fevereiro 06, 2012

«Um país de velhos» - Jaime Ramos

Desde há 30 anos que Portugal tem uma dinâmica demográfica perigosa, com uma taxa de natalidade que não permite substituir gerações.
Na década de sessenta, quando começou a queda da natalidade, tínhamos 220 mil nados vivos (1962) e em 2009, pela primeira vez baixámos a menos de 100 mil.
A nossa taxa de fecundidade é de 1,3 filhos por mulher, um dos valores mais baixos no mundo.
Somos o 8.º país mais envelhecido do mundo.
Portugal tem a terceira mais baixa taxa de natalidade dos 27 países da UE. Somos o terceiro pior a fazer filhos. No grupo de 27 há 24 países que são melhores que nós. Em 2009 tivemos só 9,4 nascimentos por cada mil habitantes. A taxa de natalidade média na UE foi de 10,7 por mil habitantes ou seja 1,138 vezes a nossa, mais 14 por cento. Os países a fazer mais filhos são a Irlanda com 16,8, o Reino Unido com 12,8 e a França com 12,7. A Irlanda tem uma taxa de 1,78 vezes a nossa, quase 18% mais.
Para este resultado contribuem múltiplos factores. Um dos mais importantes é o mercado de trabalho.
Está demonstrado que mulheres com empregos estáveis estão mais disponíveis para a maternidade.
A precariedade e a insegurança são anti-natalidade.
Em Portugal ainda há demasiadas empresas que se sentem prejudicadas pelas mães trabalhadoras e não gostam de grávidas. Na comunicação social lemos notícias sobre empresas públicas que perseguem as mães trabalhadoras. Recentemente soubemos que a ANA retirou os prémios às trabalhadoras que amamentam.
Em muitas empresas cria-se um clima hostil, contra as trabalhadoras que ficam grávidas, que são discriminadas negativamente.
Alguns empresários não têm consciência social. Só pensam em ganhar dinheiro.
Empresas nacionais de referência, cujos gestores fazem discursos sobre responsabilidade social, perseguem as mulheres. Serviços do Estado, como o Ministério da Educação, já tomaram medidas que prejudicam a carreira das professoras mães.
É fundamental criar medidas de apoio à mãe trabalhadora que permitam combater a discriminação da mulher trabalhadora. Portugal tem hoje legislação bastante adequada mas é importante que as próprias empresas e organizações empregadoras incentivem a natalidade.
A ADFP é a instituição que fundei. Em 2009 para festejar o 1 de Junho, Dia da Criança, decidimos criar um prémio de 500 € a atribuir às trabalhadoras mães aquando do nascimento de um filho.
Fizemo-lo a 1 de Junho porque consideramos que a sociedade tem a obrigação de promover medidas que favoreçam a natalidade, sob pena deste dia destinado à criança se limitar a uma fútil comemoração vocacionada para o consumismo de brinquedos, sem qualquer sentido.
Esta medida visa promover a igualdade entre os sexos no acesso ao trabalho e contrariar a discriminação das mulheres trabalhadoras.
Com demasiada frequência se assiste a um discurso por parte dos responsáveis pelas entidades empregadoras contra as mulheres mães, condenando o seu absentismo.
A intolerância contra as mulheres grávidas, por parte de algumas entidades empregadoras, é mesmo uma das causas da baixa natalidade em Portugal.
Esta condenação surda das mulheres trabalhadoras que ficam grávidas, considerando-as um fardo para as organizações empregadoras, deve ser contrariada por medidas de discriminação positiva.
Os colegas das mulheres grávidas não devem encarar as faltas das trabalhadoras mães como um peso que os abriga a esforços suplementares quando estas faltam para apoio aos seus filhos.
As empresas têm de adoptar medidas de responsabilidade social que favoreçam a maternidade e evitem a exclusão das mulheres do mercado de trabalho, pelo facto de ficarem grávidas e cumprirem a sua obrigação pela manutenção da espécie.
Portugal enfrenta uma situação dramática de envelhecimento da sua população. Para cada cem crianças menores de 15 anos o País tem 114 maiores de sessenta e cinco anos.
Esta relação vai ter consequências óbvias no mercado de trabalho e na manutenção do sistema da segurança social, a manter-se o actual modelo de financiamento.
Esta medida da ADFP também pretende constituir um factor de incentivo ao aumento da natalidade.
Portugal teve em 2007 a taxa de natalidade mais baixa desde 1960, a mais baixa nos últimos quarenta e sete anos.
Em 2007 o número de mortes em Portugal foi superior aos nascimentos. Morreram em Portugal em 2007 mais 1.020 pessoas do que as que nasceram.
Portugal tem 1,3 crianças por mulher, muito abaixo do limiar mínimo de 2,1 crianças por mulher para permitir uma efectiva substituição de gerações. Estes números não são ainda mais dramáticos porque há muitas mulheres estrangeiras a procriar em Portugal. Em cada dez crianças nascidas em Portugal uma tem mãe estrangeira.
A ADFP é uma instituição de solidariedade social, que investe na inclusão de pessoas com deficiência ou doença mental e aposta no convívio intergeracional, possuindo valências de apoio desde a primeira infância até aos mais idosos.
A instituição mantém um Centro de Emergência Infantil/Centro de Apoio Temporário para receber e educar crianças abandonadas, sem família, negligenciadas ou vítimas de maus-tratos e foi uma das primeiras instituições a criar um Lar de Apoio à Vida e à Mulher para acompanhar mulheres grávidas, incluindo adolescentes, sem condições para enfrentarem sozinhas as dificuldades da maternidade.
A ADFP tem a noção que o prémio de 500€, sendo reduzido, é superior ao salário mínimo nacional, constituindo como que um décimo quinto mês para facilitar a vida de uma família que recebe mais um elemento.
Com esta medida as trabalhadoras sabem que, quando ficam grávidas, não constituem um entrave ao desenvolvimento da instituição ou de Portugal. A gravidez da mulher é uma dádiva fundamental ao desenvolvimento da sociedade.
Portugal não perde competitividade quando uma trabalhadora fica grávida. Portugal fica mais rico quando nasce uma criança. Portugal perde competitividade e futuro quando se deixa envelhecer sem capacidade de substituição das gerações.
Só empresários de vistas curtas podem punir uma mulher por ficar grávida. Todas as empresas empregadoras têm a obrigação de incentivar as suas colaboradoras a poder assumir a sua maternidade.
Nenhuma empresa civilizada poderá assumir posturas discriminatórias contra as trabalhadoras grávidas e mães.
É fundamental que o Governo perceba que tem de apoiar as famílias e a maternidade sob pena de condenar Portugal à estagnação e ao empobrecimento com custos sociais dramáticos.
É desejável que outras entidades empregadoras possam tomar idênticas atitudes de incentivo e apoio às mulheres grávidas.
Pessoalmente considero que as instituições da Santa Casa da Misericórdia, até pela ligação à Igreja Católica, deviam adoptar medidas semelhantes de apoio às suas trabalhadoras mães. Também a União das Instituições de Solidariedade Social podia dar o exemplo a nível nacional tomando medidas de Responsabilidade Social que promovam a natalidade e evitem a discriminação das mulheres que desejam ficar grávidas.
Acredito que outras organizações empregadoras, públicas ou privadas, têm a obrigação de dar exemplos de discriminação positiva das mulheres que favoreçam a maternidade.
É desejável que muitos empresários com preocupações sociais, que não se limitam a ser patrões só preocupados com o lucro, possam tomar medidas de promoção da natalidade, sendo fundamental o papel das associações empresariais na dinamização destes incentivos.
Portugal não pode transformar-se num gigantesco lar de idosos ou num imenso centro de dia para maiores de sessenta e cinco anos. Todos temos a obrigação de criar condições para facilitar às mães trabalhadoras uma gravidez feliz e uma maternidade responsável.

Jaime Ramos
Excerto do livro «Não basta mudar as moscas»

2 comentários:

  1. Um empresário, um verdadeiro empresário, não é quem acumula riqueza e privilégios, mas sim o que cria riqueza à sua volta.
    Uma questão de postura perante os seus semelhantes e a vida...
    Nem chego a chamar curto de vistas aos empresários que penalizam as mulheres grávidas, o nome é mesmo estupidez. Imagino por exemplo um corredor de estantes dum hiper cheio de produtos de peuricultora, cujas empregadas vivem no terror de lhes faltar a visita do mês, quando afinal o seu patrão está a prejudicar-se ao limitar os putativos clientes daqueles produto...

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    1. É mesmo isso, Charlie. Empresários que só querem acumular riqueza, não são verdadeiros empresários.

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