fevereiro 28, 2012

Ah, este é que é o Paul Krugman? Ora, bolas…

Depois de me ter deliciado, atemorizado, atrapalhado e embasbacado perante a entrevista deliciosa, atemorizadora, trapalhona e basbaque com que, ontem mesmo, Paul Krugman, eminentíssimo economista americano, nos brindou, deixei-me resvalar no sofá das grandes ocasiões e dei comigo a matutar sobre as transcendências inacessíveis e muito para além de iniciáticas da Nova Economia e de como já é chegado o tempo de ser fundada uma nova religião.
Religião panteísta, obviamente, com incontáveis deuses e não menos inumeráveis apóstolos, seitas que avonde, pitonisas, oráculos e seguidores à fartazana…
Ouve-se, então, tão eminente sapiência, com tantos laivos de democrata à americana – que é uma espécie de coisa que não se sabe bem o que é…. - vestindo um ar compungido a falar, reticente, da eventualidade de baixar remunerações, a bem da competitividade das empresas portuguesas em relação à dos «estados fortes» da Europa, como condição de sobrevivência.
E não se lhe ouve uma palavra, uminha, sobre os custos de produção, como energias, combustíveis, impostos, burocracias várias que deixam as empresas portuguesas a perder de vista, pelo lado mais negativo e sombrio, em relação às suas congéneres europeias. Ora, assim, também eu...
E quase, quase nem uma palavra relativamente à exploração desenfreada desse manancial inesgotável de mão-de-obra dos países chamados emergentes, como China ou Índia, como elemento determinante para criar algum equilíbrio no tal mundo globalizado, onde perante tais fossos abissais de desigualdade – e enquanto eles se mantiverem – não é possível criar o que quer que seja em termos de ordem mundial regulada… e razoável, racional, etc..
Ouvem-se, então, perante, as «inevitabilidades» do abismo e até da previsão de novos conflitos à escala mundial, as sugestões mais inconcebíveis, ainda que haja logo, também, o despudor de se afirmar que, afinal, cada sugestão avançada poderá não servir para nada, tal o nível de dependência de um país como Portugal destes enormes, gigantescos e avassaladores centros de decisão que regulam o mundo.
Perante isto, dei por mim a considerar-me capaz, também, de mandar com as minhas achegas a este muro de lamentações. Assim como assim, opinar é próprio do homem. Então, cá vai:
- ao nível externo e a médio prazo, como política de «um dia eu deito a casa abaixo», Portugal apenas tem de preconizar a sua saída do euro, como meio de abalar as estruturas hipócritas da Europa mai-los mercados. Mas não tem de regressar ao escudo, obrigatoriamente, não senhor. Pode tentar o yuan, que me parece muito mais promissor e agressivo, assumindo-nos como testa de ferro dos interesses chineses na Europa e no mundo.
Pelo caminho, pode tentar aliciar para a mesma atitude países como a Grécia, a Irlanda, a Espanha, a Itália, mandando às urtigas esta «ocidentalidade» manhosa e anquilosada em que nos atascamos e partir para outra vida;
- ao nível interno e no curto prazo, como meio radical para equilibrar o défice orçamental e em vez de se andar com mariquices e pieguices carnavalescas de acabar com feriados e outras minudências do estilo, se eu fosse governo instituiria a criação de mais dois meses por ano – poderiam ser o Coelheiro e o Relvembro – e a produtividade nacional anual comparada iria subir por aí fora, que nem vos passa pela cabeça.
Depois, bastava acertar o calendário pelo resto do mundo para aí de seis em seis anos – o que nem me parece um ciclo demasiado longo - … e estava a coisa resolvida.
Afinal, no meio de tanta estupidez proferida por tantas eminências, porque não hei-de ter eu, também, direito à minha? Se não, que raio de democracia é esta…?

fevereiro 25, 2012

«Faltam clientes, não trabalhadores» - Jaime Ramos

O pensamento dominante defende mais trabalho, menos férias, fim dos feriados, maior carga horária de trabalho.
A Peugeot, em Mangualde, prepara o despedimento de centenas de trabalhadores.
Não são despedidos por serem malandros ou trabalharem mal.
Nem eles, nem os robots com que operam, produzem carros de má qualidade.
Vão para o desemprego porque não há classe média para adquirir os carros que produzem.
Em Portugal, em cada dia que passa, milhares de trabalhadores engrossam a fileira de desempregados. Não são números. São pessoas, com famílias, filhos, amigos e vizinhos…
O desemprego em Portugal não se deve a deficit de capacidade de produção mas sim a falta de poder de compra.
Estes desempregados deixam de ir ao cinema, ao café, ao restaurante… Deixam de comprar casa, roupa ou alimentos, como antes faziam.
Os restaurantes estão a fechar não porque os cozinheiros produzam pouco ou os empregados de mesa não queiram servir os clientes, mas sim porque cada vez há mais lugares vazios por falta de dinheiro disponível, a circular de mão em mão.
Falo dos restaurantes como posso falar das clínicas, dos cabeleireiros, de milhentos outros negócios.
O drama de Portugal não é falta de produção e sim falta de poder de aquisição.
O desemprego fabrica pobreza e esta é contagiosa. Hoje eles, amanhã nós!
Temos mais de um milhão de desempregados, pessoas e famílias que são atiradas para a pobreza.
Temos de os pôr a consumir para que a economia não se continue a afundar.
Vivemos numa lógica de sustentabilidade absurda.
O estado social é sustentado pelas empresas que criam postos de trabalho.
São estas, com os seus colaboradores, que pagam 34,75% dos salários de imposto para alimentar o “estado de bem-estar”.
Todos aqueles que fazem dinheiro de forma fácil, no mundo financeiro, ou nos sectores de elevada tecnologia, com recurso a máquinas e menos a trabalhadores, não contribuem para a sustentabilidade do Estado, ou fazem contribuições ínfimas.
A crise assenta nestes dois aspectos essenciais, uma classe média em contracção, um sistema de financiamento da segurança social que penaliza as empresas criadoras de emprego e favorece os investidores que geram desemprego.
È preciso mudar de política e abrir os olhos á troika.
Portugal tem de honrar os compromissos e pagar as dívidas que levas sucessivas de políticos irresponsáveis geraram.
Não basta poupar, obrigar os trabalhadores a produzir mais, aumentar o desemprego.
O segredo reside em descobrir a fórmula que permita aumentar o poder de compra da classe média, sem aumentar o deficit externo.
Não é fácil… Se fosse simples bastariam mangas-de-alpaca. Não seriam precisos bons economistas, ou estadistas, bastaria mudar de moscas…
Não é simples, mas é possível, se fizermos as escolhas políticas correctas.

Jaime Ramos
Excerto do livro «Não basta mudar as moscas»

fevereiro 23, 2012

Ai, a nossa pieguice...!

 Dois amigos encontram-se:
- Eh, pá! Há quanto tempo!
- Xi, pois é! Então, que tens feito?
 ...
- Olha, casei, tenho dois miúdos.
- A sério? Eu tenho uma rapariga. Como se chamam os teus rapazes?
- Sonasol e Sunlight!
- Sério? Bem... a minha filha chama-se Maria...
- Ahahahah! Tem nome de bolacha!


E a que propósito vem isto, esta anedota que bom amigo me remeteu, recentemente? Pois, tenho para mim que isto anda tudo ligado. Por exemplo: como é disso bom exemplo aquele pai do Sonasol e do Sunlight, a percepção da realidade de que cada um de nós dispõe, sedimentada em segundos, minutos, horas, dias, meses e anos da vida ou da vidinha, leva-nos a reagir de um modo ou de outro, consoante essa constante aprendizagem, interagindo diferentemente com o nosso interlocutor de acordo com o que trazemos gravado na matriz original.

Ora isto, que aparenta não ser mais do que um extraordinário lugar-comum - e que o é, de facto -, traz, se virmos bem, muita água no bico. Porque ele há a nossa incontornável capacidade de disfarce, associada a doses maiores ou menores de manhosice, consoante o nível de stress a que se está sujeito, o que, por sua vez, anda associado e dependente de muita coisa, desde a conta bancária ao preço do leite, passando por tudo quanto é inquietação mais ou menos transcendental das esquinas da vidinha. 

Veja-se o caso do nosso actual primeiro ministro que, na exacta medida em que a marcha inexorável do tempo lhe descontrola a arrumação pré-feita dos neurónios, tende a desconchavar-se em meandros linguísticos que lhe destapam a careca, já de si rarefeita.

Não se lhe estranhem, pois, o episódio dos «piegas» e menos, ainda, o desabafo de que «agora, não é a altura para pensarmos em tradições».

Tudo pela óbvia razão da contradição patente nos próprios termos: ser-se piegas é uma tradição nacional. E chamo-lhe contradição, mas poderia rotulá-la de esquizofrenia, que até era mais contundente.

Não fora essa metafísica pieguice e onde iria parar o fado, património imaterial, ou tantos desabafos proferidos pelos próprios elementos do elenco governamental? Pior: não fora a corriqueira pieguice e para onde iriam parar os «bancos alimentares»? E as Misericórdias? E os escuteiros? E o voluntariado? E…

Se seguirmos, então, acriticamente estes maus conselhos do nosso primeiro que o enfastiamento lhe provoca, ainda nos havemos de ver, vestidos de formiga, a verberar a pobre da cigarra, transida de fome e de frio no inverno do seu descontentamento, com o dedo em riste, censório e acusatório: «- Cantaste? Pois dança, agora!».

Se este conceito ainda fosse extensivo ao BPN, a quem os sucessivos governos do centrão vão cobrindo mazelas à força dos nossos euros, ainda vá que não vá. Agora, assim…

O que me traz ao fim destas reflexões dispersas e algo desconexas: o que mais me perturba, então, nestes senhores que parecem não saber o que dizem, em certos momentos, é o receio de que estes deslizes, que os latinistas da psicanálise chamariam de lapsi linguae, possam, afinal, esconder (revelando) um fundo pouco ou nada consistente de humanidades, coladas com a saliva das circunstâncias… e nada mais.

Porque lá diz o povo que quem não quer ser lobo, que não lhe vista a pele. Mas que dizer dos disfarces de carneiro?

Ai, valham-nos, então, as tradições, mesmo as mais piegas!

fevereiro 22, 2012

A Posta numa singela homenagem ao deputado desconhecido


Foto: Shark

«Despovoamento do Interior, gigantismo lisboeta» (parte 4) - Jaime Ramos

Estamos firmemente contra políticas que favorecem interesses estrangeiros em detrimento dos portugueses.
A opção pelo que é nosso deve ser uma preocupação de todos nós e prioritariamente dos organismos do Estado.
Em 2010 o INATEL lançou um novo cartão aos beneficiários associados. Por alegadas questões de economia o INATEL adjudicou estes cartões a uma empresa alemã.
Admito que o INATEL tenha poupado alguma coisa mas seria mais benéfico para o país que, perante o preço obtido no mercado internacional, o INATEL negociasse com uma empresa nacional para desenvolver o mesmo tipo de cartão. Não conheço o cartão, não sei as funções que possui. Sei que é uma área em que Portugal tem tido grande desenvolvimento tecnológico, como é evidente na área dos cartões bancários e rede multibanco, onde Portugal tem uma excelente performance tal como nas auto-estradas, com o sistema da via verde. São áreas em que somos líderes mundiais pelo que mais me surpreende a opção do INATEL.
Na Lousã, a ARCIL, Associação de Reabilitação de Cidadãos Inadaptados, com um excelente trabalho na área da deficiência, tem uma unidade de produção de cartões. Teria sido interessante ver o INATEL negociar com esta IPSS uma actualização da sua capacidade técnica, para responder à sua encomenda. Esta IPSS, com este negócio dos cartões, cria condições de empregabilidade para pessoas com deficiência.
Portugal não precisa de facilitar as exportações e a saída de moeda. Precisamos de fazer exactamente o oposto, defendendo a mossa produção, com respeito pelas regras da União Europeia, com a coragem que o Governo demonstrou na PT para defender grandes interesses financeiros dos accionistas.
O INATEL é um serviço público que, ao fazer aquisições, deve defender os seus interesses como organização, encontrando a melhor relação custo benefício. Sendo um serviço de interesse público não pode alhear-se da necessidade estratégica de contribuir para desenvolver o tecido empresarial nacional, a nossa capacidade de produção e o nosso emprego.
Quando se compram produtos nacionais estamos a criar emprego e a favorecer toda uma economia interligada a montante e jusante do fabricante.
Não só se evita a transferência directa de euros para o exterior, melhorando a nossa balança externa, como não podemos esquecer que a empresa instalada em Portugal consome energia, manutenção, equipamentos, pessoal, serviços diversos de todo o tipo, que criam uma cadeia de produção de riqueza.
Poderão dizer que, neste caso dos cartões do INATEL, estamos perante uns “amendoins” sem interesse. Esquecem que grão a grão enche a galinha o papo e que a melhoria de uma economia se faz de pequenos impulsos. Temos que criar hábitos de promoção da nossa produção.
Reconheço que Portugal deve gerir os seus interesses sem ferir as regras de livre concorrência no espaço da UE. Todos sabemos que nos grandes negócios, quando há muitos milhões em jogo, como na energia e telecomunicações, os países têm adoptado estratégias para defender interesses locais. Se este patriotismo funciona nos grandes interesses, é absurdo que seja desprezado quando é fundamental promover as pequenas e médias empresas, impedindo o esvaziamento do interior.
A defesa da produção no espaço nacional deve ser um objectivo sempre presente nos negócios do Estado, em todos os sectores.
Em Portugal está instalada indústria automóvel, a nível dos ligeiros e também no sector de pesados, nomeadamente no transporte de passageiros.
Parece-me que na escolha de viaturas para o Estado e grandes empresas com participação pública se deve privilegiar o made in Portugal.
Este tipo de opção pode ser importante na valorização do nosso mercado que, sendo pequeno, terá mais força se adoptar comportamentos de unidade.
Sabemos que é difícil às famílias portuguesas fazer esta opção, nomeadamente quando os produtos importados são de menor preço. Mas os organismos do Estado têm uma capacidade de visão estratégica que deve ter em conta estes factores.
O Estado pode “exigir” que os preços dos produtos nacionais sejam semelhantes ou inferiores até porque temos uma mão-de-obra mais barata que favorece a competitividade do fabricado em Portugal, nomeadamente na concorrência com os produtos oriundos de países europeus, com PIB per capita superiores ao nosso.

Jaime Ramos
Excerto do livro «Não basta mudar as moscas»

Empréstimo entre amigos



Plano de salvamento da Grécia

O círculo vicioso

"... sim, de acordo...
 ... emprestamo-vos o que terão de nos reembolsar..."

PressEurop.eu - Mix & Remix

fevereiro 20, 2012

«Rio+20: as críticas» - Boaventura Sousa Santos

Excertos da crónica do meu professor de Ciências Sociais na FEUC, publicada na revista «Visão» de 9 de Fevereiro de 2012:

"As propostas [para a Conferência do Rio+20], resumidas no conceito de economia verde, são escandalosamente ineficazes e até contraproducentes"

"Antes da crise financeira, a Europa foi talvez o continente em que mais se refletiu sobre a gravidade dos problemas ecológicos que enfrentamos. Toda esta reflexão está hoje posta de lado e parece, ela própria, um luxo insustentável. Disso é prova evidente o modo como foram tratados pelos media dois acontecimentos das últimas semanas, o Foro Económico Mundial de Davos e o Foro Social Mundial Temático de Porto Alegre. O primeiro mereceu toda a atenção, apesar de nada de novo se discutir nele: as análises gastas sobre a crise europeia e a mesma insistência em ruminar sobre os sintomas da crise, ocultando as suas verdadeiras causas. O segundo foi totalmente omitido, apesar de nele se terem discutido os problemas que mais decisivamente condicionam o nosso futuro: as mudanças climáticas, o acesso à água, a qualidade e a quantidade dos alimentos disponíveis ante as pragas da fome e da subnutrição, a justiça ambiental, os bens comuns da humanidade. Esta seletividade mediática mostra bem os riscos que corremos quando a opinião pública se reduz à opinião que se publica.
O Foro de Porto Alegre visou discutir a Rio+20, ou seja, a Conferência da ONU sobre o desenvolvimento sustentável que se realiza no próximo mês de junho no Rio de Janeiro, 20 anos depois da primeira Conferência da ONU sobre o tema, também realizada no Rio, uma conferência pioneira no alertar para os problemas ambientais que enfrentamos e para as novas dimensões da injustiça social que eles acarretam. (...)
As conclusões principais da análise crítica foram as seguintes. Há 20 anos, a ONU teve um papel importante em alertar para os perigos que a vida humana e não humana corre se o mito do crescimento económico infinito continuar a dominar as políticas económicas e se o consumismo irresponsável não for controlado; o planeta é finito, os ciclos vitais de reposição dos recursos naturais estão a ser destruídos e a natureza "vingar-se-á" sob a forma de mudanças climáticas que em breve serão irreversíveis e afetarão de modo especial as populações mais pobres, acrescentando assim novas dimensões de injustiça social às muitas que já existem. Os Estados pareceram tomar nota destes alertas e muitas promessas foram feitas, sob a forma de convenções e protocolos. As multinacionais, grandes agentes da degradação ambiental, pareceram ter ficado em guarda.
Infelizmente, este momento de reflexão e de esperança em breve se desvaneceu. Os EUA, então principal poluidor e hoje principal poluidor per capita, recusou-se a assumir qualquer compromisso vinculante no sentido de reduzir as emissões que produzem o aquecimento global. Os países menos desenvolvidos reivindicaram o seu direito a poluir enquanto os mais desenvolvidos não assumissem a dívida ecológica por terem poluído tanto há tanto tempo. As multinacionais investiram para influenciar as legislações nacionais e os tratados internacionais no sentido de prosseguir as suas atividades poluidoras sem grandes restrições.
O resultado está espelhado nos documentos preparados pela ONU para a Conferência do Rio+20. Neles recolhem-se informações importantes sobre inovações de cuidado ambiental, mas as propostas que fazem - resumidas no conceito de economia verde - são escandalosamente ineficazes e até contraproducentes: convencer os mercados (sempre livres, sem qualquer restrições) sobre as oportunidades de lucro em investirem no meio ambiente, calculando custos ambientais e atribuindo valor de mercado à natureza. Ou seja, não há outro modo de nos relacionarmos entre humanos e com a natureza que não seja o mercado. Uma orgia neoliberal."

Boaventura Sousa Santos

fevereiro 19, 2012

«Despovoamento do Interior, gigantismo lisboeta» (parte 3) - Jaime Ramos

A situação que se vive com a adjudicação de segurança privada por parte do Estado é igualmente um erro grave. Qualquer serviço público tem um segurança privado a controlar as entradas e a vigiar as instalações.
Com frequência observamos que este serviço de segurança equivale, nas funções, às antigas tarefas dos contínuos.
Sucessivas notícias indicam que é um sector que assenta em grande informalismo e desrespeito pela legalidade, sem cumprir a legislação do trabalho.
Os serviços públicos gastam fortunas a sustentar estes serviços de vigilância privada que, quando há reais problemas de segurança, se limitam a chamar a polícia ou a GNR para restabelecer a ordem.
As forças de segurança funcionam com limitações orçamentais e redução de efectivos que colocam em risco a sua eficiência.
É inaceitável que o Estado utilize e sustente serviços privados de segurança prescindindo de equipar e reforçar as forças policiais.
Lemos na comunicação social que uma ONG espanhola vai gerir os Colégios do Ministério da Justiça em Vila do Conde e Madeira, destinados a jovens delinquentes.
Segunda a notícia esta gestão vai ser feita com supervisão da Direcção-Geral de Reinserção Social.
Segundo a escassa informação que encontrei na comunicação social esta adjudicação terá sido feita por concurso público. Embora tenha solicitado ao Governo informações concretas nunca esclareceram sobre o processo seguido na adjudicação e, se de facto foi feito concurso, em que moldes e quais os critérios.
O Centro Educativo Santa Clara, em Vila do Conde, tem capacidade para 48 jovens, 36 rapazes e 12 raparigas. É propriedade do Ministério da Justiça e vai ser gerido por espanhóis.
Em contrapartida, o Governo português vai pagar dois milhões de euros por ano. O contrato será por três anos, seis milhões de euros para os espanhóis.
O Estado ficará ainda responsável pela gestão e segurança do colégio. A organização espanhola assume a educação e formação dos jovens.
Por cada jovem o Estado vai pagar quase 42 mil euros por ano, cerca 3.500 euros por mês.
Por cada jovem, por dia, o Governo português vai pagar 114,16 euros (cento e catorze euros e dezasseis cêntimos) à organização espanhola.
Em Portugal, há IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social) sem fins lucrativos, que educam crianças, mediante acordos com a Segurança Social. Estas IPSS assumem todos os custos, construção dos estabelecimentos, manutenção, segurança, apoio social e educação.
O estado paga às IPSS portuguesas 469,11 euros por mês por criança internada num Centro de Emergência Infantil. Este valor é cerca de 13% do valor pago aos espanhóis, não esquecendo que é o Estado que ainda assume a gestão e a segurança.
Por mês e por jovem internado num lar de apoio para jovens em risco o Estado paga só 667,88 euros, valor que é só 19% do pago pelo Ministério da Justiça aos espanhóis
Notícias indicam que a mesma organização também contratou a prestação de serviços idênticos num outro colégio do Ministério da Justiça, na Madeira mas não conhecemos os números embocar tenhamos a suspeita que sejam também lesivos do interesse nacional.
Estamos perante um escândalo e um exemplo de má gestão económica e política.
Portugal precisa de investimento estrangeiro, não de ser explorado por estrangeiros. Precisamos de investimento que aumente a nossa capacidade de produção de bens transaccionáveis. Devemos prescindir de serviços de organizações estrangeiras que agravem o défice da nossa balança externa.
Há portugueses que são excelentes professores e técnicos, alguns no desemprego.
Não precisamos de adjudicar a educação e formação de jovens residentes num centro educativo a estrangeiros.
Sabemos que Portugal enfrenta uma grave crise económica. O Estado não pode continuar a gerir como se não tivesse de poupar. Se o Ministério da Justiça tem negociado esta gestão partilhada com IPSS nacionais seguramente teria encontrado uma solução mais económica.
Todos percebemos que uma organização sedeada no estrangeiro tem necessariamente custos de gestão superiores a uma instalada em Portugal. A gestão à distância origina sempre desperdícios. Basta pensar nos custos das deslocações dos gestores, para se ter noção de gastos desnecessários.
O buraco existente no orçamento de Estado impõe que Portugal gira os seus serviços com menores custos, com maior eficiência.
O défice na balança externa impõe que o Governo reduza as importações e as saídas de dinheiro para o estrangeiro.
Estes seis milhões de Vila do Conde (mais os milhões da Madeira…) serão uma insignificância mas constituem um péssimo exemplo de despesismo e de falta de sensibilidade para a nossa balança comercial.
As IPSS portuguesas colaboram diariamente com o Ministério da Justiça e com a Segurança Social no apoio crianças e jovens residentes nos seus lares. Não mereciam ter sido desprezadas e trocadas por uma organização espanhola.
Esta adjudicação, para além dos custos e erros financeiros, expressa a ideia que as organizações portuguesas são incapazes de educar os nossos jovens.
Não aceitamos que, havendo tantas ONG’s e IPSS em Portugal, seja necessário entregar a uma entidade espanhola a gestão dos Colégios do Ministério da Justiça.
Estamos certos que várias ONG’s se disponibilizariam para essa colaboração com o Ministério da Justiça.
Fundei uma IPSS que já em várias ocasiões colaborou com o Ministério da Justiça, nomeadamente com um projecto da iniciativa europeia HORIZON, recentemente nas “prestações de trabalho a nível da comunidade” e no apoio a vítimas de violência doméstica.
Na Fundação ADFP gerimos duas estruturas do tipo residencial com crianças e jovens, onde recebemos crianças “problemáticas” oriundas das estruturas do Ministério da Justiça.
Por uma questão de patriotismo e também de realismo económico, em defesa da nossa frágil “Balança Externa”, não percebemos a razão do Estado Português adjudicar a gestão destes Colégios a uma entidade estrangeira.
Estamos certos que muitas ONG’s e IPSS’s nacionais estão disponíveis para colaborar com o Ministério da Justiça e totalmente abertos a uma colaboração que defenda o interesse nacional e dos jovens internos destes colégios.
Nada temos contra o investimento estrangeiro, nem contra gestões internacionais, desde que nos tragam “know how” capaz de aumentar a competitividade e a produtividade nacional.
Se não sabemos fazer chaves de fendas, ou um outro qualquer produto, e há a possibilidade de atrair uma empresa estrangeira para instalar uma fábrica que alimente o nosso mercado, aliviando-nos das importações, e que possa exportar, devemos defender o interesse nacional criando condições para a instalação dessa iniciativa. Este é investimento bem-vindo.
Investimento estrangeiro destinado a explorar os negócios existentes, que nada acrescentam à nossa economia e só prejudicam a nossa balança externa, devem ser tratados como prejudiciais para o interesse nacional. É absurdo ver a nossa administração pública estender uma passadeira vermelha para que nos venham explorar, lesando o interesse nacional.

(continua)

Jaime Ramos
Excerto do livro «Não basta mudar as moscas»

fevereiro 18, 2012

O negocio da EDP, a China e o lado tenebroso da Three Gorges.


Nunca o Poder deve ser dado a quem imagina como  verdade do mundo, os limites do seu conhecimento.

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Quando o actual governo da república portuguesa se auto-felicitou – num exercício do mais puro e pacóvio narcisismo-  pelo sucesso da “privatização” da EDP, fe-lo por estar decerto convencido do excelente negócio  que os titulares  governativos responsáveis pela transacção tinham acabado de levar a cabo.
A empresa Chinesa das “três gargantas”, um poderoso gigante no campo da produção de energia, adquiriu na prática  e em troca de papéis que o mundo tem dado ao seu País ao longo de décadas,  o direito de ser o maior co-proprietário da mais expressiva empresa industrial  Portuguesa.  A presença Chinesa embora forte é ainda minoritária mas será no entanto a porta de entrada para a o seu domínio total como o futuro irá demonstrar.
Foi  este negócio efectuado sob um conjunto de condições que em tese iriam ter em vista contrapartidas e  garantias mínimas para a salvaguarda do interesse nacional…
Contudo bastaria um breve estudo sobre o historial dos negócios e parcerias da China pelo mundo para nos darmos conta  de como este Império raramente cumpre os acordos assinados. “ Ai dos vencidos” cito o que disse o Gaulés de nome Breno (de Brennus, chefe ou lider em Celta) em resposta aos protestos dos Romanos quando o Celta pôs a sua espada sobre a balança para aumentar o valor do seu resgate em ouro exigido à derrotada e saqueada Roma.
Esta tem sido de algum modo a atitude recorrente da China nas situações em tudo semelhantes ao negócio da EDP, que longe de ter sido o sucesso anunciado é antes de mais uma operação ruinosa para os nossos interesses estratégicos e com repercussões todas no quadrante negativo e ainda mal calculados.
Esta enorme empresa, nem só à nossa escala mas à escala mundial e que era NOSSA,  a EDP, detentora de um invejável património tecnológico construído ao longo de décadas, que se internacionalizou, que se tornou sob muitos aspectos um lider na inovação  e que assim projectou o bom nome de Portugal pelo mundo moderno e que por essa via se tornou  um importador de dividendos, foi simplesmente trocado por algo semelhante a um saco de lentilhas. Uma coisa assim como alguém que vende um laranjal por umas dúzias  de laranjas…
*


Para compreendermos um pouco melhor a nova detentora, a empresa "Three Gorges", que se vangloria de ter construido a maior barragem do mundo, tracemos em quatro ou cinco linhas  um breve quadro do que é esse enorme e poderoso gigante quase desconhecido a que o mundo chama de China.
De forma sucinta é preciso deixar bem claro que este enorme País resulta duma infinidade de terríveis guerras  travadas ao longo da sua milenar História, cujas motivações giraram sempre em torno da unificação política subordinada ao conceito de  Poder concentrado: o Império. O seu nome, China, é no entanto uma designação curiosa pois os Chineses referem-se ao território que dominam por “djong guo”, ou “terra, país, império, do meio”. Outras designações mais poéticas referem-se a ela como “zhong hua, ou "djong ruá" , que significa“flor do meio”. Seja como for, os estudiosos atribuem o nome China a diversas corruptelas sucessivas dos tempos em que as caravanas traziam por terra as sedas e o chá do longínguo oriente.
“chá” e “seda” tem sonoridades semelhantes entre si nos diversos dialectos chineses e teria sido por essa via que o Ocidente começou a designar a terra de origem dos produtos comerciados aos Árabes.
A imagem romântica da China milenar, recheada de sabedoria,  assente em valores familiares de índole quase tribal, não corresponde a nada mais do que à mistificação de uma realidade tornada virtual e há muito desaparecida. Na verdade, os velhos sábios eram os primeiros a ser perseguidos, detidos e executados sempre aquando das disputas entre os reinos de então e que haviam surgido ao longo do curso do Rio Amarelo. A hegemonia pretendida sobre um vasto território com inúmeras clivagens culturais e linguísticas fez do mesmo modo perseguir ao longo da História os que  não utilizassem a língua oficial. Destaca-se neste particular o sanguinário imperador que a si mesmo se intitulou de Chin e que mandou destruir e queimar todos os escritos de linguas diferentes. Preciosas e insubstituiveis bibliotecas em bambú foram arrasadas por conterem ensinamentos e por estarem escritos noutras línguas. Os não falantes do idioma oficial eram castigados com pena de morte. Foi um periodo de terror para os povos unificados sob a sua espada e centenas de milhares morreram em trabalho escravo na construção da Grande Muralha. E nem na morte prescindiu das serventias imperiais tendo mandado ser enterrado acompanhado de um exército de soldados em terracota.
 Apesar disso, na China actual continuam a existir centenas de variantes linguísticas em torno de quatro grandes grupos, a considerar: o Mandarim, imposta a toda a população, lingua oficial portanto, o Cantonês falado na orla maritima sul, Hong Kong Macau, Cantão etc, Sichuanês falado no centro da China em Sichuan e Congqing, e finalmente a lingua Hakka nos antigos estados fronteiros ao Afganistão. Permanecem ainda vivos outros idiomas que não cabem nestes quatro grandes grupos como por exemplo a lingua Ayizi, que demonstram o enorme mosaico  que compôs a China ao longo do tempo e como continua a ser na actualidade. Embora o Poder instalado pretenda exportar uma  imagem de coesão interna, a verdade é que as tensões tem pulsado ao ritmo das crises que ciclicamente assolam as regiões do Império e as suas manifestações sempre reprimidas de forma vigorosa e silenciadas para o mundo exterior. A furiosa investida no campo da economia mundial, levada a cabo a todo o custo, pode ser vista como uma espécie de salto para a frente de um País de estrutura fracturante, mantido unido pela força, tanto física como económica.
No entanto, a falta de respeito pelas consequências ambientais, pelas condições de trabalho e garantias sociais é a tónica dominante.
 *

E cabe aqui uma pergunta e consequente reflexão  tanto profunda como urgente:  O que sabemos nós como tem a empresa que adquiriu a posição dominante na EDP, observado as implicações negativas da sua actividade no seu próprio País, aquele imenso território tão diverso e  tão desconhecido para nós?
A barragem gigantesca no rio Yangtze está a mostrar a pouco e pouco a sua outra face, o lado obscuro e terrivel. Construida sem o menor cuidado no que concerne aos seus efeitos colaterais e impactes sobre o ecossistema, está a provocar uma catástrofe da mesma ordem de grandeza no campo da tecnologia de que os seus construtores se tem vindo a vangloriar .  O desvio dos cursos de água de uma região e o seu aprisionamento noutra, fez reduzir drasticamente  os valores hidrológicos.  Vastas zonas húmidas e preciosas para a vida natural desapareceram. Centenas de espécies extinguiram-se e as rotas migratórias das aves alteraram-se. O clima mudou nessas regiões, chove muito menos e o maior lago de água doce na China, o Poyang (imagens anexas) está quase seco: reduzido a menos de dez por cento que era antes da construção da barragem. Milhões de pessoas que viviam da economia  lacustre  simplesmente ficaram sem os meios de sobrevivência. Durante algum tempo a catástrofe foi silenciada mas a pouco e pouco foi transpirando e sabendo-se o lado obscuro do maior orgulho da indústria hidroeléctica da China. Para o mundo exterior passa simplesmente a mensagem da consequência de uma seca prolongada provocada por razões naturais, mas a verdade é  a de que mesmo considerando uma seca natural, esta tem sido multiplicada e potenciada pelo tremendo impacte das alterações que o empreendimento levou a cabo. As implicações vão ainda muito além do aspecto hídrico: devido ao abaixamento dos níveis freáticos, as concentrações de poluentes derivados das actividades industriais  nas proximidades do lago, sem quaisquer cuidados com os resíduos, tornaram as águas imbebíveis. Milhões de pessoas têm que consumir água engarrafada e a muitas indústrias locais foi imposto o seu encerramento temporário com o fim de evitar o aumento da concentração de poluentes.
No entanto, teria sido muito simples prever o que acabou por suceder; muito próximo das fronteiras chinesas fica o que restou do que era o quarto maior lago de água doce do mundo, o mar Aral. Também este, no tempo da URSS protagonizou o que foi chamado por Ban Ki-moon, secretário geral da ONU de "o maior desastre ambiental de que há conhecimento". Daquilo que era uma enorme superfície de água resta um cemitério de navios em cima dum estéril areal rodeado de cidades fantasma.
Mas isto não serviu de exemplo, a "Three Gorges" ignorando  o erro vizinho levou por diante o seu monstruoso projecto.
É esta empresa, que não respeita nem direitos, nem modos de vida, nem tem em conta as possíveis consequências catastróficas da  sua actividade que é a nova dona da nossa EDP.
O que poderá ter feito pensar e tomar por bons os compromissos que o nosso governo assinou com essa empresa que nem no seu próprio País coisa alguma respeita?
Será estupidez, ou apenas uma pueril ignorância?  Alexandre Graham Bell, disse uma vez  “ nunca andes pelos caminhos traçados, pois eles conduzem apenas até onde os outros foram.”  Foi precisamente por traçarmos novos caminhos que os Portugueses de então deram novos mundos ao mundo. Mas o que fazem os de agora?
Os acordos leoninos com a Troika, que conduziram a Grécia ao ponto em que está, os procedimentos da Three Gorges  e outras no mundo, não deveriam ser um aviso para que quem governa tirasse delas as ilações que nos parecem ser evidentes e não seguir por esses caminhos que conduziram aos pontos onde os outros foram conduzidos?
Seja como for, termino como comecei este post, com um sábio provérbio Chinês.
Nunca o Poder deve ser dado a quem imagina como  verdade do mundo, os limites do seu conhecimento.

Einstein diria séculos depois que a imaginação é mais importante do que o conhecimento, mas para mal dos nossos pecados (?), temos gente perigosamente no posto do comando dos nossos destinos com muito pouco conhecimento e ainda menos imaginação...



fevereiro 17, 2012

Foi o RAP quem disse, não fui eu

Sim, sim, sou daquelas que se chateia com uma revista e continua a comprá-la, não só para se massacrar mas sobretudo porque, às vezes, vale mesmo a pena: na edição saída a 16 de Fevereiro, a entrevista feita a Ricardo Araújo Pereira (pp.34/35) é imperdível. Só um cheirinho:


fevereiro 16, 2012

Querem ter uns tópicos sobre negócios com o Estado e «off-shores»? Querem?


Então leiam aqui o artigo de opinião de Daniel Deusdado


«Valentim, o inocente»


publicado no Jornal de Notícias de 9 de Fevereiro.

Palavras clandestinas

Aprendi à minha custa que até a liberdade de expressão é sempre relativa, já que depois de descoberto o efeito bumerangue das palavras até um olhar indiscreto pode funcionar como mordaça.

fevereiro 15, 2012

Os limites do conhecimento social

Numa era em que a ciência mostra sinais de progresso absolutamente incríveis, todos os dias, dou comigo a tentar perceber por que é que não houve ainda alguém que se dedicasse à investigação dos limites sociais do conhecimento inter pares.
Ou seja: até que ponto é que devemos realmente conhecer alguém, por forma a continuarmos a gostar dessa pessoa? Quanto ranho, quanto riso, quantas atitudes espontâneas, quantos gestos estudados? Quantas discussões a quente, quantas reacções ao inesperado, quantas opiniões (in)formadas?
Ou, de outra perspectiva: até onde devemos mostrar-nos, para nos assegurarmos de que não despertamos a ira? Ou o mero desinteresse, também é tramado!

Não sei, foi uma coisa que me martelou, hoje: até que ponto queremos MESMO conhecer os outros? (ou dar-nos a conhecer, se "nas costas dos outros vemos as nossas", como diz o senso comum...)

fevereiro 14, 2012

Análise/resposta de Vasco Lourenço às declarações recentes do ministro da Defesa Nacional, Aguiar Branco


Excertos do texto de Vasco Lourenço:
"Na senda de intervenções de outros responsáveis políticos, o ministro da Defesa Nacional veio prestar declarações que espantam por denotarem enorme falta de consideração para com os portugueses, em geral, ou alguns em particular.
Com efeito, (...) vem o ministro da Defesa Nacional sugerir aos militares que não sintam vocação para isso, a procura de outra carreira.
Para ele, salientar o escândalo do BPN e das PPP é um crime de lesa-pátria. Para ele, salientar dois dos exemplos maiores da enorme prática da corrupção em Portugal, que nos trouxe ao actual estado de coisas é inaceitável, porque feito por quem deve ouvir, calar e obedecer!
Dirigiu-se a militares que (...) se honraram, ao derrubar a ditadura e ao criarem as condições para que Portugal pudesse ser um Estado de direito democrático, com liberdade e com o poder exercido pelos eleitos pela população! Que o fizeram, cumprindo todas as promessas, nomeadamente a de se afastarem do exercício do poder! Numa atitude que, porque inédita em toda a História universal, os enche de orgulho e lhes dá o estatuto de, no mínimo, exigirem respeito da parte dos que usufruíram e usufruem dos resultados da sua acção!
Sabemos que é difícil compreender este posicionamento, este procedimento desprendido, por quem não compreende o verdadeiro espírito militar. Mais do que ninguém, os militares, até porque o demonstraram no terreno, de várias maneiras, sabem que ser militar é uma vocação!
Questiona-se o senhor ministro sobre se o papel das Forças Armadas deve ser apenas o da defesa.
(...) O contexto em que o senhor ministro proferiu esta afirmação, onde deixou claro que aos militares está vedado pensarem, pois se devem limitar a ouvir, calar e cumprir as determinações do poder político, permite-nos levantar as mais terríveis hipóteses sobre a natureza do seu pensamento e das suas intenções. Clarificando: com o agudizar da situação social a que a actual política inevitavelmente nos conduzirá, não estará o senhor ministro a ver as Forças Armadas como instrumento último para impor as ideias do Governo, mesmo que através de forte repressão à população?
(...) É forçoso que nos esclareça sobre se o seu “novo modelo” de Forças Armadas visa a solução tipo “menos Forças Armadas, melhores Forças Armadas”, procurando criar as condições para integrar Portugal no que o actual poder do capital procura atingir? Isto é, passando pela chamada “democracia musculada”, há que criar um novo paradigma, onde ao nosso Estado, como a outros Estados nacionais europeus, caberá a tarefa de “capataz”, de controlo e repressão, de modo a assegurar a “competitividade”, isto é, a assegurar a “orientalização” das condições de trabalho e de vida das populações europeias e a mobilização dos seus recursos para, ao lado do capital financeiro, submeter todo o mundo?
Estaremos dispostos a um destino de servir de “carne para canhão” em futuros conflitos bélicos globais, a exemplo do que aconteceu com outros, em anteriores guerras?
Estarão já os actuais responsáveis decididos a uma ruptura completa com a população portuguesa, integrando-se no projecto cosmopolita da Nova Ordem Internacional Privada, num perfeito papel de novos “Miguéis de Vasconcelos”?
Quero crer que não!
Mas se assim for, como parece ser, o caminho passará por substituir o actual modelo de Forças Armadas – constitucionais, democráticas, etc. –, as tais insustentáveis, por um outro modelo de Forças Armadas viáveis, isto é, sustentáveis. O mesmo é dizer, substituir as Forças Armadas por uma qualquer força armada.
Se de facto assim for, não se iluda, mesmo que algum general lhe diga o contrário: se conhecesse o espírito militar saberia que os militares não confundem subordinação ao poder político legítimo, que aceitam disciplinadamente, com submissão ao mesmo poder que, se chegar a tentar impô-la é sinal inequívoco de que perdeu já essa legitimidade. Como em meu entender, se passa já, pois mantendo a legalidade, os senhores, ao rasgarem todas as promessas feitas, perderam já a legitimidade conquistada nas eleições.
Tenho presente que, para vocês, a Constituição, os direitos adquiridos, os valores principais, são simples pormenores, simples fait divers, quando está em jogo o interesse e a vontade dos mercados.
Não nos iludamos, é a própria democracia que não tardará a ser por vós considerada um pequeno pormenor. O exemplo grego e italiano aí estão para o provar.
A luta vai ser tremenda e, acredite Sr. ministro, vão ter enormes dificuldades em atingir os objectivos que se propõem.
Desde já, parafraseando-o a si e ao seu chefe de Governo, dir-lhe-ei: como é insustentável, procure outra carreira, emigre!

Vasco Lourenço
(Presidente da Direcção da Associação 25 de Abril)
(Presidente do Conselho Deontológico da Associação de Oficiais das Forças Armadas)

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2012"

O texto completo está aqui (em formato pdf).

Gregos pirómanos



“Para além de não pouparem...”
“... ainda fazem despesas!”


PressEurop.eu - Mix & Remix

Michel Chossudovsky: “Estamos num cenário de terceira guerra mundial. E todos vão perder”


O jornal i publicou uma entrevista com o presidente do Centre for Research on Globalization, autor do livro “Towards a World War III Scenario: The Dangers of Nuclear War”.
Essa entrevista está disponível aqui.
Aconselho a sua leitura mas deixo-vos este excerto:
"A NATO e os EUA militarizaram a sua fronteira com a Rússia e a Europa de Leste, com os chamados escudos de defesa antimíssil – todos esses mísseis estão apontados a cidades russas. Obama sublinhou em declarações recentes que a China é uma ameaça no Pacífico – uma ameaça a quê? A China é um país que nunca saiu das suas fronteiras em 2 mil anos. E eu sei, porque ando a investigar este tema há muito tempo, que está a ser construída toda uma fortaleza militar à volta da China, no mar, na península da Coreia, e o país está cercado, pelo menos na sua fronteira a sul. Por isso a China não é a ameaça. Os EUA são a ameaça à segurança da China. E estamos numa situação de Guerra Fria. Devo mencionar, porque é importante para a UE, que, no limite, os EUA, no que toca à sua postura financeira, bancária, militar e petrolífera, também estão a ameaçar a UE. Estão por trás da destabilização do sistema bancário europeu."

Um exemplo curioso, em jeito de anedota, sobre a infinita diversidade de (des)entendimentos....

A mulher pede ao marido:
- Vai por favor ao minimercado e traz uma embalagem de leite. Olha... se houver ovos, traz seis.
 
Um pouco depois o marido chega com seis embalagens de leite e a mulher exclama num tom exaltado:
- Podes dizer-me para que é que trazes seis embalagens de leite?
- Eles tinham ovos, retruca o marido.

fevereiro 12, 2012

A posta que eu acho (em tons laranja e laivos rosados)

Eu acho que dar importância à expressão “piegas” quando provinda da boca de um Primeiro-Ministro de uma nação mergulhada numa crise sem precedentes no tempo de vida dos portugueses a quem a dedicou é um desvio colossal da concentração necessária para cumprir à risca as instruções do ministro das finanças alemão (ou chinês, ou angolano, ou qualquer outro que se disponha a entrar com a massa) e tudo o resto são pintelhos a que nem um líder da oposição que se recusa a governar o país antes de 2015 (deve ter várias entorses agendadas até lá), numa abstenção violenta perante a gestão ruínosa como ele próprio a define, ousaria enfatizar nas suas intervenções tão discretas quanto inconsequentes.

fevereiro 11, 2012

O sentir e o pensar

Há uma passagem em The Iron Lady em que uma Margareth Thatcher já envelhecida vai ao médico, obrigada pela filha, receosa dos sintomas de demência que a mãe parece manifestar.
Quando o clínico lhe pergunta como se sente, a personagem responde-lhe algo de extraordinário. Qualquer coisa como: nos nossos dias, toda a gente quer saber o que é que o outro sente. Não o que pensa, não as ideias que tem, mas o que sente. Pergunte-me o que penso, que diabo!

A culpa, mais uma vez, é de Descartes. Quer dizer, dos que se lhe opuseram, tão radicais como ele próprio. Se Descartes fez opôr com violência razão e emoção, relegando esta para segundo plano (porque errónea e enganadora) e dando a primazia absoluta àquela, os que se lhe seguiram, sobretudo nos séculos XX e XXI, para o combater, cairam no extremo oposto: o que importa parece ser o que se sente, seja perante um pôr-do-sol, um abraço quentinho, um jogo de futebol, uma obra de arte, ou o nascimento de um ser. (e o que se pensa sobre esses sentimentos, caramba, fica onde?! e o que se faz com o que se pensa, cadê?)
A primeira pergunta que um psicoterapeuta faz é "como se sente?" (pelo menos nos filmes, não conheço nem tenho intenção de conhecê-los de outra forma, assim continue a valer-me Aristóteles e todos os que se lhe seguiram, bem como os meus próprios neurónios).
E o que se pensa, bolas? O que se pensa sobre o que se sente?? De que vale sentir, se não se lhe apuser um exercício de reflexão (mais ou menos profundo, não temos de andar a redigir tratados para tudo, sobre tudo, entenda-se)? Sentir sem pensar é fraquinho e não fazer nada com o que se pensa sobre o que se sente é pura perda de tempo (quer a sentir, quer a pensar).

Sentir é instintivo, pensar dá (muito) trabalho. Já fazer é arriscadíssimo.
E é por isso que, ao contrário do que se julga, é o pensamento que pode aproximar-nos da demência efectiva. Quem pensa radicalmente (no sentido de profundamente, vão ao dicionário que não custa nada!) vive sempre no limiar entre a mais clara lucidez e o risco da loucura, num mundo que não está feito à medida de quem ousa (na acepção kantiana).
O resto? O resto é a p*** da pieguice, que não me leia o nosso Primeiro.

«Despovoamento do Interior, gigantismo lisboeta» (parte 2) - Jaime Ramos

Em múltiplas situações, o Estado tem vindo a optar por adjudicar a entidades privadas prestações de serviços que são da sua competência.
Há uma ideia instalada, nem sempre comprovada, que o Estado consegue melhores preços e menores custos adjudicando os serviços em vez de os gerir directamente com recurso a trabalhadores da administração pública.
O outsourcing é uma actividade em expansão graças a esta orientação política que leva o Estado a abandonar a administração directa.
Sem questionar esta orientação geral, considero fundamental a criação de condições para que estas adjudicações sejam feitas de preferência a empresas nacionais sediadas próximo do local da prestação.
Em várias circunstâncias verifica-se que o estado adjudica estes serviços a multinacionais que acabam por agravar o endividamento externo, uma vez que levam para o estrangeiro os lucros, remunerações de capital investido e salários dos quadros e administrações. Um dos exemplos é a adjudicação do serviço de refeições nas escolas do ministério da Educação.
O Ministério adjudica o serviço através de concursos gigantes, a nível de região, agregando a totalidade das escolas.
O concurso público realizado dá uma ideia de transparência e seriedade que esconde o facto de ter sido organizado para permitir que só um número reduzido de empresas possa concorrer.
As notícias sobre a cartelização do sector das refeições, com evidente prejuízo para o Estado e para as crianças, colocam o processo na área da actuação criminosa.
É público que algumas das maiores empresas do sector são suspeitas de cartelização, com combinação prévia dos preços visando causar prejuízos ao Estado.
É incompreensível que o Governo permita que a administrarão pública continue, mesmo depois destas suspeitas de prática criminosa, a preparar concursos que têm como objectivo adjudicar novos serviços às mesmas empresas, em vez de alterar as regras para incentivar a entrada de pequenas e médias empresas, que favoreçam o desenvolvimento sustentável e apostem na coesão social.
É inaceitável que o Governo, e os seus serviços, organizem os concursos e as adjudicações, para favorecer os interesses de grandes empresas e/ou multinacionais. É lamentável que as pessoas que administram os serviços do Estado não tenham como objectivo promover a coesão social e a sustentabilidade económica do País. É surpreendente que em Portugal o Estado aceite como inevitável adjudicar serviços de refeições a empresas multinacionais.
Mal vai um País que não tem capacidade para fornecer refeições em escolas, necessitando de recorrer a empresas estrangeiras.
Nada temos contra o favorecimento de investimentos estrangeiros em Portugal desde que visem aumentar o número de postos de trabalho, pagar melhores salários, reduzir a nossa balança externa e aumentar o conhecimento científico e tecnológico.
Nenhuma destas condições se verifica no caso das refeições, e de outras prestações de serviços, pelo que se destrói a sustentabilidade económica de Portugal.
A aposta na coesão social deverá ser um objectivo de Estado que deverá organizar concursos que permitam criar empregos e mais-valias em todo o território nacional, favorecendo as iniciativas empresariais existentes nos concelhos envelhecidos e com decréscimo populacional.
Nada justifica que no interior de Portugal, onde há necessidade de fixar pessoas e criar emprego e negócios, o Governo opte por entregar a gestão do refeitório a uma multinacional.
O Governo, organizando os concursos como está a acontecer, fazendo pacotes de milhões de refeições, juntando as pequenas escolas do interior às das grandes cidades, impede que uma pequena empresa local possa concorrer à gestão do refeitório.
Se uma empresa local adjudicasse o serviço certamente compraria o pão a uma empresa da zona bem como os restantes géneros, das hortícolas às carnes e peixes, também a produtores e fornecedores locais.
Com o sistema actual de entrega do negócio e lucros a grandes empresas, com frequência estrangeiras, estas adoptam o sistema de central de compras que prescinde de qualquer benefício para o local.
As empresas vão ao interior buscar o pouco dinheiro existente, pago por refeição, para alimentar negócios instalados nos grandes centros urbanos, na maioria na região de Lisboa, ou com as administrações numa capital estrangeira, no caso das multinacionais.
No local o único benefício é a prestação do trabalho residual, que não pode ser transferido nem concentrado, na cozinha e na limpeza. Parte das refeições já são pré-cozinhadas, todo o negócio indirecto de abastecimento é garantido nas sedes e centrais dos serviços.
Foi simpático ver o Primeiro-ministro vir a terreiro a usar a Golden Share para evitar uma primeira venda da PT (...). Este Governo, capaz de correr o risco de usar uma Golden Share de forma eventualmente ilegal, não se preocupa em defender o interesse nacional no que respeita à subordinação aos interesses das grandes empresas nesta área das refeições.
É pouco inteligente o país não favorecer as iniciativas empresariais locais e regionais na prestação de serviços na sua área de influência. Seria uma forma de criar mais emprego e mais negócios, facto bastante importante nos pequenos concelhos especialmente naqueles que estão a perder população.
Não basta alegar que o Governo está a cumprir a lei. Se a lei está contra o interesse nacional deve ser mudada.
O interior não pode continuar a ser explorado e abandonado até nestas áreas de negócio que naturalmente lhe pertencem.

(continua)

Jaime Ramos
Excerto do livro «Não basta mudar as moscas»

Mobilização europeia contra o ACTA

"Uma verdadeira onda de protesto contra o ACTA surgiu nos últimos dias na internet e as organizações de defesa das liberdades dos utilizadores da rede, prometem pôr milhares de pessoas a protestar nas ruas.
O Anti- Counterfeiting Trade Agreement (ACTA), que prevê o reforço e a harmonização das normas jurídicas de luta contra a venda de produtos contrafeitos e os descarregamentos ilegais na internet, foi assinado pela União Europeia.
Os ativistas queixam-se de falta de transparência nas negociações e puseram a circular uma petição para entregar ao Parlamento Europeu antes de os europdeputados examinarem e votarem o texto.
São precisas dois milhões de assinaturas; os promotores dizem que já recolheram um milhão e oitocentas mil.
À semelhança do que aconteceu na Eslovénia no sábado passado, são esperadas este sábado, 11 de fevereiro, milhares de pessoas em protesto, nas ruas de centenas de cidades, em toda a Europa."
Notícia e video aqui

fevereiro 10, 2012

O fascínio pelo erro, ou a dúvida metódica..

....Aquele que imagina que todos os frutos amadurecem ao mesmo tempo, como as cerejas, nada sabe a respeito das uvas....


Quando no Sec XVII a figura extraordinária, comerciante e investigador autodidacta de Antonie van Leewenhoek  (Antoní ván Lêiuan-Húque, assim se pronuncia e não o intragável leua-noéque que tantas vezes se ouve) identificou pela primeira vez - através de um dos muitos utensílios ópticos que aperfeiçoou-, os espermatozóides, deu início ao fim de um dos muitos mitos tidos como certezas absolutas da Idade Média: os Homúnculos. Este ser fantástico, um pequeno homem destituído de alma mas dotado de propriedades e inteligência  extraordinárias, era, a par da Pedra Filosofal e do Elixir da Vida Longa, (ou da eternidade) um dos objectivos que a Alquimia perseguia e que se baseavam na trilogia da quimera do ouro, a imortalidade em estado de juventude e a criação da vida a partir da matéria inerte.
Paracelso, heterónimo de um dos mais brilhantes e enigmáticos precursores do Renascentismo, tinha um Século antes desenvolvido a fórmula para a criação do seu Homúnculo. 
Os Homúnculos eram figuras bizarras, projecções alimentadas a partir dum imaginário assente e transbordante em mitos e mistificações, e que resultavam, segundo os incansáveis alquimistas, das misturas mais diversas obtidas a partir do sémen humano.
Investigador, poeta, pensador, artista em diversas áreas e homem dotado de estranha e controversa personalidade, era também ele e de forma incontornável adicto á Alquimia.
Médico e Poeta, Alquimista e investigador, seu Homúnculo poderia ser obtido, segundo o que dizia, muito facilmente a partir duma dose de sémen humano sobre uma cama de esterco de cavalo, encerrados numa campânula estanque e aquecidos durante quarenta dias...
Leewenhoek, ao descobrir os espermatozóides, deu continuidade ao conceito de Homúnculo: os espermatozóides seriam minúsculos homens e o corpo feminino, o equivalente ao terreno fértil que Paracelso teorizava sob forma do esterco equídeo. Seria apenas no Sec XVIII, e curiosamente pela pena de um padre- Lazzaro Spallanzani- que ao pegar nos trabalhos de Leewenhoek, descobriu  os óvulos femininos e destruiu as teorias animalcultistas. 
Isto demonstra como, apesar de todo o brilho e génio, clarividências e trabalhos esforçados, jamais nos podemos sentir como donos da verdade absoluta, como se fôssemos  o fim da História e mais nada houvesse para descobrir após nós. Neste particular, haveria de ser paradoxalmente alguém ligado  a uma estrutura religiosa criacionista a desfazer conceitos acimentados dos que praticavam uma actividade que viria a ser mais tarde chamada de conhecimento científico, base do evolucionismo... 
Paracelso escreveu há quinhentos anos um dos mais belos, abertos e modernos poemas de sempre, o que não o isenta de se ter deixado fascinar pela mística do erro: algo que acontece de forma recorrente aos homens de ciência de todos os tempos, mas não só estes
O mesmo fascínio pelo erro percorre transversalmente todos os estratos e condições, de onde se depreende que classe política não lhe está alheia. 
A verdade é que o Homem precisa de sentir segurança nas suas crenças, criando uma envolvência de conforto à qual subordina todos os seus actos e pensamentos, e mais uma vez regresso ao parágrafo anterior: como se fosse o Fim da História, o Tempo tivesse parado e não houvesse outras soluções.
Passos Coelho, ao querer desligar as causas e os efeitos e pretender separar o inseparável, demonstra além de uma forma muito especial de arrogância que muitos apelidam de outra coisa, ser o paradigma do poema de Paracelso, e por isso eu dedico, embora saiba que jamais o irá ler.
É protagonista da forma mais perigosa de ignorância,exactamente na esteira daquela ideia que caracterizou a figura um dia apelidada de senhor Silva:- o primado das certezas absolutas- raramente me engano e nunca tenho dúvidas.

Paracelso, via, investigava, duvidava e escreveu este poema há quinhentos anos e que é o arquétipo da humildade científica; a angústia entusiasta da dúvida e a recompensa da eterna descoberta.
No entanto, também ele acreditava no seu Homúnculo como verdade absoluta...


***

Quem nada conhece

nada ama

Quem nada pode fazer

nada compreende

Quem nada compreende

nada vale

Mas quem compreende

também ama, observa e vê…

Quanto maior o conhecimento

inerente numa coisa,

tanto maior o amor…

Aqueles que imaginam

que todos os frutos

amadurecem ao mesmo

tempo, como as cerejas,

É porque nada sabem

acerca das uvas


*


Paracelso

fevereiro 09, 2012

«Pieguice e companhia» por Pedro Lomba


in Jornal «Público» (edição impressa) de 9/2/2012

«Despovoamento do Interior, gigantismo lisboeta» (parte 1) - Jaime Ramos

O Interior vive um sono de morte, um estado comatoso que caminha para uma situação terminal.
Em Portugal, em 2010, os depósitos bancários têm o valor de 186 mil milhões de euros. Deste total, cerca de metade estão depositados em Lisboa, com o valor de 92. 474 milhões de euros. O Porto, a segunda cidade, só tem 22 milhões, menos de ¼ de Lisboa.
É em Lisboa que está concentrado o poder de compra segundo estudos do Instituto Nacional de Estatística (INE) relativos a 2007, últimos dados disponíveis. O menor poder de compra concentra-se no interior do país, especialmente no interior centro e norte.
Não se pode continuar a encerrar serviços no interior: escolas, centros de saúde, urgências, correios, maternidades, linhas de comboio, esquadras da GNR, farmácias...
Em Portugal há concelhos onde os idosos já são 5 vezes mais que os jovens. Fechar escolas e transformá-las em centros de dia ou lares, não é progresso, é retrocesso.
Para contrariar este envelhecimento do país e o esvaziamento do interior são necessárias várias medidas. Quatro são prioritárias.
A primeira será permitir que sejam os naturais e/ou residentes do interior a ter a prioridade na admissão para os empregos públicos.
Choca saber que num concelho do interior, com decréscimo populacional, há jovens, especialmente licenciados, que têm de migrar para as cidades, muitas vezes para Lisboa, por não ter emprego no seu concelho.
Desejavam ficar, lutar para manter o concelho, contribuir para o desenvolvimento, mas não lhe dão nenhuma hipótese de emprego. Empurram-nos para o litoral, para Lisboa, ou para o estrangeiro.
Em simultâneo verificamos que os postos de trabalho existentes, nos centros de saúde, escolas, finanças, CGD (e outras agencias bancárias), câmaras municipais, etc., estão a ser ocupados por trabalhadores que não residem no concelho, que diariamente se deslocam, de e para a residência, às vezes em longas viagens diárias.
As pessoas que ocupam estes postos de trabalho fazem-no por necessidade, não se motivam para o seu desempenho, sentem a deslocação diária como um sacrifício, chegam ao fim do dia com a imensa vontade de fugir do local. São pessoas sofredoras, às vezes durante décadas.
Ocupam postos de trabalho que jovens residentes no local, muitas vezes licenciados, gostariam imenso de possuir. Trabalhadores residentes são fonte de dinâmica local, de inovação, aumentam a massa crítica, contribuindo para o desenvolvimento local.
É possível criar regras que permitam que os residentes nos concelhos sujeitos a decréscimo populacional sejam beneficiados nos concursos para empregos locais, dependentes do Estado.
Recordo-me de ter contribuído para, no início da década de oitenta, se ter feito concursos para médicos de família, onde se praticou discriminação positiva, privilegiando os médicos eleitores no concelho onde havia a vaga.
Paulo Mendo era na época Secretário de Estado da Saúde. Permito-me afirmar que o nosso SNS, Serviço Nacional de Saúde que deve muito a António Arnaut, reconhecido como pai, mas também a Paulo Mendo que deu um contributo decisivo com várias medidas legislativas e administrativas, incluindo esta da colocação dos médicos ao longo de todo o país. Confesso que tenho admiração e amizade por estes dois ilustres ex-membros do governo. Ao recordar estes dois vultos sinto não dever esquecer o importante papel de Albino Aroso, outro importante secretário de Estado da Saúde, nomeadamente nas questões relativas à saúde materno-infantil, sector que constitui um dos grandes sucessos nacionais.
Trabalhadores locais aumentam a riqueza do concelho, não funcionando como veículos de drenagem de recursos para fora do local.
A segunda passa por conceder benefícios às empresas que operam nestes concelhos deprimidos, beneficiando de redução não do IRC, como agora acontece, mas da taxa social única.
Muitas das micro e pequenas empresas destes concelhos lutam pela sobrevivência, tendo na sua maioria lucros reduzidos, com pagamento residual de IRC. Anunciar redução de IRC a quem não paga ou paga pouco é igual a zero.
A maioria destas empresas é de mão-de-obra intensiva, pagando 23,5% sobre os ordenados dos funcionários. A redução desta taxa constituirá um incentivo muito mais eficaz. A redução só se deve verificar nos casos em que a empresa está de facto instalada no local e concedida para os trabalhadores que residam também no concelho deprimido pelo decréscimo populacional e envelhecimento.
A terceira medida é premiar os funcionários públicos com um acréscimo salarial por trabalharem e em simultâneo residir nestes concelhos, compensando os custos da interioridade.
No Porto Santo as pessoas ganham mais 30% sobre o vencimento base graças ao subsídio da dupla insularidade atribuído pelo Governo regional. Por esta razão Porto Santo aparece como o sétimo concelho em poder de compra a seguir a Lisboa, Oeiras, Porto, Cascais, Alcochete e Faro.
A quarta é apostar na preferência por fornecedores locais. Deve haver legislação com discriminação positiva nos concursos públicos, a favor dos fornecedores locais. Num concurso, o fornecedor local pode e deve ser preferido mesmo que o seu preço seja superior, desde que não ultrapasse determinada percentagem. Não se pode aceitar que se continuem a organizar concursos que afastam os fornecedores locais.
É um escândalo que a administração pública consiga preparar processos de concurso que impedem que surjam concorrentes locais. Um exemplo é as adjudicações de refeições em escolas do interior a empresas de grupos multinacionais.
Também na construção civil se deve alterar o regime de alvarás.
Na maioria dos municípios do interior deprimido há empresas pequenas de construção civil com capacidade técnica e recursos humanos para construir edifícios simples, de 2 ou 3 pisos. Acontece que os alvarás de construção civil (documento que habilita a empresa a construir) estão feitos tendo por base, não a dificuldade técnica, mas sim o valor da obra.
Por esta razão, se um concelho do interior construir uma escola com meia dúzia de salas ou um lar de idosos com duas ou três dezenas de quartos, atinge logo valores que impedem as pequenas empresas locais de concorrer.
As construções nestes concelhos deprimidos acabam por ser realizadas por empreiteiros distantes.
As “grandes” empresas, com alvará, limitam-se a funcionar como intermediários, subcontratando pequenas empresas. Com quadros reduzidos de pessoal, garantem lucros fáceis, esmagando os preços dos subempreiteiros.
Estes investimentos, que podiam servir para desenvolver a economia local durante a fase de construção, são por esta razão desperdiçados localmente e aproveitados para servir interesses instalados nas grandes cidades. Localmente não se aproveita nem o lucro nem sequer a mão-de-obra.
Não havendo iniciativa local de carácter lucrativo, por falta de massa crítica, deve ser o poder autárquico e o terceiro sector a assumir negócios que permitam aproveitar os recursos.

(continua)

Jaime Ramos
Excerto do livro «Não basta mudar as moscas»

fevereiro 08, 2012

«Piegas sim, mas piegas com motivo!» - Didas

"Se há coisinha que ninguém pode negar é que o primeiro-ministro tem razão: Os portugueses são piegas. Se estiver um belo dia de sol é certinho que vem por aí chuva. Se já estiver a chover ainda bem porque é bom para as batatas e para os nabos mas já lhe estão a doer os ossos todinhos! Aliás, os ossos dos portugueses detectam a chuva com meses de antecedência. A chuva e a desgraça. Cada português tem uma doença pior que o próximo, a pior espondilose, as artrites mais dolorosas, o reumático mais persistente, as hemorróidas maiores. Todos os médicos de todos os portugueses são testemunhas do seu sofrimento atroz e já todos lhes disseram que nunca tinham visto um quadro clínico como aquele. Um português nunca está feliz, vai andando. Um português nunca vive porque gosta mas porque tem que ser. Já todos os portugueses tiveram desgostos que chegam para uma casa de família, desde perder um guarda-chuva novinho a terem ido ao restaurante e já não haver dobrada que era mesmo o que lhes estava a apetecer. Já todos os portugueses escreveram um poema com a palavra «dor» e a interjeição «Oh!». Os que não escreveram devem ter ascendência estrangeira. Os portugueses inventaram o fado, que é como quem diz cantar a choramingar e fizeram do acto de sentir a falta de alguém ou de alguma coisa um substantivo. E toda a gente sabe que um substantivo tem vida própria ao contrário das outras palavras que são apenas auxiliares. Os portugueses já nascem com o verdete da humidade das lágrimas entranhado em todas as pregas do corpo e da alma. É verdade, o primeiro-ministro tem razão.
Mas o primeiro-ministro não está contente. É um criativo. E quer criar uma nova espécie de piegas. O piegas que não tem emprego. O piegas que não tem comida para os filhos e tem que ir para a fila das instituições buscar uma lata de salsichas e um pacote de massa. O piegas que tem que escolher entre ir ao médico ou jantar. O piegas que manda o filho para a escola para ele almoçar e não o pode mandar depois para a universidade ainda que lhe paguem as propinas. O piegas que tem que se sujeitar a trabalhar à jorna e a recibos verdes. O piegas que trabalha de borla na esperança que que lhe venham a pagar um dia embora não muito. O piegas que tem que emigrar e ir depenar frangos com gripe A em Londres. O piegas a quem cortam a água e a luz e o gás porque não teve dinheiro para pagar a conta. O piegas que tem que entregar os pais ao hospital porque não ganha para um lar decente. O piegas que usa roupa velha oferecida pela paróquia. O piegas que tem muito mais mês do que dinheiro. O piegas que não pode gozar férias nem na praia mais próxima porque o bilhete do autocarro é caro. É esse o novo piegas português.
Isto faz lembrar aqueles tempos politicamente incorrectos em que eu era criança e quando fazíamos uma birra vinha um adulto com a colher de pau e dizia: «Ai choras sem motivo? Então agora já tens motivo!»"

Didas
Blog Farinha Amparo