abril 12, 2011

A Rapariga Vulgar (V)

Aquele escombro absurdo do silêncio mutilado, à deriva num mar de ruído, mantém o olhar inquieto, incauto, quer enrolar o burburinho sólido, tóxico e puxá-lo ao fundo de um castanho ansioliquido. O mundo recolhe às famílias, sobram cá fora os que não pertencem a ninguém.

Aquela, a última do entardecer, é a melhor hora do dia. Ele fuma cigarros, embala o pensamento na inquietude serena do fumo, observa a rapariga vulgar, sem a interrupção incómoda das onomatopeias grunhidas do homem do estabelecimento ao lado. Dali, consegue ver bem até o que não vê. Mais um homem pára o carro e a rapariga entra. Deixa a imaginação segui-los, torna-se, assim, uma sombra invisível que se funde com os seus corpos. A rapariga está deitada, exposta, submissa, delicada. O desejo invade o homem pelos olhos, numa guerra sem opositores conquista o baixo ventre e lança, embriagado pela vitória, empurrado pelo sangue, uma rigidez de um vermelho nítido, a fome viva, lúcida e inequívoca. Vê-o subir o corpo da rapariga, as nádegas duras, masculinas, em contracções vorazes, o peito moreno, as formas geométricas do masculino, um cheiro ardente a suor preso nos dedos, pêlos negros nas costas quadradas, ossudas. Também ele é a rapariga debaixo do homem, deitada, exposta, submissa, delicada. Tremem-lhe os lábios entre o desejo e a bestialidade do primeiro beijo, o trespasse das margens do proibido. O cigarro parece acariciar-lhe a boca, agora que a fome parece ter tornado a pele mais fina, até a aragem parece uma carícia, uma língua proibida, saliva interdita, pensamento varado pela vergonha. E o Sr. João continua ali, sente-se exposto e delicado, submisso ao amante que a imaginação rouba da rapariga para os seus braços, deitado como uma belíssima flor incompleta.

8 comentários:

  1. Sempre achei que um voyeur seria algo assim como um sádico: ao torturar a vítima, sente o prazer perverso de se imaginar no lugar dela e assim sendo, em cada sádico há um masoquista.
    No texto, ele é assim mesmo. Enquanto rumina uma mistura difusa de ciúmes e raiva impotente, vê-se sucessivamente nos papéis que imagina, divagando entre prazeres e dor, tanto por não ser possuidor, como igualmente não ser objecto de desejo. Experimenta o amargor masoquista de sofrer um prazer que imagina jamais lhe caber sublimando em si a amargura de sentir-se no lugar dela a dar prazer sem o ter, o de fazer um frete ao vender o corpo. E é quando um sorriso interior o conforta da sua miséria interior.--

    Belissimo texto.
    Esta senhora ...quantos chapéus lhe posso tirar....antes dum copo de tinto à meia luz em ambiente de cool jazz?

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  2. Inté aposhto que asdepois te comvida tãobém pra um copu, e faseim uma menaje há truá....

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  3. Nelo, és tu para as covas e eu para as pirocas.

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  4. Fiquei toda "embergonhada"... :)))))))))))))))))))))))))

    Muito obrigada! :D :D :D É muito bom ter leitores assim, que me dizem o que sentiram e pensaram ao longo da leitura, que fazem com que o texto seja também deles, acrescentando um valor x à minha equação. :)))))))


    Beijos

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  5. 'tá bem... então como eu digo disparates o texto também é meu :O)

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  6. Acho que tu dizes disparates, São, porque és uma mulher muito ciumenta e não podes sentir um miminho no ar que queres logo, não um bocadinho, mas o mimo todo.~
    E isso é muito feio, menina Sãozinha... muito feio.
    Tás aqui, tás como o Nelo, que é outra ciumenta do pior que pode haver, quase como o Conde de White Castle...

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  7. Eu não sou ciumenta!
    Sou é um "pecachinho" possessiva...

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