fevereiro 14, 2012

Análise/resposta de Vasco Lourenço às declarações recentes do ministro da Defesa Nacional, Aguiar Branco


Excertos do texto de Vasco Lourenço:
"Na senda de intervenções de outros responsáveis políticos, o ministro da Defesa Nacional veio prestar declarações que espantam por denotarem enorme falta de consideração para com os portugueses, em geral, ou alguns em particular.
Com efeito, (...) vem o ministro da Defesa Nacional sugerir aos militares que não sintam vocação para isso, a procura de outra carreira.
Para ele, salientar o escândalo do BPN e das PPP é um crime de lesa-pátria. Para ele, salientar dois dos exemplos maiores da enorme prática da corrupção em Portugal, que nos trouxe ao actual estado de coisas é inaceitável, porque feito por quem deve ouvir, calar e obedecer!
Dirigiu-se a militares que (...) se honraram, ao derrubar a ditadura e ao criarem as condições para que Portugal pudesse ser um Estado de direito democrático, com liberdade e com o poder exercido pelos eleitos pela população! Que o fizeram, cumprindo todas as promessas, nomeadamente a de se afastarem do exercício do poder! Numa atitude que, porque inédita em toda a História universal, os enche de orgulho e lhes dá o estatuto de, no mínimo, exigirem respeito da parte dos que usufruíram e usufruem dos resultados da sua acção!
Sabemos que é difícil compreender este posicionamento, este procedimento desprendido, por quem não compreende o verdadeiro espírito militar. Mais do que ninguém, os militares, até porque o demonstraram no terreno, de várias maneiras, sabem que ser militar é uma vocação!
Questiona-se o senhor ministro sobre se o papel das Forças Armadas deve ser apenas o da defesa.
(...) O contexto em que o senhor ministro proferiu esta afirmação, onde deixou claro que aos militares está vedado pensarem, pois se devem limitar a ouvir, calar e cumprir as determinações do poder político, permite-nos levantar as mais terríveis hipóteses sobre a natureza do seu pensamento e das suas intenções. Clarificando: com o agudizar da situação social a que a actual política inevitavelmente nos conduzirá, não estará o senhor ministro a ver as Forças Armadas como instrumento último para impor as ideias do Governo, mesmo que através de forte repressão à população?
(...) É forçoso que nos esclareça sobre se o seu “novo modelo” de Forças Armadas visa a solução tipo “menos Forças Armadas, melhores Forças Armadas”, procurando criar as condições para integrar Portugal no que o actual poder do capital procura atingir? Isto é, passando pela chamada “democracia musculada”, há que criar um novo paradigma, onde ao nosso Estado, como a outros Estados nacionais europeus, caberá a tarefa de “capataz”, de controlo e repressão, de modo a assegurar a “competitividade”, isto é, a assegurar a “orientalização” das condições de trabalho e de vida das populações europeias e a mobilização dos seus recursos para, ao lado do capital financeiro, submeter todo o mundo?
Estaremos dispostos a um destino de servir de “carne para canhão” em futuros conflitos bélicos globais, a exemplo do que aconteceu com outros, em anteriores guerras?
Estarão já os actuais responsáveis decididos a uma ruptura completa com a população portuguesa, integrando-se no projecto cosmopolita da Nova Ordem Internacional Privada, num perfeito papel de novos “Miguéis de Vasconcelos”?
Quero crer que não!
Mas se assim for, como parece ser, o caminho passará por substituir o actual modelo de Forças Armadas – constitucionais, democráticas, etc. –, as tais insustentáveis, por um outro modelo de Forças Armadas viáveis, isto é, sustentáveis. O mesmo é dizer, substituir as Forças Armadas por uma qualquer força armada.
Se de facto assim for, não se iluda, mesmo que algum general lhe diga o contrário: se conhecesse o espírito militar saberia que os militares não confundem subordinação ao poder político legítimo, que aceitam disciplinadamente, com submissão ao mesmo poder que, se chegar a tentar impô-la é sinal inequívoco de que perdeu já essa legitimidade. Como em meu entender, se passa já, pois mantendo a legalidade, os senhores, ao rasgarem todas as promessas feitas, perderam já a legitimidade conquistada nas eleições.
Tenho presente que, para vocês, a Constituição, os direitos adquiridos, os valores principais, são simples pormenores, simples fait divers, quando está em jogo o interesse e a vontade dos mercados.
Não nos iludamos, é a própria democracia que não tardará a ser por vós considerada um pequeno pormenor. O exemplo grego e italiano aí estão para o provar.
A luta vai ser tremenda e, acredite Sr. ministro, vão ter enormes dificuldades em atingir os objectivos que se propõem.
Desde já, parafraseando-o a si e ao seu chefe de Governo, dir-lhe-ei: como é insustentável, procure outra carreira, emigre!

Vasco Lourenço
(Presidente da Direcção da Associação 25 de Abril)
(Presidente do Conselho Deontológico da Associação de Oficiais das Forças Armadas)

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2012"

O texto completo está aqui (em formato pdf).

7 comentários:

  1. Sinto que estamos no limiar da implosão de bolha de luz que tem sido estes dois séculos.
    Será possivel uma nova idade das Trevas?
    Todo o conhecimento espalhado pelo mundo, acessível a todos via Net, não estará ele concentrado em servidores-master, algures no mundo e nas mãos dos que em última análise são os provocadores e beneficiadores da crise?
    Poderão eles de repente e quando o momento chegar, apagar todo o acesso a nível mundial?
    Portugal é apenas um pequeno ponto no contexto mundial, mas por nós podemos inferir o que se está a passar: um recuo civilizacional.
    Os nossos governantes estão a ser, ou ingénuos e voluntariosos, -( não me escapa a imagem de opera bufa: Gaspar a lamber botas ao Pai Natal, este em sorridente imagem de velhinho a dizer " yá, o alemania dá um poco de dinhêro a portugal hihi ya ya)- ou então serão perversos, egoistas e maus. Seja como for, estão a ser o cavalo de troia e aí, as nossas forças armadas cumprem a sua missão de defesa do Estado, se correrem com esses que são falos à Nação.

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    1. "esses que são falos à Nação"?! Foi o teu subconsciente que escreveu isto, Charlie?...

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    2. Xi, que as piças das caldas andam a dar-me voltas ao toutiço.
      Se fosse o Nelo diria que teria sido um "Lapçus luingu-ai"

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    3. Muito ele (nã) se farta de tropiçar.

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  2. Grande Paulo! Cada hora que me poupas é um poema feito a meias!

    E grande Vasco Lourenço que, quem assim fala, nem é gago nem a malta espera que lhe venha a doer a voz!

    Para a cambada do centrão, nada do que é humano é «sustentável». Por vezes tenho pena de que as mães deles não tivessem pensado a mesma coisa antes de os parirem.

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  3. hahaha,
    Boa malha, Mestre Orca!
    Esta cambada do centrão são de tal forma inconsequentes que nem conseguem ver a sua própria insustentabilidade.
    As sociedades Humanas servem para servir o Homem e o dinheiro apenas o instrumento desse serviço. Se invertemos os valores, temos a merda que estamos a ver: quando quem manda não tem o Homem como valor mas sim o dinheiro, é óbvio que em vez de Humanidade, só sai disto....

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