fevereiro 11, 2012

«Despovoamento do Interior, gigantismo lisboeta» (parte 2) - Jaime Ramos

Em múltiplas situações, o Estado tem vindo a optar por adjudicar a entidades privadas prestações de serviços que são da sua competência.
Há uma ideia instalada, nem sempre comprovada, que o Estado consegue melhores preços e menores custos adjudicando os serviços em vez de os gerir directamente com recurso a trabalhadores da administração pública.
O outsourcing é uma actividade em expansão graças a esta orientação política que leva o Estado a abandonar a administração directa.
Sem questionar esta orientação geral, considero fundamental a criação de condições para que estas adjudicações sejam feitas de preferência a empresas nacionais sediadas próximo do local da prestação.
Em várias circunstâncias verifica-se que o estado adjudica estes serviços a multinacionais que acabam por agravar o endividamento externo, uma vez que levam para o estrangeiro os lucros, remunerações de capital investido e salários dos quadros e administrações. Um dos exemplos é a adjudicação do serviço de refeições nas escolas do ministério da Educação.
O Ministério adjudica o serviço através de concursos gigantes, a nível de região, agregando a totalidade das escolas.
O concurso público realizado dá uma ideia de transparência e seriedade que esconde o facto de ter sido organizado para permitir que só um número reduzido de empresas possa concorrer.
As notícias sobre a cartelização do sector das refeições, com evidente prejuízo para o Estado e para as crianças, colocam o processo na área da actuação criminosa.
É público que algumas das maiores empresas do sector são suspeitas de cartelização, com combinação prévia dos preços visando causar prejuízos ao Estado.
É incompreensível que o Governo permita que a administrarão pública continue, mesmo depois destas suspeitas de prática criminosa, a preparar concursos que têm como objectivo adjudicar novos serviços às mesmas empresas, em vez de alterar as regras para incentivar a entrada de pequenas e médias empresas, que favoreçam o desenvolvimento sustentável e apostem na coesão social.
É inaceitável que o Governo, e os seus serviços, organizem os concursos e as adjudicações, para favorecer os interesses de grandes empresas e/ou multinacionais. É lamentável que as pessoas que administram os serviços do Estado não tenham como objectivo promover a coesão social e a sustentabilidade económica do País. É surpreendente que em Portugal o Estado aceite como inevitável adjudicar serviços de refeições a empresas multinacionais.
Mal vai um País que não tem capacidade para fornecer refeições em escolas, necessitando de recorrer a empresas estrangeiras.
Nada temos contra o favorecimento de investimentos estrangeiros em Portugal desde que visem aumentar o número de postos de trabalho, pagar melhores salários, reduzir a nossa balança externa e aumentar o conhecimento científico e tecnológico.
Nenhuma destas condições se verifica no caso das refeições, e de outras prestações de serviços, pelo que se destrói a sustentabilidade económica de Portugal.
A aposta na coesão social deverá ser um objectivo de Estado que deverá organizar concursos que permitam criar empregos e mais-valias em todo o território nacional, favorecendo as iniciativas empresariais existentes nos concelhos envelhecidos e com decréscimo populacional.
Nada justifica que no interior de Portugal, onde há necessidade de fixar pessoas e criar emprego e negócios, o Governo opte por entregar a gestão do refeitório a uma multinacional.
O Governo, organizando os concursos como está a acontecer, fazendo pacotes de milhões de refeições, juntando as pequenas escolas do interior às das grandes cidades, impede que uma pequena empresa local possa concorrer à gestão do refeitório.
Se uma empresa local adjudicasse o serviço certamente compraria o pão a uma empresa da zona bem como os restantes géneros, das hortícolas às carnes e peixes, também a produtores e fornecedores locais.
Com o sistema actual de entrega do negócio e lucros a grandes empresas, com frequência estrangeiras, estas adoptam o sistema de central de compras que prescinde de qualquer benefício para o local.
As empresas vão ao interior buscar o pouco dinheiro existente, pago por refeição, para alimentar negócios instalados nos grandes centros urbanos, na maioria na região de Lisboa, ou com as administrações numa capital estrangeira, no caso das multinacionais.
No local o único benefício é a prestação do trabalho residual, que não pode ser transferido nem concentrado, na cozinha e na limpeza. Parte das refeições já são pré-cozinhadas, todo o negócio indirecto de abastecimento é garantido nas sedes e centrais dos serviços.
Foi simpático ver o Primeiro-ministro vir a terreiro a usar a Golden Share para evitar uma primeira venda da PT (...). Este Governo, capaz de correr o risco de usar uma Golden Share de forma eventualmente ilegal, não se preocupa em defender o interesse nacional no que respeita à subordinação aos interesses das grandes empresas nesta área das refeições.
É pouco inteligente o país não favorecer as iniciativas empresariais locais e regionais na prestação de serviços na sua área de influência. Seria uma forma de criar mais emprego e mais negócios, facto bastante importante nos pequenos concelhos especialmente naqueles que estão a perder população.
Não basta alegar que o Governo está a cumprir a lei. Se a lei está contra o interesse nacional deve ser mudada.
O interior não pode continuar a ser explorado e abandonado até nestas áreas de negócio que naturalmente lhe pertencem.

(continua)

Jaime Ramos
Excerto do livro «Não basta mudar as moscas»

2 comentários:

  1. Quando era estudante de bancos de escola (pois nunca deixei de estudar) costumava correr uma pergunta que irritava de sobremaneira o professor de filosofia que por sorte ou azar era padre:
    " Se Deus é Omnipotente, poderá ele fazer uma pedra tão pesada que não possa com ela?"
    Explicava o pobre homem em frente a uma turma com ar de gozo e pela enésima vez ( faço ideia de quantas vezes terá respondido a isto), desfarçando mal o incómodo: que a pergunta enfermava desde a partida com um vício de raciocínio, e que por esse motivo conduzia ao paradoxo. No fundo, dizia ele, podemos à partida condicionar as respostas pela forma como formulamos as perguntas: muitas noções, como a de peso são conveniências do raciocínio humano, pois o que existe é gravidade. E continuava a tentar explicar como Deus pode sempre mesmo que faça uma coisa que não possa e isso não pode fazer e se não pode não é ominpotente, e por isso pode tudo....
    mesmo que faça algo com que não possa...uffff...

    Passados anos, cabelos mais brancos e outros invisíveis, estou na idade do padre a quem eu irritava com perguntas chatas.
    E, como cá se fazem, cá se pagam, eis que é a minha vez de me irritar com pontos de partida de raciocínio que tudo condicionam em consequência.

    Uma delas é a famosa frase repetida pelos "opion makers" dos "neocons" de que "o Estado não tem vocação para gerir" ... e vai daí " ... é preciso privatizar..."

    E malta, tonta de tanta telenovela, acredita. Aplaude, mas aplaude excepto se a empresa privatizada for onde trabalha.

    Ora, deixa cá ver: uma escola, que compra no mercado local as coisinhas que o local produz, interagindo com as actividades económicas locais. Uma Escola que dá emprego a duas ou três cozinheiras, é muito mais caro do que ter uma multinacional a produzir sabe-se-la-onde alimentos, confeccionados a partir de sabe-se-lá-o-quê, e a transportar tudo através do país a bordo de carros e carretas, camions e camionetas????
    E o dinheiro que as Multis levam para fora, é melhor do que ter o Estado a produzir localmente?

    E a gente não acorda disto?
    Para quando é que a gente, o povo, começa a exigir - como dizia Agostinho da Silva-, que lhe seja dito para onde vai o dinheiro que lhe pedem em impostos?
    Que tal a gente receber em casa junto com os avisos para pagamentos de IVA IRS, IMIs Etc etc, não mais um papel, mas por exemplo, um link para ir à net ver um belo PDF com as continhas públicas apresentadas?
    As continhas de cada sector. Quanto se gasta em cada coisa.
    Quanto se gastou nos anos anteriores, por exemplo nas cantinas quando tinham confecção própria, e quanto se gasta agora, que a paparoca vem do paraíso privado.
    Só para começar.
    Fazer com que as contas públicas deixem de ser uma nuvem obscura tipo nevoeiro impenetrável de milhões e milhões, e passem a ser uma coisa que se entenda.

    Jaime Ramos: 5*****

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