A pessoa adormece, embalada pelo som de palavras tranquilizadoras, democracia, liberdade, e até se permite sonhar com um futuro cada vez melhor, o seu e o de gerações vindouras, os filhos que vemos crescer e a quem transmitimos o legado da confiança que entorpece a passada, bêbedos de sono, entregues a organizações por si sustentadas para garantirem, pelo menos, o essencial.
A máquina que se quer funcional para que a sociedade aconteça sem engulhos ou travões, sem as mesmas limitações de um passado que se viu rejeitado quando o povo se fartou daquilo que agora regressou por uma série de asneiras anedóticas e as ameaças hipotéticas ganharam corpo e tornaram-se tangíveis todas as coisas impossíveis como as pintavam nas histórias de encantar ou nas músicas de embalar no som de palavras prometedoras, garantias de prosperidade, enquanto por detrás do véu vigaristas e especuladores, alquimistas amadores, enriqueciam à custa de um balão que um dia rebentou sobre as nossas cabeças e os pedaços do céu começaram a cair.
E a pessoa entretida a dormir, mesmo depois, com os arquitectos da farsa impunes salvo raras excepções e os restantes (ir)responsáveis por tabela, cúmplices por omissão, ou mesmo por intervenção directa num esquema que nunca souberam interpretar nas repercussões se algum dia corresse mal, com os dedos apontados entre si denunciando culpados de segunda categoria, desviando as atenções dos verdadeiros burlões à escala global, mesmo depois de publicamente expostos na sua condição pelo desastre nos resultados.
E a pessoa adormecida, comatosa, ouvindo ao longe os nomes de culpados laranja, azul, vermelho ou cor de rosa que justiça alguma punirá, alheada do presente envenenado para o futuro comprometido que não faz perder o sono, bêbedos de falsa esperança ou de apatia, porque a pessoa dormita à sombra de palavras antigas como árvores centenárias, honra e compromisso, que julgávamos necessárias ao ponto de ganharem raiz.
Mas as palavras leva-as o vento como às folhas e na prática ninguém sabe (ou responde pel)o que diz…
Quero ver se o Charlie e o OrCa também dão porrada a este texto :O)
ResponderEliminarÉ dar-lhe que ele aguenta-se bem nos parágrafos!
ResponderEliminar:)
O problema é que passámos muitos anos a dormir ... entre o sono, a letargia e o sonho. O nosso clima é ameno, não temos extremos que nos desafiem. Não temos furacões, enxurradas, frios assassinos que nos obriguem a lutar para não morrermos – apenas brumas cálidas e céus azuis que nos adoçam o carácter e a auto-estima. Até em matéria de tradições – devemos ser o único país do mundo cujo prato nacional é feito com algo que não existe nem nunca existiu no respectivo território: o bacalhau.
ResponderEliminarSempre fomos buscar o que precisávamos lá fora – e como o encontrámos, desabituámo-nos de procurá-lo cá dentro. Tivemos a pimenta da Índia, o ouro do Brasil, os escravos de Angola e, quando ficámos sem isso (se é que o tivemos verdadeiramente) recorremos aos fundos da União Europeia e aos carrascos do FMI.
O problema é que agora, não somos colonizadores, somos escravos que vão a leilão, facilmente transaccionáveis no mercado de capitais, à mercê de gente sem escrúpulos que nos vão sugar a carne e o sangue.
E as suecas! Não te esqueças das suecas!
ResponderEliminarAgora a sério: resumiste isto tão bem. Posso publicar o que escreveste num post?
Na esteira do que disse a Kikas e claro comentando o post do Tubarão, diria que o Homem sempre fez o mesmo. Fomos nós que indo lá fora buscar a pimenta, transformamos o "lá fora" coisa nossa: Portugal. As nossas fronteiras expandiram-se em uma geração. Fomos mundo, todo o mundo cabia no Terreiro do Paço, e batemos o pé a Espanha, engano-mo los através de uma das manobras de diversão mais espectaculares da História com a invenção das Indias para Oeste, quando nós íamos para o Oriente contornando as Áfricas que desde Ptolomeu se julgavam terra continua, sem passagem para outros mares. Os outros, mais tarde fizeram o mesmo. Inglaterra por todo o mundo, fala-se Inglês por todo o lado, ainda hoje.
ResponderEliminarMas manter colónias é pesado, cria desconfortos. Os tempos de hoje são de neo-colonialismo. Os Portugueses sabiam como faze-lo de forma hábil; de entre os povos dominados, escolhiam uma elite,. nunca um grupo, apenas alguns elementes e escolhidos um a um. Davam-lhes privilégios, mordomias e uma vez ascendidos utilizavam o que mais faz mexer o Homem; a angústia. Basta uma pequena ameaça, velada, o fazer sentir um desconforto, do tipo de "algo que não está bem". Depois é retirar um privilégio, ter uma conversa mais distante e fria e isto durante uns dias. Depois vai-se ao ataque: - Escuta.... preciso mesmo de falar contigo.-
O interlocutor, pessoa que sentia estar a perder o status, ficava quieto e em expectativa e ouvia;
:- Sabes, não ando satisfeito. Os teus não estão a trabalhar como deve ser, e preciso de mais produção. No Puto (portugal como se dizia em África) andam aborrecidos porque querem mais café, e eu não lhes consigo enviar mais, se calhar tenho que arranjar outra pessoa para o teu lugar...-
Não existe melhor forma de ficar com mãos limpas, transferir o odioso e aumentar lucros. No dia seguinte, o chicote estalava nas costas desses malandros, não pelas mãos do Colono, mas através desse que via estar a fugir-lhe das mãos um mundo de benesses, privilégios e status, sem cuidar, pois a memória é volátil, que tudo aquilo já era seu por direito de nascença, por ser daquelas terras muito antes dos chefes brancos terem chegado...
O que se passa nos tempos de hoje, é fotocópia, com outros protagonistas, outros chicotes, outros colonos, mas o mesmo fio que mexe as marionetas; a angústia.
Vivemos benesses, criamos status, e agora vivemos o desconforto. Onde está o chefe branco?
Está lá longe por detrás das secretárias dos Ratings, mancomunadas com o FMI e com as empresas dententoras da dívida dos países.
Por cá estala o chicote; malandros que não ganham para os juros, bando de malandros, que por vossa causa não vou poder trocar de automóvel este ano nem andar de ski....
Não tenho razões, São, para contestar nada neste texto do Shark. Pelo contrário, daqui o saúdo e aplaudo.
ResponderEliminarTanto que me ocorreu que poderíamos imaginar uma das sessões das Noites com Poemas subordinada a este tema: nós, a crise e um poema… Convidados: vários dos autores do Persuacção. Que tal?
Prosa poética, até, esta do Shark. Mas que refere os males maiores de que todos nós, cidadãos, porventura teremos enfermado. A sociedade da abastança – mesmo que (e sempre) quimérica – tem esse efeito colateral do amolecimento das consciências. O conformismo, que a acomodação gera, retira a vida a uma qualquer sociedade.
Vamos ficando, entre o culto do sofá e a transcendência dos futebóis, até acordarmos, muito mais gordos e anafados, um qualquer dia, e apurarmos em que lástima se transformou o ensino, em que aldrabice vegeta a saúde, no caos criminoso em que se deixou cair o mundo do trabalho… e nós, tendo passado todo aquele tempo a ver subir o umbigo, perplexos perante o quanto nos ultrapassa tudo isto e apenas nos restando a réstia de esperança de que os nossos filhos inventem forças e estratégias para combater aquilo que não lhes ensinámos a combater.
Por isso se diz que a culpa é de todos. Apenas por isto.
Ter permitido aos nossos filhos o acesso a uma vida melhor não é, em si, um pecado. É, afinal, o desidério de cada geração. E é saudável que assim seja!
Agora, ter-lhes facultado a alienação do que são os valores da Humanidade – sejam eles quais forem, podemos discutir isso… - invocando que estávamos muito ocupados entre o tal sofá e uma vida de «trabalhinho competitivamente desesperado», alinhando em lógicas impostas pelos tais «senhores dos cordéis» (aqueles das marionetas que nós somos), essa, sim, é a nossa culpa, sem remissão.
E daí, como diz o Shark, a culpa acaba por ter todas as cores do arco-íris…
Ó OrCa, eu já estou aqui sem conseguir dormir com os nervos do trabalho que me adjudicaste... e já estás a pensar noutra, carais, camarada, pá?!
ResponderEliminar'Tás c'os nervos adjudicados, pá, São?
ResponderEliminarNão é caso para isso. Eu cá já tenho tudo controladinho e Maio ainda vem longe.
Olha lá, Já convidaste o Charlie e a Ana e o Shark e o Raim e o Nuno e tal? A sala é grandita...
Mas tu és profissional e eu nem Amadora sou: sou Porcalhota!
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