fevereiro 25, 2012

«Faltam clientes, não trabalhadores» - Jaime Ramos

O pensamento dominante defende mais trabalho, menos férias, fim dos feriados, maior carga horária de trabalho.
A Peugeot, em Mangualde, prepara o despedimento de centenas de trabalhadores.
Não são despedidos por serem malandros ou trabalharem mal.
Nem eles, nem os robots com que operam, produzem carros de má qualidade.
Vão para o desemprego porque não há classe média para adquirir os carros que produzem.
Em Portugal, em cada dia que passa, milhares de trabalhadores engrossam a fileira de desempregados. Não são números. São pessoas, com famílias, filhos, amigos e vizinhos…
O desemprego em Portugal não se deve a deficit de capacidade de produção mas sim a falta de poder de compra.
Estes desempregados deixam de ir ao cinema, ao café, ao restaurante… Deixam de comprar casa, roupa ou alimentos, como antes faziam.
Os restaurantes estão a fechar não porque os cozinheiros produzam pouco ou os empregados de mesa não queiram servir os clientes, mas sim porque cada vez há mais lugares vazios por falta de dinheiro disponível, a circular de mão em mão.
Falo dos restaurantes como posso falar das clínicas, dos cabeleireiros, de milhentos outros negócios.
O drama de Portugal não é falta de produção e sim falta de poder de aquisição.
O desemprego fabrica pobreza e esta é contagiosa. Hoje eles, amanhã nós!
Temos mais de um milhão de desempregados, pessoas e famílias que são atiradas para a pobreza.
Temos de os pôr a consumir para que a economia não se continue a afundar.
Vivemos numa lógica de sustentabilidade absurda.
O estado social é sustentado pelas empresas que criam postos de trabalho.
São estas, com os seus colaboradores, que pagam 34,75% dos salários de imposto para alimentar o “estado de bem-estar”.
Todos aqueles que fazem dinheiro de forma fácil, no mundo financeiro, ou nos sectores de elevada tecnologia, com recurso a máquinas e menos a trabalhadores, não contribuem para a sustentabilidade do Estado, ou fazem contribuições ínfimas.
A crise assenta nestes dois aspectos essenciais, uma classe média em contracção, um sistema de financiamento da segurança social que penaliza as empresas criadoras de emprego e favorece os investidores que geram desemprego.
È preciso mudar de política e abrir os olhos á troika.
Portugal tem de honrar os compromissos e pagar as dívidas que levas sucessivas de políticos irresponsáveis geraram.
Não basta poupar, obrigar os trabalhadores a produzir mais, aumentar o desemprego.
O segredo reside em descobrir a fórmula que permita aumentar o poder de compra da classe média, sem aumentar o deficit externo.
Não é fácil… Se fosse simples bastariam mangas-de-alpaca. Não seriam precisos bons economistas, ou estadistas, bastaria mudar de moscas…
Não é simples, mas é possível, se fizermos as escolhas políticas correctas.

Jaime Ramos
Excerto do livro «Não basta mudar as moscas»

2 comentários:

  1. Ao contrário do que diz J. Ramos, não se pode abrir os olhos à Troika.
    Ela é um verme sem olhos para os corpos que devora, mas com o olhar bem aberto para o seu próprio interior.

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    1. Ou seja, em vez de lhe tentarmos abrir os olhos, devemos apontar-lhe ao olhinho...

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