O Interior vive um sono de morte, um estado comatoso que caminha para uma situação terminal.
Em Portugal, em 2010, os depósitos bancários têm o valor de 186 mil milhões de euros. Deste total, cerca de metade estão depositados em Lisboa, com o valor de 92. 474 milhões de euros. O Porto, a segunda cidade, só tem 22 milhões, menos de ¼ de Lisboa.
É em Lisboa que está concentrado o poder de compra segundo estudos do Instituto Nacional de Estatística (INE) relativos a 2007, últimos dados disponíveis. O menor poder de compra concentra-se no interior do país, especialmente no interior centro e norte.
Não se pode continuar a encerrar serviços no interior: escolas, centros de saúde, urgências, correios, maternidades, linhas de comboio, esquadras da GNR, farmácias...
Em Portugal há concelhos onde os idosos já são 5 vezes mais que os jovens. Fechar escolas e transformá-las em centros de dia ou lares, não é progresso, é retrocesso.
Para contrariar este envelhecimento do país e o esvaziamento do interior são necessárias várias medidas. Quatro são prioritárias.
A primeira será permitir que sejam os naturais e/ou residentes do interior a ter a prioridade na admissão para os empregos públicos.
Choca saber que num concelho do interior, com decréscimo populacional, há jovens, especialmente licenciados, que têm de migrar para as cidades, muitas vezes para Lisboa, por não ter emprego no seu concelho.
Desejavam ficar, lutar para manter o concelho, contribuir para o desenvolvimento, mas não lhe dão nenhuma hipótese de emprego. Empurram-nos para o litoral, para Lisboa, ou para o estrangeiro.
Em simultâneo verificamos que os postos de trabalho existentes, nos centros de saúde, escolas, finanças, CGD (e outras agencias bancárias), câmaras municipais, etc., estão a ser ocupados por trabalhadores que não residem no concelho, que diariamente se deslocam, de e para a residência, às vezes em longas viagens diárias.
As pessoas que ocupam estes postos de trabalho fazem-no por necessidade, não se motivam para o seu desempenho, sentem a deslocação diária como um sacrifício, chegam ao fim do dia com a imensa vontade de fugir do local. São pessoas sofredoras, às vezes durante décadas.
Ocupam postos de trabalho que jovens residentes no local, muitas vezes licenciados, gostariam imenso de possuir. Trabalhadores residentes são fonte de dinâmica local, de inovação, aumentam a massa crítica, contribuindo para o desenvolvimento local.
É possível criar regras que permitam que os residentes nos concelhos sujeitos a decréscimo populacional sejam beneficiados nos concursos para empregos locais, dependentes do Estado.
Recordo-me de ter contribuído para, no início da década de oitenta, se ter feito concursos para médicos de família, onde se praticou discriminação positiva, privilegiando os médicos eleitores no concelho onde havia a vaga.
Paulo Mendo era na época Secretário de Estado da Saúde. Permito-me afirmar que o nosso SNS, Serviço Nacional de Saúde que deve muito a António Arnaut, reconhecido como pai, mas também a Paulo Mendo que deu um contributo decisivo com várias medidas legislativas e administrativas, incluindo esta da colocação dos médicos ao longo de todo o país. Confesso que tenho admiração e amizade por estes dois ilustres ex-membros do governo. Ao recordar estes dois vultos sinto não dever esquecer o importante papel de Albino Aroso, outro importante secretário de Estado da Saúde, nomeadamente nas questões relativas à saúde materno-infantil, sector que constitui um dos grandes sucessos nacionais.
Trabalhadores locais aumentam a riqueza do concelho, não funcionando como veículos de drenagem de recursos para fora do local.
A segunda passa por conceder benefícios às empresas que operam nestes concelhos deprimidos, beneficiando de redução não do IRC, como agora acontece, mas da taxa social única.
Muitas das micro e pequenas empresas destes concelhos lutam pela sobrevivência, tendo na sua maioria lucros reduzidos, com pagamento residual de IRC. Anunciar redução de IRC a quem não paga ou paga pouco é igual a zero.
A maioria destas empresas é de mão-de-obra intensiva, pagando 23,5% sobre os ordenados dos funcionários. A redução desta taxa constituirá um incentivo muito mais eficaz. A redução só se deve verificar nos casos em que a empresa está de facto instalada no local e concedida para os trabalhadores que residam também no concelho deprimido pelo decréscimo populacional e envelhecimento.
A terceira medida é premiar os funcionários públicos com um acréscimo salarial por trabalharem e em simultâneo residir nestes concelhos, compensando os custos da interioridade.
No Porto Santo as pessoas ganham mais 30% sobre o vencimento base graças ao subsídio da dupla insularidade atribuído pelo Governo regional. Por esta razão Porto Santo aparece como o sétimo concelho em poder de compra a seguir a Lisboa, Oeiras, Porto, Cascais, Alcochete e Faro.
A quarta é apostar na preferência por fornecedores locais. Deve haver legislação com discriminação positiva nos concursos públicos, a favor dos fornecedores locais. Num concurso, o fornecedor local pode e deve ser preferido mesmo que o seu preço seja superior, desde que não ultrapasse determinada percentagem. Não se pode aceitar que se continuem a organizar concursos que afastam os fornecedores locais.
É um escândalo que a administração pública consiga preparar processos de concurso que impedem que surjam concorrentes locais. Um exemplo é as adjudicações de refeições em escolas do interior a empresas de grupos multinacionais.
Também na construção civil se deve alterar o regime de alvarás.
Na maioria dos municípios do interior deprimido há empresas pequenas de construção civil com capacidade técnica e recursos humanos para construir edifícios simples, de 2 ou 3 pisos. Acontece que os alvarás de construção civil (documento que habilita a empresa a construir) estão feitos tendo por base, não a dificuldade técnica, mas sim o valor da obra.
Por esta razão, se um concelho do interior construir uma escola com meia dúzia de salas ou um lar de idosos com duas ou três dezenas de quartos, atinge logo valores que impedem as pequenas empresas locais de concorrer.
As construções nestes concelhos deprimidos acabam por ser realizadas por empreiteiros distantes.
As “grandes” empresas, com alvará, limitam-se a funcionar como intermediários, subcontratando pequenas empresas. Com quadros reduzidos de pessoal, garantem lucros fáceis, esmagando os preços dos subempreiteiros.
Estes investimentos, que podiam servir para desenvolver a economia local durante a fase de construção, são por esta razão desperdiçados localmente e aproveitados para servir interesses instalados nas grandes cidades. Localmente não se aproveita nem o lucro nem sequer a mão-de-obra.
Não havendo iniciativa local de carácter lucrativo, por falta de massa crítica, deve ser o poder autárquico e o terceiro sector a assumir negócios que permitam aproveitar os recursos.
(continua)
Jaime Ramos
Excerto do livro «Não basta mudar as moscas»
Desde muitos anos passados que estas politicas são estudadas mas os políticos pouco se importam e continuam dando grandes estocadas no interior, nas suas gentes e na sua história.
ResponderEliminarOs actuais desculpam-se com a dívida, mas vão contraindo outras ainda maiores e sem possibilidade de regresso ao mesmo tempo que vão destruindo tudo de norte a sul.
Parecem marionetas nas mãos da troika.
Um dia destes são postos na rua e depois é Merkel que nomeia outros tecnocratas para continuar a destruir.
Parece que já somos uma federação europeia...e ninguém faz nada.
É por isso que é importantíssimo reflectir sobre as questões concretas e propor medidas, como faz o Dr. Jaime Ramos.
EliminarO Doutor Jaime Ramos é uma voz com "V" grande à qual nos cabe dar a força de um P.A. de alcance mundial
ResponderEliminarÉ lógico, assertivo e consequente.
Mexe no entanto com a lógica de uma economia baseada na macrocefalia implosiva.
Ou seja uma "involução" duma sociedade cada vez mais concentrada e pequena que acabará naturalmente por colapsar, arrastando o que resta consigo.
E quando vemos o que está acontecendo, com cada vez menos pessoas a terem acesso ao que produzem quando trabalham e a quase nada quando são postos à margem, sentimos-nos no limiar disto que nos parece ser, cada vez mais, uma inevitabilidade.
Ẽ o mexer com as previsibilidades dos acontecimentos, tem sido por vezes, não o motor para a mudança, mas o sinal de alarme para os que teimam em iludir os ventos dessa mudança.
Estamos, sentimos todos isso, num momento de viragem histórica, e os grandes detentores do Poder, sabem-no e não o aceitam. Estão dispostos a tomar todas as medidas, sejam quais forem, para a suster, para inverter o curso natural da descompressão e perpetuar o seu estatuto dominador.
Ele vai gostar de saber isso. Vou transcrever o teu comentário na página do livro, no Facebook.
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