outubro 22, 2012

carta aberta ao Presidente da República, de Pedro Marques

Solidário, no geral,  com o testemunho do Enfermeiro Paulo Marques e com a cara coberta de vergonha por cada momento em que colaborei, por cada passo que não dei mais além,  com este estado de coisas.... Este, sim. é um poema, como punhos!

"Vossa Excelencia,

Não me conhece, mas eu conheço-o e, por isso, espero que não se importe que lhe dê alguns dados biográficos. Chamo-me Pedro Miguel, tenho 22 anos, sou um recém-licenciado da Escola Superior de Enfermagem do Porto. Nasci no dia 31 de Julho de 1990 na freguesia de Miragaia. Cresci em Alijó com os meus avós paternos, brinquei na rua e frequentava a creche da Vila. Outras vezes acompanhava a minha avó e o meu avô quando estes iam trabalhar para o Meiral, um terreno de árvores de fruto, vinha (como a maioria daquela zona), entre outros. Aprendi a dizer “bom dia”, “boa tarde”, “boa noite” quando me cruzava na rua com terceiros. Aprendi que a vida se conquista com trabalho e dedicação. Aprendi, ou melhor dizendo, ficou em mim a génesis da ideia de que o valor de um homem reside no poder e força das suas convicções, no trato que dá aos seus iguais, no respeito pelo que o rodeia.

Voltei para a cidade onde continuei o meu percurso: andei numa creche em Aldoar, freguesia do Porto e no Patronato de Santa Teresinha; frequentei a escola João de Deus durante os primeiros 4 anos de escolaridade, o Grande Colégio Universal até ao 10º ano e a Escola Secundária João Gonçalves Zarco nos dois anos de ensino secundário que restam. Em 2008 candidatei-me e fui aceite na Escola Superior de Enfermagem do Porto, como referi, tendo terminado o meu curso em 2012 com a classificação de Bom. Nunca reprovei nenhum ano. No ensino superior conclui todas as unidades curriculares sem “deixar nenhuma cadeira para trás” como se costuma dizer.

Durante estes 20 anos em que vivi no Grande Porto, cresci em tamanho, em sabedoria e em graça. Fui educado por uma freira, a irmã Celeste, da qual ainda me recordo de a ver tirar o véu e ficar surpreendido por ela ter cabelo; tive professores que me ensinaram a ver o mundo (nem todos bons, mas alguns dignos de serem apelidados de Professores, assim mesmo com P maiúsculo); tive catequistas que, mais do que religião, me ensinaram muito sobre amizade, amor, convivência, sobre a vida no geral; tive a minha família que me acompanhou e me fez; tive amigos que partilharam muito, alguns segredos, algumas loucuras próprias dos anos em flor; tive Praxe, aquilo que tanta polémica dá, não tendo uma única queixa da mesma, discutindo Praxe várias vezes com diversos professores e outras pessoas, e posso afirmar ter sido ela que me fez crescer muito, perceber muita coisa diferente, conviver com outras realidades, ter tirado da minha boca para poder oferecer um lanche a um colega que não tinha que comer nesse dia. Tudo isto me engrandeceu o espírito. E cresci, tornei-me um cidadão que, não sendo perfeito, luto pelas coisas em que eu acredito, persigo objetivos e almejo, como todos os demais, a felicidade, a presença de um propósito em existirmos. Sou exigente comigo mesmo, em ser cada vez melhor, em ter um lugar no mundo, poder dizer “eu existo, eu marquei o mundo com os meus atos”.

Pergunta agora o senhor por que razão estarei eu a contar-lhe isto. Eu respondo-lhe: quero despedir-me de si. Em menos de 48 horas estarei a embarcar para o Reino Unido numa viagem só de ida. É curioso, creio eu, porque a minha família (inclusive o meu pai) foi emigrante em França (onde ainda conservo parte da minha família) e agora também eu o sou. Os motivos são outros, claro, mas o objetivo é mesmo: trabalhar, ter dinheiro, ter um futuro. Lamento não poder dar ao meu país o que ele me deu. Junto comigo levo mais 24 pessoas de vários pontos do país, de várias escolas de Enfermagem. Somos dos melhores do mundo, sabia? E não somos reconhecidos, não somos contratados, não somos respeitados. O respeito foi uma das palavras que mais habituado cresci a ouvir. A par dessa também a responsabilidade pelos meus atos, o assumir da consequência, boa ou má (não me considero, volto a dizer, perfeito).

Esse assumir de uma consequência, a pro-atividade para fazer mais, o pensar, ter uma perspetiva sobre as coisas, é algo que falta em Portugal. Considero ridículas estas últimas semanas. Não entendo as manifestações que se fazem que não sejam pacíficas. Não sou a favor das multidões em protesto com caras tapadas (se estão lá, deem a cara pelo que lutam), daqueles que batem em polícias e afins. Mais, a culpa do país estar como está não é sua, nem dos sucessivos governos rosas e laranjas com um azul à mistura: a culpa é de todos. Porquê? Porque vivemos com uma Assembleia que pretende ser representativa, existindo, por isso, eleições. A culpa é nossa que vos pusemos nesse pódio onde não merecem estar. Contudo o povo cansou-se da ausência de alternativas, da austeridade, do desemprego, das taxas, dos impostos. E pedem um novo Abril. Para quê? O Abril somos nós, a liberdade é nossa. E é essa liberdade que nos permite sair à rua, que me permite escrever estas linhas. O que nós precisamos é que se recorde que Abril existiu para ser o povo quem “mais ordena”. E a precisarmos de algo, precisamos que nos seja relembrado as nossas funções, os nossos direitos, mas, sobretudo, principalmente, com muita ênfase, os nossos deveres.

Porém, irei partir. Dia 18 de Outubro levarei um cachecol de Portugal ao pescoço e uma bandeira na bagagem de mão. Levarei a Pátria para outra Pátria, levarei a excelência do que todas as pessoas me deram para outro país. Mostrarei o que sou, conquistarei mais. Mas não me esquecerei nunca do que deixei cá. Nunca. Deixo amigos, deixo a minha família. Como posso explicar à minha sobrinha que tem um ano que eu a amo, mas que não posso estar junto dela? Como posso justificar a minha ausência? Como posso dizer adeus aos meus avós, aos meus tios, ao meu pai? Eles criaram, fizeram-me um Homem. Sou sem dúvida um privilegiado. Ainda consigo ter dinheiro para emigrar, o que não é para todos. Sou educado, tenho objetivos, tenho valores. Sou um privilegiado.

E é por isso que lhe faço um último pedido. Por favor, não crie um imposto sobre as lágrimas e muito menos sobre a saudade. Permita-me chorar, odiar este país por minutos que sejam, por não me permitir viver no meu país, trabalhar no meu país, envelhecer no meu país. Permita-me sentir falta do cheiro a mar, do sol, da comida, dos campos da minha aldeia. Permita-me, sim? E verá que nos meus olhos haverá saudade e a esperança de um dia aqui voltar, voltar à minha terra. Voltarei com mágoa, mas sem ressentimentos, ao país que, lá bem no fundo, me expulsou dele mesmo.

Não pretendo que me responda, sinceramente. Sei que ser político obriga a ser politicamente correto, que me desejará boa sorte, felicidades. Prefiro ouvir isso de quem o diz com uma lágrima no coração, com o desejo ardente de que de facto essa sorte exista no meu caminho.

Cumprimentos,

Pedro Marques"

8 comentários:

  1. O Pedro já está em Inglaterra desde quinta-feira passada. E ainda que soubesse há vários anos que provavelmente seria este o seu futuro, e "ai que giro que vou trabalhar para o UK", a verdade é que quando foi, doeu-lhe. E eu não me habituo a vê-los (a ele e aos colegas) crescer para estas desilusões, tão distantes da carrada de sonhos que tinham aos 15 anos, quando nos cruzámos pela primeira vez, numa aula de Filosofia.

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  2. Jorge, bem hajas por teres publicado aqui esta carta. Eu já estive para a publicar mas tive sempre um javali ao lume...

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  3. O Obelix não te dá descanso...

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  4. Ou será falta de vista que me vai toldando o discernimento?
    A esta hora estou a tomar pelo Gaulês papa-javalis, a senhora Merkel...
    Ao menos o perfil do bravo guerreiro, favorece-a...

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    1. Pesadelo com pesadelo se paga... ;)
      Mas a carta que o Pedro escreve é uma carta de todos os Pedros e outros e outras, a quem já se ouviu em tempos alguém- e não sou mosquinha-, chamar nomes tão diferentes como Zé e Maria.
      Os Pedros, as Marias, os Zés, e todos os outros, estão de facto a ser expulsos do país.
      Pressionados não pelo desejo de melhor vida, como antes faziam os emigrantes no tempo dos pais, mas para ter o mínimo de vida digna.
      No entanto os tempos são muito complicados, pois enquanto o mundo económico conhecia o boom de crescimento do período após-guerra, em que os países de acolhimento tinham carência de mão de obra, agora o quadro é inverso. A mão de obra, por lá também sobra, restando apenas alguns nichos especializados. Tirando isso, temos a velha e sempre nova África, cujas ex-colónias ainda precisam de qualquer coisa portugues a mexer nas riquezas que depois de potenciadas e transformadas em dinheiro, servem para comprar as empresas que na antiga Metrópelo os governantes tristes e ceguetas estão a deixar ficar nas mãos daquels a quem dantes chamavam de colonos.
      Muito a propósito, recordo um nome que vos diz muito aí em Coimbra.
      Norton de Matos teve a coragem de dizer uma vez ao velho Botas, (vizinho do Falcão lá nas brenhas), de que Portugal era em África, porque cá, no velho continente este rectângulo não era mais do que uma pequena colónia do todo Português. Capital em Luanda, disse ele ao velho Salazar, que julgava a TV como uma coisa assim tipo máquina fotográfica onde ele em miudo tinha tirado umas fotos instantâneas lá nas feiras, mas desta feita com muitos fios à volta...
      A História mostra à saciedade o que o dito ditador decidiu a propósito da visão à distância do Norton.
      A compra constante dos Angolanos de participações importantes e até da tomada total em empresas Portugueses dispensa quaisquer especulações.
      Sessenta anos antes era mais fácil tirar um passaporte para emigrar para a América do que para Angola ou Moçambique. O governo de Salazar, rosto visível da oligarquia dominante, não queria ninguém a concorrer com os grandes proprietários que descansadamente engordavam nas colónias. O desenvolvimento foi por isso complexo, passando repentinamente pelo inverso: um fenómeno de colonização apressada e desenraizada feito de forma estúpida com o transporte do modelo de aldeia portuguesa para a imensidão africana. Os movimentos de libertação que começavam a despontar e a conseguir triunfos nas outras colónias europeias assustaram os "donos" de toda a imensa riqueza. De repente descobriram que era muito importante ter gente da metrópole instaladas no terreno, mas já era tarde e o modelo seguido, algo assim parecido às escolas primárias do Estado Novo: todas iguais de norte a sul. Apenas a perfeita ignorância de alguém que nunca tinha posto os pés na grandeza e diversidade Africana é que poderia ter decidido disparate tamanho. Norton tinha razão, a ideia dele era harmónica e progressiva e levaria a uma convivência proactiva e produtiva.
      A independência das Colónias poderia ter tido outro desfecho mais favorável a Portugal, mas chorar sobre o leite derramado não põe de volta. Agora não nos resta outra alternativa que não seja a de nos sujeitarmos a migalhas, seja lá, seja noutro lado qualquer menos neste bocadinho que nos resta do velho império...

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    2. A minha vénia, Charlie.

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  5. "Resta-nos"...nao consigo ser assim. Eu desejo o fim dos meus inimigos. Ja experimentei a emigração e por mais que o sitio onde esteja bom e as pessoas amáveis, nada, nada , NADA como a minha familia, os meus amigos e quem amo!! arrancaram-me o coração...!!! O odio de morte que eu tenho ao que me fizeram abriu um abismo no meu coração que só descansará com a minha morte (provável) ou com a morte dos meus inimigos...

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