fevereiro 22, 2012

«Despovoamento do Interior, gigantismo lisboeta» (parte 4) - Jaime Ramos

Estamos firmemente contra políticas que favorecem interesses estrangeiros em detrimento dos portugueses.
A opção pelo que é nosso deve ser uma preocupação de todos nós e prioritariamente dos organismos do Estado.
Em 2010 o INATEL lançou um novo cartão aos beneficiários associados. Por alegadas questões de economia o INATEL adjudicou estes cartões a uma empresa alemã.
Admito que o INATEL tenha poupado alguma coisa mas seria mais benéfico para o país que, perante o preço obtido no mercado internacional, o INATEL negociasse com uma empresa nacional para desenvolver o mesmo tipo de cartão. Não conheço o cartão, não sei as funções que possui. Sei que é uma área em que Portugal tem tido grande desenvolvimento tecnológico, como é evidente na área dos cartões bancários e rede multibanco, onde Portugal tem uma excelente performance tal como nas auto-estradas, com o sistema da via verde. São áreas em que somos líderes mundiais pelo que mais me surpreende a opção do INATEL.
Na Lousã, a ARCIL, Associação de Reabilitação de Cidadãos Inadaptados, com um excelente trabalho na área da deficiência, tem uma unidade de produção de cartões. Teria sido interessante ver o INATEL negociar com esta IPSS uma actualização da sua capacidade técnica, para responder à sua encomenda. Esta IPSS, com este negócio dos cartões, cria condições de empregabilidade para pessoas com deficiência.
Portugal não precisa de facilitar as exportações e a saída de moeda. Precisamos de fazer exactamente o oposto, defendendo a mossa produção, com respeito pelas regras da União Europeia, com a coragem que o Governo demonstrou na PT para defender grandes interesses financeiros dos accionistas.
O INATEL é um serviço público que, ao fazer aquisições, deve defender os seus interesses como organização, encontrando a melhor relação custo benefício. Sendo um serviço de interesse público não pode alhear-se da necessidade estratégica de contribuir para desenvolver o tecido empresarial nacional, a nossa capacidade de produção e o nosso emprego.
Quando se compram produtos nacionais estamos a criar emprego e a favorecer toda uma economia interligada a montante e jusante do fabricante.
Não só se evita a transferência directa de euros para o exterior, melhorando a nossa balança externa, como não podemos esquecer que a empresa instalada em Portugal consome energia, manutenção, equipamentos, pessoal, serviços diversos de todo o tipo, que criam uma cadeia de produção de riqueza.
Poderão dizer que, neste caso dos cartões do INATEL, estamos perante uns “amendoins” sem interesse. Esquecem que grão a grão enche a galinha o papo e que a melhoria de uma economia se faz de pequenos impulsos. Temos que criar hábitos de promoção da nossa produção.
Reconheço que Portugal deve gerir os seus interesses sem ferir as regras de livre concorrência no espaço da UE. Todos sabemos que nos grandes negócios, quando há muitos milhões em jogo, como na energia e telecomunicações, os países têm adoptado estratégias para defender interesses locais. Se este patriotismo funciona nos grandes interesses, é absurdo que seja desprezado quando é fundamental promover as pequenas e médias empresas, impedindo o esvaziamento do interior.
A defesa da produção no espaço nacional deve ser um objectivo sempre presente nos negócios do Estado, em todos os sectores.
Em Portugal está instalada indústria automóvel, a nível dos ligeiros e também no sector de pesados, nomeadamente no transporte de passageiros.
Parece-me que na escolha de viaturas para o Estado e grandes empresas com participação pública se deve privilegiar o made in Portugal.
Este tipo de opção pode ser importante na valorização do nosso mercado que, sendo pequeno, terá mais força se adoptar comportamentos de unidade.
Sabemos que é difícil às famílias portuguesas fazer esta opção, nomeadamente quando os produtos importados são de menor preço. Mas os organismos do Estado têm uma capacidade de visão estratégica que deve ter em conta estes factores.
O Estado pode “exigir” que os preços dos produtos nacionais sejam semelhantes ou inferiores até porque temos uma mão-de-obra mais barata que favorece a competitividade do fabricado em Portugal, nomeadamente na concorrência com os produtos oriundos de países europeus, com PIB per capita superiores ao nosso.

Jaime Ramos
Excerto do livro «Não basta mudar as moscas»

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