fevereiro 20, 2012

«Rio+20: as críticas» - Boaventura Sousa Santos

Excertos da crónica do meu professor de Ciências Sociais na FEUC, publicada na revista «Visão» de 9 de Fevereiro de 2012:

"As propostas [para a Conferência do Rio+20], resumidas no conceito de economia verde, são escandalosamente ineficazes e até contraproducentes"

"Antes da crise financeira, a Europa foi talvez o continente em que mais se refletiu sobre a gravidade dos problemas ecológicos que enfrentamos. Toda esta reflexão está hoje posta de lado e parece, ela própria, um luxo insustentável. Disso é prova evidente o modo como foram tratados pelos media dois acontecimentos das últimas semanas, o Foro Económico Mundial de Davos e o Foro Social Mundial Temático de Porto Alegre. O primeiro mereceu toda a atenção, apesar de nada de novo se discutir nele: as análises gastas sobre a crise europeia e a mesma insistência em ruminar sobre os sintomas da crise, ocultando as suas verdadeiras causas. O segundo foi totalmente omitido, apesar de nele se terem discutido os problemas que mais decisivamente condicionam o nosso futuro: as mudanças climáticas, o acesso à água, a qualidade e a quantidade dos alimentos disponíveis ante as pragas da fome e da subnutrição, a justiça ambiental, os bens comuns da humanidade. Esta seletividade mediática mostra bem os riscos que corremos quando a opinião pública se reduz à opinião que se publica.
O Foro de Porto Alegre visou discutir a Rio+20, ou seja, a Conferência da ONU sobre o desenvolvimento sustentável que se realiza no próximo mês de junho no Rio de Janeiro, 20 anos depois da primeira Conferência da ONU sobre o tema, também realizada no Rio, uma conferência pioneira no alertar para os problemas ambientais que enfrentamos e para as novas dimensões da injustiça social que eles acarretam. (...)
As conclusões principais da análise crítica foram as seguintes. Há 20 anos, a ONU teve um papel importante em alertar para os perigos que a vida humana e não humana corre se o mito do crescimento económico infinito continuar a dominar as políticas económicas e se o consumismo irresponsável não for controlado; o planeta é finito, os ciclos vitais de reposição dos recursos naturais estão a ser destruídos e a natureza "vingar-se-á" sob a forma de mudanças climáticas que em breve serão irreversíveis e afetarão de modo especial as populações mais pobres, acrescentando assim novas dimensões de injustiça social às muitas que já existem. Os Estados pareceram tomar nota destes alertas e muitas promessas foram feitas, sob a forma de convenções e protocolos. As multinacionais, grandes agentes da degradação ambiental, pareceram ter ficado em guarda.
Infelizmente, este momento de reflexão e de esperança em breve se desvaneceu. Os EUA, então principal poluidor e hoje principal poluidor per capita, recusou-se a assumir qualquer compromisso vinculante no sentido de reduzir as emissões que produzem o aquecimento global. Os países menos desenvolvidos reivindicaram o seu direito a poluir enquanto os mais desenvolvidos não assumissem a dívida ecológica por terem poluído tanto há tanto tempo. As multinacionais investiram para influenciar as legislações nacionais e os tratados internacionais no sentido de prosseguir as suas atividades poluidoras sem grandes restrições.
O resultado está espelhado nos documentos preparados pela ONU para a Conferência do Rio+20. Neles recolhem-se informações importantes sobre inovações de cuidado ambiental, mas as propostas que fazem - resumidas no conceito de economia verde - são escandalosamente ineficazes e até contraproducentes: convencer os mercados (sempre livres, sem qualquer restrições) sobre as oportunidades de lucro em investirem no meio ambiente, calculando custos ambientais e atribuindo valor de mercado à natureza. Ou seja, não há outro modo de nos relacionarmos entre humanos e com a natureza que não seja o mercado. Uma orgia neoliberal."

Boaventura Sousa Santos

2 comentários:

  1. e não se pode acabar com eles, os neoliberais?
    Estaremos sempre presos entre o espartilho do "bom selvagem" e o "homem que nasce mau e que só a sociedade doma"? ( E sociedade= mercado, na ideologida deles)
    Convençaram-nos de eles, os que os que nos fazem mál, é que são os bons e quando acordamos para o pesadelo; águas poluidas, enxurradas diluvianas, incêndios dantescos, e fome, muita fome, agitam logo a bandeira do emprego.
    Quando é que acordamos disto?
    Estamos tão formatados para este sistema que nem pensamos mais o que é a vida. A vida, o nosso viver, é o quê, de facto????

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    1. A vida é o que importa. Essas "bandeiras" são coisas sem sentido... mas andamos todos hipnotizados...

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