fevereiro 18, 2012

O negocio da EDP, a China e o lado tenebroso da Three Gorges.


Nunca o Poder deve ser dado a quem imagina como  verdade do mundo, os limites do seu conhecimento.

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Quando o actual governo da república portuguesa se auto-felicitou – num exercício do mais puro e pacóvio narcisismo-  pelo sucesso da “privatização” da EDP, fe-lo por estar decerto convencido do excelente negócio  que os titulares  governativos responsáveis pela transacção tinham acabado de levar a cabo.
A empresa Chinesa das “três gargantas”, um poderoso gigante no campo da produção de energia, adquiriu na prática  e em troca de papéis que o mundo tem dado ao seu País ao longo de décadas,  o direito de ser o maior co-proprietário da mais expressiva empresa industrial  Portuguesa.  A presença Chinesa embora forte é ainda minoritária mas será no entanto a porta de entrada para a o seu domínio total como o futuro irá demonstrar.
Foi  este negócio efectuado sob um conjunto de condições que em tese iriam ter em vista contrapartidas e  garantias mínimas para a salvaguarda do interesse nacional…
Contudo bastaria um breve estudo sobre o historial dos negócios e parcerias da China pelo mundo para nos darmos conta  de como este Império raramente cumpre os acordos assinados. “ Ai dos vencidos” cito o que disse o Gaulés de nome Breno (de Brennus, chefe ou lider em Celta) em resposta aos protestos dos Romanos quando o Celta pôs a sua espada sobre a balança para aumentar o valor do seu resgate em ouro exigido à derrotada e saqueada Roma.
Esta tem sido de algum modo a atitude recorrente da China nas situações em tudo semelhantes ao negócio da EDP, que longe de ter sido o sucesso anunciado é antes de mais uma operação ruinosa para os nossos interesses estratégicos e com repercussões todas no quadrante negativo e ainda mal calculados.
Esta enorme empresa, nem só à nossa escala mas à escala mundial e que era NOSSA,  a EDP, detentora de um invejável património tecnológico construído ao longo de décadas, que se internacionalizou, que se tornou sob muitos aspectos um lider na inovação  e que assim projectou o bom nome de Portugal pelo mundo moderno e que por essa via se tornou  um importador de dividendos, foi simplesmente trocado por algo semelhante a um saco de lentilhas. Uma coisa assim como alguém que vende um laranjal por umas dúzias  de laranjas…
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Para compreendermos um pouco melhor a nova detentora, a empresa "Three Gorges", que se vangloria de ter construido a maior barragem do mundo, tracemos em quatro ou cinco linhas  um breve quadro do que é esse enorme e poderoso gigante quase desconhecido a que o mundo chama de China.
De forma sucinta é preciso deixar bem claro que este enorme País resulta duma infinidade de terríveis guerras  travadas ao longo da sua milenar História, cujas motivações giraram sempre em torno da unificação política subordinada ao conceito de  Poder concentrado: o Império. O seu nome, China, é no entanto uma designação curiosa pois os Chineses referem-se ao território que dominam por “djong guo”, ou “terra, país, império, do meio”. Outras designações mais poéticas referem-se a ela como “zhong hua, ou "djong ruá" , que significa“flor do meio”. Seja como for, os estudiosos atribuem o nome China a diversas corruptelas sucessivas dos tempos em que as caravanas traziam por terra as sedas e o chá do longínguo oriente.
“chá” e “seda” tem sonoridades semelhantes entre si nos diversos dialectos chineses e teria sido por essa via que o Ocidente começou a designar a terra de origem dos produtos comerciados aos Árabes.
A imagem romântica da China milenar, recheada de sabedoria,  assente em valores familiares de índole quase tribal, não corresponde a nada mais do que à mistificação de uma realidade tornada virtual e há muito desaparecida. Na verdade, os velhos sábios eram os primeiros a ser perseguidos, detidos e executados sempre aquando das disputas entre os reinos de então e que haviam surgido ao longo do curso do Rio Amarelo. A hegemonia pretendida sobre um vasto território com inúmeras clivagens culturais e linguísticas fez do mesmo modo perseguir ao longo da História os que  não utilizassem a língua oficial. Destaca-se neste particular o sanguinário imperador que a si mesmo se intitulou de Chin e que mandou destruir e queimar todos os escritos de linguas diferentes. Preciosas e insubstituiveis bibliotecas em bambú foram arrasadas por conterem ensinamentos e por estarem escritos noutras línguas. Os não falantes do idioma oficial eram castigados com pena de morte. Foi um periodo de terror para os povos unificados sob a sua espada e centenas de milhares morreram em trabalho escravo na construção da Grande Muralha. E nem na morte prescindiu das serventias imperiais tendo mandado ser enterrado acompanhado de um exército de soldados em terracota.
 Apesar disso, na China actual continuam a existir centenas de variantes linguísticas em torno de quatro grandes grupos, a considerar: o Mandarim, imposta a toda a população, lingua oficial portanto, o Cantonês falado na orla maritima sul, Hong Kong Macau, Cantão etc, Sichuanês falado no centro da China em Sichuan e Congqing, e finalmente a lingua Hakka nos antigos estados fronteiros ao Afganistão. Permanecem ainda vivos outros idiomas que não cabem nestes quatro grandes grupos como por exemplo a lingua Ayizi, que demonstram o enorme mosaico  que compôs a China ao longo do tempo e como continua a ser na actualidade. Embora o Poder instalado pretenda exportar uma  imagem de coesão interna, a verdade é que as tensões tem pulsado ao ritmo das crises que ciclicamente assolam as regiões do Império e as suas manifestações sempre reprimidas de forma vigorosa e silenciadas para o mundo exterior. A furiosa investida no campo da economia mundial, levada a cabo a todo o custo, pode ser vista como uma espécie de salto para a frente de um País de estrutura fracturante, mantido unido pela força, tanto física como económica.
No entanto, a falta de respeito pelas consequências ambientais, pelas condições de trabalho e garantias sociais é a tónica dominante.
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E cabe aqui uma pergunta e consequente reflexão  tanto profunda como urgente:  O que sabemos nós como tem a empresa que adquiriu a posição dominante na EDP, observado as implicações negativas da sua actividade no seu próprio País, aquele imenso território tão diverso e  tão desconhecido para nós?
A barragem gigantesca no rio Yangtze está a mostrar a pouco e pouco a sua outra face, o lado obscuro e terrivel. Construida sem o menor cuidado no que concerne aos seus efeitos colaterais e impactes sobre o ecossistema, está a provocar uma catástrofe da mesma ordem de grandeza no campo da tecnologia de que os seus construtores se tem vindo a vangloriar .  O desvio dos cursos de água de uma região e o seu aprisionamento noutra, fez reduzir drasticamente  os valores hidrológicos.  Vastas zonas húmidas e preciosas para a vida natural desapareceram. Centenas de espécies extinguiram-se e as rotas migratórias das aves alteraram-se. O clima mudou nessas regiões, chove muito menos e o maior lago de água doce na China, o Poyang (imagens anexas) está quase seco: reduzido a menos de dez por cento que era antes da construção da barragem. Milhões de pessoas que viviam da economia  lacustre  simplesmente ficaram sem os meios de sobrevivência. Durante algum tempo a catástrofe foi silenciada mas a pouco e pouco foi transpirando e sabendo-se o lado obscuro do maior orgulho da indústria hidroeléctica da China. Para o mundo exterior passa simplesmente a mensagem da consequência de uma seca prolongada provocada por razões naturais, mas a verdade é  a de que mesmo considerando uma seca natural, esta tem sido multiplicada e potenciada pelo tremendo impacte das alterações que o empreendimento levou a cabo. As implicações vão ainda muito além do aspecto hídrico: devido ao abaixamento dos níveis freáticos, as concentrações de poluentes derivados das actividades industriais  nas proximidades do lago, sem quaisquer cuidados com os resíduos, tornaram as águas imbebíveis. Milhões de pessoas têm que consumir água engarrafada e a muitas indústrias locais foi imposto o seu encerramento temporário com o fim de evitar o aumento da concentração de poluentes.
No entanto, teria sido muito simples prever o que acabou por suceder; muito próximo das fronteiras chinesas fica o que restou do que era o quarto maior lago de água doce do mundo, o mar Aral. Também este, no tempo da URSS protagonizou o que foi chamado por Ban Ki-moon, secretário geral da ONU de "o maior desastre ambiental de que há conhecimento". Daquilo que era uma enorme superfície de água resta um cemitério de navios em cima dum estéril areal rodeado de cidades fantasma.
Mas isto não serviu de exemplo, a "Three Gorges" ignorando  o erro vizinho levou por diante o seu monstruoso projecto.
É esta empresa, que não respeita nem direitos, nem modos de vida, nem tem em conta as possíveis consequências catastróficas da  sua actividade que é a nova dona da nossa EDP.
O que poderá ter feito pensar e tomar por bons os compromissos que o nosso governo assinou com essa empresa que nem no seu próprio País coisa alguma respeita?
Será estupidez, ou apenas uma pueril ignorância?  Alexandre Graham Bell, disse uma vez  “ nunca andes pelos caminhos traçados, pois eles conduzem apenas até onde os outros foram.”  Foi precisamente por traçarmos novos caminhos que os Portugueses de então deram novos mundos ao mundo. Mas o que fazem os de agora?
Os acordos leoninos com a Troika, que conduziram a Grécia ao ponto em que está, os procedimentos da Three Gorges  e outras no mundo, não deveriam ser um aviso para que quem governa tirasse delas as ilações que nos parecem ser evidentes e não seguir por esses caminhos que conduziram aos pontos onde os outros foram conduzidos?
Seja como for, termino como comecei este post, com um sábio provérbio Chinês.
Nunca o Poder deve ser dado a quem imagina como  verdade do mundo, os limites do seu conhecimento.

Einstein diria séculos depois que a imaginação é mais importante do que o conhecimento, mas para mal dos nossos pecados (?), temos gente perigosamente no posto do comando dos nossos destinos com muito pouco conhecimento e ainda menos imaginação...



12 comentários:

  1. Infelizmente, só posso concordar contigo. Isto não foi meter o pé na poça, foi o corpo todo, até aos olhinhos.

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  2. Já vi que, como eu, és um frequentador assíduo das novas lojas da fluta...

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  3. Shark... amigo: toma cuidado!
    Polque os Sineze não gosta só di fluta mas gosta munto di sopa di tubalão

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  4. Aspirar, é aquela coisa que tem o som de "Shluuuurpe!?

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  5. Também aqui me apetecia dizer umas coisas... mas receio ter olhos em bico sobre mim.

    Entretanto, sempre nos fica a razoável certeza de que o nosso santo governo mais a sacrossanta Europa afirmam assegurar a existência de n cláusulas de salvaguarda, quanto a teres e haveres energéticos.

    E se essa certeza não bastar, podemos sempre imaginar que, um dia destes, lá mais para a frente, apareça um novo governo que governe e diga, muito sucintamente, que quem manda aqui somos nós, independentemente do tamanho ou do estatuto do nosso opositor.

    Não é para isso, afinal, que os governos são feitos? Refiro-me a um governo que tenha em si o conceito de soberania, claro, e com mandato legitimado.

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    1. Soberania... nos tempos que correm... pois, pois...

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    2. Eu acredito muito pouco, para dizer melhor, nada mas mesmo nada nessa coisa da soberania. Soberano seria o Estado se mantivesse a EDP nas suas mãos. Como empresa estratégica que é para TODA a nossa economia.
      Agora que está nas mãos dos Chineses, vou fazer uma previsão se me é permitido uma mãozinha nesse terreno tão fácil de trabalhar, mas só após os acontecimentos.
      Começo já pela seca e a barragem de Alqueva.
      Como o interesse dos Chineses é ganhar dinheiro com electricidade, imaginem para onde irá a água quando chegar o tempo de escassez da dita?
      Para abastecimento do público?
      Obviamente que não. Os donos da NOSSA EDP, empresa feito por Portugueses, paga por Portugueses e alienada de forma CRIMINOSA por ignorantes (ou talvez não, o que é pior) não quererão saber dos nossos interesses.
      O mesmo se irá pôr no futuro em relação a outras opções, nomeadamente a monstruosidade nuclear, tão do apetite de alguns figurões da nossa praça que não da nossa pátria.
      Como se isto não bastasse, foi confrangedor ver o sorriso tonto do Gaspar quando despachou por duas tutas e meia parte da REN a interesses estrangeiros.´
      Depois das águas vendidas, só restarão as unhas dos pés e os corpinhos para vender nos pinhais.
      Nâo sei como se irá pagar e enormidade dos empréstimos ao FMI se nada que pode determinar a competetividade da nossa economia está nas nossas mãos, mas nas alheias, nossos concorrentes.
      Resta apenas vender a força de trabalho por uma pechinhca e ganharmos menos, muito menos, único factor que resta para os nossos produtos ficarem mais acessíveis .... para os outros.

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    3. Pois eu também vou mais por aí na análise da nossa soberania: já há muito que a não temos.

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