não foi crucificado por se dizer filho de deus, mas sim por ser um dos muitos "terroristas" que combatiam os Romanos.
    Mistificação profunda e prolongada, como já disse aqui por diversas vezes.
    Não fora o facto de hoje termos meios de comunicação e perpetuação factual, e daqui a algum tempo o Ché Guevarra seria muito mais do que o combantente popular que de facto foi. De palavra passada de boca em boca, rapidamente seria mais do campo da divindade do que do mero humano. Porque ser humano, é de facto, tão pouco....

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