fevereiro 05, 2012

A posta em mais uma batalha perdida


Nem Salazar, esse homem austero e pouco dado a folias, seria capaz.
Mas da mesma seita que matou a Feira Popular não deveria surpreender o entusiasmo por repescarem, com a crise mascarada de pretexto, uma ideia peregrina que o seu antigo guru agora Presidente não fez vingar: matar o Entrudo.

Se há coisa que me deixa intrigado é a multiplicação de apoios ao fim de feriados, sobretudo quando provindos de trabalhadores por conta de outrem, precisamente aqueles que só têm a perder com a história.
Ao fim de um feriado, como os factos (e os números) cuidarão de provar, não corresponde necessariamente um aumento da produtividade do país mas apenas um aumento do número de horas de trabalho sem contrapartida na remuneração das pessoas. Dito por outras palavras, é uma medida que encaixa na perfeição nos interesses das entidades patronais e deita por terra mais uma conquista sacada a ferros na ressaca da revolução que tarda a acontecer outra vez.

À morte do Carnaval como o actual Governo tenciona decretar vão corresponder, isso sim, a agonia dos corsos que um pouco por todo o território animam as economias locais, a contrariedade dos mais foliões que nunca deixarão de sentir isto como uma perda, o desânimo de um povo que em tempos depressivos é cada vez mais privado dos recursos para sorrir.
O fim desta tradição integra-se na aniquilação sistemática de tudo quanto sirva de válvula de escape para o quotidiano medonho de quem enfrenta a pior crise em décadas, na destruição deliberada de prazeres populares que em nada servem os desígnios dos que vivem à custa da distribuição dos lucros que orientam agora todas as decisões dos lacaios de poderosos em desespero de causa.

Depois do dividir para reinar, essa receita infalível para o sucesso de poderes interesseiros que já vergou a unidade sindical e retalhou o espectro partidário à esquerda ao ponto de permitir, por duas vezes, a eleição de um candidato presidencial chamado Cavaco Silva, vem o quebrar da espinha a uma realidade que denominamos de classe trabalhadora.
Essa guerra sem quartel da finança oportunista contra tudo quanto se revelou hostil noutra conjuntura avança sobre um campo de batalha pejado de guerreiros sem alma, sem liderança, e também de cobardes seguidistas, desertores que tentam salvar a pele num clássico intemporal de traição.
E se a linguagem se torna belicista é precisamente porque às vezes o povo só acorda quando sente no rabo a picada das baionetas repressoras do inimigo.

Se ainda não sentiu, há razões para temer que tenha mesmo morrido.

12 comentários:

  1. Eu, além de tudo o mais, tenho pena de as moças não poderem ir para a rua dançar em trajes menores (quando os têm) ao frio e à chuva, com pele de galinha.

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  2. É impressão minha ou o Carnaval foi morto (enquanto feriado) há quase 20 anos, no governo Cavaco, e só agora é que lhe estão a fazer o funeral?
    Sinceramente, e mais uma vez, acho que se criou mais uma manobra de diversão: se a actual legislatura tenciona acabar com quatro feriados que de facto o eram, por que não acabar com um que já não o é (e que tem, no fundo, cariz religioso, embora seja tão profano como o Natal)?
    Não me interpretem mal, gosto muito do meu feriadinho, mas não se estava mesmo a ver...?

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    1. Eu só tenho pena que estejam a tirar a oportunidade às gajas masoquistas que se põem a desfilar na rua em tanguinha e arames a fazerem de soutien, com este "calor de Fevereiro".

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    2. Sim, sim, nunca escamoteando esse prazer enoooorme. :)))

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    3. No dia em que esta malta se aperceber de que o Carnaval no Brasil é no Verão, acho que se suicida.

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  3. A origem remota do Carnaval do inicio do ano, (há outras nomeadamente nos teutónicos em que se celebram no outono) são as festividades do Equinócio que coincidiam com o renovar dos ciclos de fertilidade primaveril, ou seja, festival do sexo.
    Uma festa "pagã" que a Igreja Católica não conseguiu remover.
    Abriu uma espécie de janela de descompressão e tolerância adaptando inclusivamente o momento lunar (pagão) para o efeito.
    Claro que ignorantes como Cavaco e Passos Quejandos, não entendem nada de coisa alguma que não sejam números destituídos do seu verdadeiro valor: o Homem.
    Enfim....... é o que temos....

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    1. O que o Passos Coelho disse hoje, é um espanto: algo como a prioridade ser o trabalho e não as "velhas tradições". Acabe com o Natal, carais! Também é uma velha tradição!

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  4. Passos Coelho, ao querer desligar as causas e os efeitos e pretender separar o inseparável, demonstra além de uma forma muito especial de arrogência que muitas apelidam de outra coisa, ser o paradigma do poema de Paracelso, e por isso eu o dedico, embora saiba que jamais o irá ler.
    É protagonista da forma mais perigosa de ignorância,exactamente na esteira daquela ideia que caracterizou a figura um dia apelidada de senhor Silva:- o primado das certezas absolutas- raramento me engano e nunca tenho dúvidas....

    Aquele que imagina que todos os frutos amadurecem ao mesmo tempo, como as cerejas, nada sabe a respeito das uvas.

    ***

    Quem nada conhece

    nada ama

    Quem nada pode fazer

    nada compreende

    Quem nada compreende

    nada vale

    Mas quem compreende

    também ama, observa e vê…

    Quanto maior o conhecimento

    inerente numa coisa,

    tanto maior o amor…

    Aqueles que imaginam

    que todos os frutos

    amadurecem ao mesmo

    tempo, como as cerejas,

    É porque nada sabem

    acerca das uvas
    *

    Paracelso

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  5. ... e poderia perder cinco minutos a le-lo, outros cinco a pensar sobre ele e ter o resto da vida para pensar que as pessoas só suam a trabalhar para apanhar as uvas porque algures, no tempo próprio, se sentam as disfrutam: Não há trabalho que não sirva os propósitos do lazer.
    Mas se calhar é complicado demais para ele entender...

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    1. Não conhecia. Muito bom! Faz um post com o Paracelso, rapaz.

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  6. Tenho vários posts pensados, mas este sobre passos coelho e o carnaval e paracelso sai já esta nôti.... ;)

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