fevereiro 10, 2012

O fascínio pelo erro, ou a dúvida metódica..

....Aquele que imagina que todos os frutos amadurecem ao mesmo tempo, como as cerejas, nada sabe a respeito das uvas....


Quando no Sec XVII a figura extraordinária, comerciante e investigador autodidacta de Antonie van Leewenhoek  (Antoní ván Lêiuan-Húque, assim se pronuncia e não o intragável leua-noéque que tantas vezes se ouve) identificou pela primeira vez - através de um dos muitos utensílios ópticos que aperfeiçoou-, os espermatozóides, deu início ao fim de um dos muitos mitos tidos como certezas absolutas da Idade Média: os Homúnculos. Este ser fantástico, um pequeno homem destituído de alma mas dotado de propriedades e inteligência  extraordinárias, era, a par da Pedra Filosofal e do Elixir da Vida Longa, (ou da eternidade) um dos objectivos que a Alquimia perseguia e que se baseavam na trilogia da quimera do ouro, a imortalidade em estado de juventude e a criação da vida a partir da matéria inerte.
Paracelso, heterónimo de um dos mais brilhantes e enigmáticos precursores do Renascentismo, tinha um Século antes desenvolvido a fórmula para a criação do seu Homúnculo. 
Os Homúnculos eram figuras bizarras, projecções alimentadas a partir dum imaginário assente e transbordante em mitos e mistificações, e que resultavam, segundo os incansáveis alquimistas, das misturas mais diversas obtidas a partir do sémen humano.
Investigador, poeta, pensador, artista em diversas áreas e homem dotado de estranha e controversa personalidade, era também ele e de forma incontornável adicto á Alquimia.
Médico e Poeta, Alquimista e investigador, seu Homúnculo poderia ser obtido, segundo o que dizia, muito facilmente a partir duma dose de sémen humano sobre uma cama de esterco de cavalo, encerrados numa campânula estanque e aquecidos durante quarenta dias...
Leewenhoek, ao descobrir os espermatozóides, deu continuidade ao conceito de Homúnculo: os espermatozóides seriam minúsculos homens e o corpo feminino, o equivalente ao terreno fértil que Paracelso teorizava sob forma do esterco equídeo. Seria apenas no Sec XVIII, e curiosamente pela pena de um padre- Lazzaro Spallanzani- que ao pegar nos trabalhos de Leewenhoek, descobriu  os óvulos femininos e destruiu as teorias animalcultistas. 
Isto demonstra como, apesar de todo o brilho e génio, clarividências e trabalhos esforçados, jamais nos podemos sentir como donos da verdade absoluta, como se fôssemos  o fim da História e mais nada houvesse para descobrir após nós. Neste particular, haveria de ser paradoxalmente alguém ligado  a uma estrutura religiosa criacionista a desfazer conceitos acimentados dos que praticavam uma actividade que viria a ser mais tarde chamada de conhecimento científico, base do evolucionismo... 
Paracelso escreveu há quinhentos anos um dos mais belos, abertos e modernos poemas de sempre, o que não o isenta de se ter deixado fascinar pela mística do erro: algo que acontece de forma recorrente aos homens de ciência de todos os tempos, mas não só estes
O mesmo fascínio pelo erro percorre transversalmente todos os estratos e condições, de onde se depreende que classe política não lhe está alheia. 
A verdade é que o Homem precisa de sentir segurança nas suas crenças, criando uma envolvência de conforto à qual subordina todos os seus actos e pensamentos, e mais uma vez regresso ao parágrafo anterior: como se fosse o Fim da História, o Tempo tivesse parado e não houvesse outras soluções.
Passos Coelho, ao querer desligar as causas e os efeitos e pretender separar o inseparável, demonstra além de uma forma muito especial de arrogância que muitos apelidam de outra coisa, ser o paradigma do poema de Paracelso, e por isso eu dedico, embora saiba que jamais o irá ler.
É protagonista da forma mais perigosa de ignorância,exactamente na esteira daquela ideia que caracterizou a figura um dia apelidada de senhor Silva:- o primado das certezas absolutas- raramente me engano e nunca tenho dúvidas.

Paracelso, via, investigava, duvidava e escreveu este poema há quinhentos anos e que é o arquétipo da humildade científica; a angústia entusiasta da dúvida e a recompensa da eterna descoberta.
No entanto, também ele acreditava no seu Homúnculo como verdade absoluta...


***

Quem nada conhece

nada ama

Quem nada pode fazer

nada compreende

Quem nada compreende

nada vale

Mas quem compreende

também ama, observa e vê…

Quanto maior o conhecimento

inerente numa coisa,

tanto maior o amor…

Aqueles que imaginam

que todos os frutos

amadurecem ao mesmo

tempo, como as cerejas,

É porque nada sabem

acerca das uvas


*


Paracelso

5 comentários:

  1. Paracelso produziu milhões de homúnculos?

    ResponderEliminar
  2. Agora imagina se em vez de Paracelso os homúnculos tivessem origem em ti, Sãozinha..xi...que era um mundo todo cor-de-rosa

    ResponderEliminar
  3. Só se eu cedesse alguns homúnculos ao Paracelso...

    ResponderEliminar
  4. Não sei porque tudo era tão claro e eu não via a escuridão! São Rosas, são rosas os homúnculos machos cor-de-rosa. Paracelso foi quem povoou a Ásia. :))

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Podes descodificar-me a coisa? Ou fazer-me um desenho?

      Eliminar