abril 29, 2011

Estamos em muito mau Estado!


Eu sei, eu sei, é uma evidência. Mas que fique registado.
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O OrCa verseja a um Estado detestado:

"neste estado em mau estado
mísero estado de sítio
bateria de bom grado
mas com pau, que não de lítio...


ao estado em mau estado
talvez só recauchutá-lo
a começar pelo gado
que dele mama… e chutá-lo


chutá-lo mas com vigor
não com prosa nem com verso
mas no cu com pundonor
pròs limites do universo!"

Conversa de Café sobre a Crise III: novos paradigmas, precisa-se do Homem Novo


...Homem velho, prefere ficar sem as coisas por imposição de outros, do que prescindir delas de livre vontade, por assumir que não precisa delas para ser feliz..


...A gente não se consegue convencer dum facto incontornável ao estatuto deste "Homem Velho"-
Ilusoriamente julgamos ter chegado ao poder em rede com as novas tecnologias da informação.
Na verdade, assistimos apenas a um fenómeno de transição desse Poder.
Ele é o outro rosto da Fortuna e tal como esta, nunca desaparece: apenas muda de mãos. O meio tempo em julgamos te-lo, foi apenas o momento e meio de transporte das mãos de alguns, para as mãos de outros.
O Poder é sempre de Direita, hierárquico, castrador e coercivo.
A escala de valores do "Homem Velho" assenta de forma natural nestes particulares e não existe de facto Poder de Esquerda.
Como ultrapassar este estágio e entrar numa nova Era?
Como evitar o regresso novamente a uma época de repressão e caça às bruxas?
Estas serão as armas dos novos donos do Poder.
A rede informática global, a Internet, deverá sofrer o primeiro revés com a implementação generalizada dos conteúdos pagos, acessos limitados a perfis determinados, exclusão de tópicos e bloqueamento por sistema. A Era da comunicação em rede livre e aberta pode ter os dias contados. A concentração de Poder conduzirá de forma objectiva ao domínio de toda a informação.
Como escapar então a este sistema opressor que tem na crise económica apenas uma das frentes de actuação?
Eles são extremamente pragmáticos, frios e eficazes, jogam com os nossos medos a seu favor. Quando alguns de nós falam já em desespero que precisavam dum (atrasado mental) dum Salazar, eles, os promotores da crise, esfregam as mãos de contentes.
A única solução é o Homem Novo, outros paradigmas, outros valores, um regresso ao caminho do Humanismo esclarecido, à prossecução da Utopia. Mas isso exigirá em primeiro lugar o desapego e o despojamento, e o Homem velho, prefere ficar sem as coisas por imposição de outros, do que prescindir delas de livre vontade, por assumir que não precisa delas para ser feliz. O Homem Velho é esse ser que assume ser prisioneiro das coisas que guarda em vez de usar as coisas para se libertar da sua condição de ser escravo delas.
O Homem Velho, ama o seu carro, porque ele é Seu em primeiro lugar e só depois porque cumpre o objectivo de aliviar o binómio tempo/distância. E para mantê-lo, manter o "nível de vida" trabalha desalmadamente, produz sem sentido para ter uma "vida melhor" quando na verdade apenas vive para dar uma vida melhor aos que o exploram desumanamente.
Gente que dorme cinco horas, que passa três quatro ou mais em transportes, que come em pé, que nunca vai ao cinema, nem a um festival, que trabalha sábados e domingos, não tem uma vida melhor; apenas tem a vida suficiente para se iludir e manter viva a chama.
Então se vivemos para uma ilusão, porque não há-de a ilusão ser a nossa Utopia?...

Poderíamos começar com o "Não pagamos!"
E atrás de nós podem vir outros. A Islândia abriu o baile, Irlanda e Grécia e até Espanha podem seguir. E depois veremos o que acontece.
Veremos onde e porquê aparecem as contas do que devemos e porquê é que devemos, o que é que essas dívidas representam. Até que ponto soube bem a certas entidades que nós acumulássemos "dívida."
Quando se paga a um país para não produzir, os pagadores tem interesses em que assim seja. Uma mera aritmética simples diz que não é possível a um País que nada produz trocar eternamente esse Nada por bens. Então não nos deixam produzir e agora dizem que lhes devemos? O que queriam então? Que tivéssemos um arco-íris com uma ponta em Portugal e outra na Alemanha, e um pote cheio de ouro para lhes pagar as contas?
Eu assumo a desobediência civil global; Não pagamos. Pois se há dívidas no valor destes montantes, vamos desmontar a contabilidade global e ver quem é que está a lucrar de forma agiota com esta situação. E tenho dito! E para que conste, sou pagador com as contas (por enquanto) em dia.

abril 28, 2011

O que temos a esconder?!

"Para defender o País e a sua dignidade a negociação tem de ser discreta."
José Sócrates hoje,
a respeito das negociações em curso com
a «troika» (Comissão Europeia, BCE, FMI)

O que é que esta malta anda a beber?!

"Tendo em conta a base comparável, isto é, o mesmo universo das administrações públicas considerado para a determinação do défice de 2009, o défice de 2010 foi de 6,8% do PIB (*1), isto é, menos 2,7 pontos percentuais do que no ano anterior. Este é um indicador evidente do esforço de consolidação realizado."
«Defender Portugal - Construir o Futuro» - Programa eleitoral do PS para o período 2011-2015

Partindo de bases como esta, fazem-me lembrar aquela anedota do dono de uma vacaria que aceitou a sugestão do filho para contratarem consultores que lhes indicassem como poderiam expandir o negócio. Ao fim de muitas semanas de visitas dos consultores à vacaria, reuniões, «brainstormings» e assim, o dono da vacaria recebeu um relatório com 3.287 páginas, acompanhado da respectiva factura de prestação dos serviços, num valor com muitos zeros (*2).
O relatório começava assim:
"Partindo do pressuposto que as vacas são esféricas..."

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(*1) para quem tem andado distraído (como esta malta do PS), o valor real do défice em 2010 foi de 9,1 por cento. Os valores reais, recorde-se, foram corrigidos pelo Instituto Nacional de Estatística no passado dia 23 de Abril. Ora nesse sentido, o défice de 2010 não recuou 2,7 pontos percentuais, como refere o programa eleitoral do PS, mas antes 0,4 por cento.

(*2) se não imagina de quantos zeros se trata, distraia-se com este Concurso Público anunciado no Diário da República N.º 63, Série II de 2011-03-30 (Parte L - Contratos Públicos):

Anúncio de procedimento n.º 1462/2011
Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária
Aquisição de Serviços de Elaboração de Propostas de Decisão de Propostas de Contra-Ordenação [este título não é um mimo?]
Valor: 1200000.00 EUR [conte os zeros]

abril 27, 2011

Por debaixo dos panos

Do JN de hoje:
O sociólogo Boaventura Sousa Santos defendeu, terça-feira, que os portugueses deviam recusar-se a pagar a dívida do Estado, evocando o exemplo da Islândia (...)
"Nós não sabemos como chegámos a esta dívida porque ela foi feita nas nossas costas", argumentou o professor da Universidade de Coimbra (...)
Na sua intervenção, Boaventura Sousa Santos defendeu "uma democracia mais participativa" em que os cidadãos possam ter "mais poder de decisão", sobretudo no que diz respeito à aplicação de verbas por parte do Governo.
"O cidadão pode e deve ter uma palavra para decidir onde é que o seu dinheiro é aplicado. Se isso acontecesse não tínhamos comprado submarinos, por exemplo", sustentou.


Pois... mas o que acontece é precisamente o oposto: as medidas a tomar estão a ser discutidas «por debaixo dos panos». E vão-nos ser apresentadas como factos consumados. Aliás, Ana Gomes, que eu muito admiro, desiludiu-me quando a ouvi defender, há dias, que estes assuntos não devem ser tratados na praça pública. Deveriam ser! Com total transparência! Fartos de «iluminados» em torres de marfim estamos nós!




«Por debaixo dos panos» - Ney Matogrosso

O que a gente faz
É por debaixo dos pano
P'ra ninguém saber
Se eu ganho mais
Ou se vou perder
(...)
É debaixo dos pano
Que a gente não tem medo
Pode guardar segredo
De tudo que se vê
(...)
É debaixo dos pano
Que a gente esconde tudo
E não se fica mudo
E tudo quer fazer
É debaixo dos pano
Que a gente comete um engano
Sem ninguém saber...
É debaixo dos pano
Que a gente
Entra pelo cano
Sem ninguém ver
(...)

A posta que o passado já nos ensinou e o presente examina

Assistimos, e a coisa arrasta-se há semanas, às imagens de gente abatida a tiro por polícias, exércitos ou mesmo mercenários contratados por poderes contestados pelas respectivas populações.

É hediondo sob qualquer perspectiva e até o mais convertido a qualquer causa deveria enojar-se de qualquer participação directa ou indirecta em tal infâmia.

Quando um líder ordena o uso de força excessiva contra os seus cidadãos comete uma traição à sua Pátria, para além de incorrer precisamente naquilo que qualquer sistema democrático pretende impedir, o abuso de poder que só é possível quando um povo confia aos seus governantes o livre arbítrio na escolha de como proceder quando, por exemplo, um número significativo de pessoas se revolta e sai à rua para manifestar as suas razões.

Esse poder excessivo só se faz sentir quando não existe ou simplesmente soçobra a democracia a sério num país e de repente, como se tem visto ao longo da História da Humanidade e se vê agora em directo pelos canais de televisão ou na internet, as populações vêem virar-se contra si os meios adquiridos sob o pretexto de manter a ordem e preservar a soberania. Se para invocar este último os tiranos necessitam de uma ameaça externa, um inimigo forjado ou mesmo real, para o primeiro existe a necessidade de regras elementares de contenção e de poderes efectivos para contrariar eventuais excessos na respectiva interpretação.

Ou seja, os povos que agora morrem pela mudança foram os mesmos que se deixaram embalar no canto de sereias maquiavélicas e ignoraram a emergência da democracia como único entrave a este tipo de situações.

E é precisamente a democracia que muitos no nosso lado burguês da questão, este hemisfério norte à beira de uma convulsão por contágio facilitado pelos efeitos de uma crise financeira sem final previsto, contestam agora enquanto culpada de todos os males de que a incompetência de muitos, a ganância de uns quantos e o oportunismo de alguns saem incólumes por via do branqueamento mediático das suas (más) acções.

O passo seguinte deste meu raciocínio é simples.

A manter-se este ritmo crescente de abandono dos mecanismos da democracia ao nosso dispor, abstenção crescente e similares, descrédito permanente das classes políticas e dos próprios órgãos do poder e outras cavadelas na sepultura onde onde um dia a nossa liberdade irá jazer, o caminho ficará escancarado para os espertos, os carismáticos, os populistas, os extremistas que angariam apoio popular pelo timbre mais grosso na postura e no discurso, potenciais ditadores daqueles que o passado provou exímios na manipulação da própria democracia enquanto trampolim.

Aconteceu no passado, no nosso passado, e no de muitas outras gentes incapazes de discernirem a tempo dos custos elevados, dos riscos exagerados que corremos quando desertamos ou enfraquecemos a difícil construção de um regime decente com um sistema funcional.

Os povos que agora morrem pela mudança foram os mesmos que não levaram a sério a hipótese de um futuro com as contas trocadas, os mesmos que sempre partiram do princípio de que o bom senso ou, no mínimo, um pouco de decência por parte dos seus líderes e respectivos séquitos de acólitos bastaria para manter as coisas tranquilas e se evitar sempre o pior.

Portugal ainda é um membro de pleno direito da União Europeia, mas encontra-se refém de uma decisão a tomar por outra nação, a Finlândia, que pode, há quem o afirme, empurrar-nos para a bancarrota e para todas as consequências a nível social que isso implica. Para cenários caóticos como os vividos pelos gregos mas com a situação económica sob a alçada desta Europa egoísta e ingrata que nos pode deixar cair, coisa impensável não muito tempo atrás e aparentemente impossível de se verificar perante idêntico problema em Estados-Membro com mais relevância económica ou apenas com mercados maiores e mais apetecíveis do que o português.

Perante a simples, e espero que remota, possibilidade de nos entregarem à nossa sorte no vórtice do furacão tudo passa a ser possível no contexto de degradação da imagem dos diversos poderes em quem deveríamos confiar para combatermos o que de mau aí venha. Tudo passa a ser possível, aumentando de forma exponencial o risco de coisa séria na inversa proporção da perda efectiva de credibilidade e, por inerência, de autoridade dos escolhidos para nos conduzirem por tal breu.

Isto não é ficção, as lições da História, da nossa História, estão aí para o provar.

E olhando o exemplo dos outros, os que vivem (e morrem) agora no caos de autênticas guerras civis que a falta de uma democracia sólida declarou e analisando bem as escolhas dos países mais poderosos quanto aos palcos da sua intervenção, não vejo no horizonte, em caso de bronca da grossa, alguém interessado em nos deitar a mão.

abril 25, 2011

Mais Abril!

Mais Abril, sim, de referências. Abril desse orgulho de se tomar em nossas mãos o destino, hasteando bandeiras de Liberdade - essa mesma, a que se escreve com maiúscula, no tempo e no modo!


- ... Era a manhã imatura de neblinas de 25 de Abril de 1974. Nas mãos trementes, uma máquina fotográfica Voightlander, com filme de 36 fotografias, a preto e branco; mas no coração ganhava alento uma aventura de mil arco íris. Com 25 de Abril, sempre!     

quando Abril chega mais perto
cansa o viver de joelhos
neste tempo sempre incerto
de secar cravos vermelhos

no presente enclausurado
sem golpe de asa que o fira
vive um povo amortalhado
nos pântanos da mentira

na tristeza triste infinda
do país onde me perco
quantos se lembram ainda
da flor nascida no esterco?

a nossa raiz de esperança
que em tempos de solidão
na noite mais triste lança
a sua voz que diz NÃO!

não ao inglório viver
não ao pasmo não à fome
não a um futuro sem ser
não a um povo sem nome

triste foi Pedro soldado
sem barcos e já sem guerra
desfeito o nome bordado
mas dando o seu nome à terra

terra de uma flor ridente
das portas que Abril abriu
soldado poeta gente
flor de mãos que aí floriu

erguida por mãos libertas
noutro sonho noutro dia
tantas novas descobertas
de outra cor de outra harmonia

e lá vem sempre outro Abril
um combate outra vontade
outra cor no céu de anil
que anuncia a liberdade

por Abril por mim por ti
Abril maior mundo afora
e ser português aqui
por ser português agora!


- Fotografia e poema de Jorge Castro

abril 23, 2011

A «camisa-de-forças dourada»

Peter Singer escrevia em 2002, no seu livro «One World: The Ethics of Globalization»*:

"(...) As forças do mercado global fornecem incentivos a que cada país aceite aquilo que Thomas Friedman chamou «uma camisa-de-forças dourada»: um conjunto de políticas que implicam a libertação do sector privado da economia, a diminuição da burocracia, a manutenção de uma inflação reduzida e a eliminação de restrições ao investimento estrangeiro. Se um país se recusar a aceitar a camisa-de-forças dourada, ou tentar retirá-la, o rebanho electrónico - os cambistas, os corretores e quem toma decisões respeitantes ao investimento realizado pelas multinacionais - poderá afastar-se a galope noutra direcção, levando consigo o capital de investimento que os países desejam para para manter as respectivas economias em crescimento. (...)"

Como se vê, nada de novo por baixo do Sol.

* página 37 da edição portuguesa de 2004 da Gradiva: «Um só mundo: a ética da globalização», colecção Filosofia Aberta, com revisão científica de Desidério Murcho, co-orientador da minha tese de mestrado.

abril 22, 2011

Os objectivos finais dos promotores das Crises, ou o pecado mortal do Acreditar

...Os bens, valor real, ficarão nas mãos deles e nós com a virtualidade da dívida...

Nesta altura em que a Crise nos ameaça submergir a um ponto onde julgávamos não ser possível chegar, pois pensávamos ter descido tanto que não seria possivel descer mais e só poderíamos rapidamente subir, impõe-se que façamos algumas reflexões sobre os mecanísmos psico-sociais que estão subjacentes a este fenónemo, maduro que ele está para a "ajuda e intervenção estrangeira" às mãos "competentes" do FMI.
Como é que se chega a este patamar?
Pelo pecado mortal...

O pecado mortal é o acreditar.
E é pelo pecado que nos vencem.
Acreditamos que o dinheiro tem valor.
Acreditamos que há coisas que valem dinheiro, numa subversão torpe do seu contrário: o que vale dinheiro são as coisas, possui-las de facto é que é o valor real!
Troca-se o bem pelo seu valor virtual, e de repente ficamos com o virtual e eles com os bens.
Será?
É!
Neste contexto, eles ainda não tem os bens, mas ao agitar o valor do virtual, e a hipervaloriza-lo, todo o mundo corre atrás do dinheiro pelo valor que se lhe atribui, numa corrida de pesadelo.
Quanto mais se corre atrás dele, mais ele vale.
Mas será que vale?
Não!
Não vale nada, mas está nas mãos dos que nos fazem acreditar que sim.
Qual é o objectivo final?
Ficar-nos com tudo.
Com os nossos bens, riquezas e força de trabalho.
As soluções do FMI demonstram à saciedade:
PRIVATIZE-SE.
E assim, as coisas - bens reais - ficam nas mãos deles e nós com a virtualidade perfeita, nem dinheiro teremos, mas a perfeita virtualidade de o ficarmos a dever a quem nos levou tudo pelo pecado nosso do acreditar...


abril 21, 2011

2010

Afecto? Terceira porta à esquerda.
Sexo? Segundo andar, terceiro corredor, porta vermelha; antes de se deitar com a sua boneca respectiva, dirija-se ao balcão e indique as posições que pretende à recepcionista.
Amor? Preencha o formulário; na parte final, descreva como o pretende num mínimo de duas linhas e num máximo de seis; sente-se no sofá e aguarde a sua vez.
Paixão? Profunda? Desça à sub-cave número dois, inspire e expire profunda e rapidamente ao longo da descida.
Amizade? Suba ao telhado e aguarde a sua vez junto aos restantes ingénuos.
Poema para pôr ao peito? Fique aqui, não se mova; a Tragédia virá brevemente ajudá-lo.
Ego para remendar? É na fila que dá a volta ao quarteirão.
Beijos e abraços e outras coisas simples? Dirija-se a uma das marionetas em qualquer canto da repartição.

Pedidos especiais são sujeitos a análise prévia, utilize o e-mail que consta do formulário número quatro. Não danifique as semi-pessoas que o vão assistir. Identifique o que pretende antes de se dirigir à repartição. Não nos responsabilizamos por mentiras que conte a si próprio. Não nos responsabilizamos por mentiras que nos conte. As infracções serão severamente punidas com coimas elevadas.
Se ainda existir uma pessoa dentro de si, sugerimos que salte do telhado: sentir-se-á muito melhor junto dos outros assim que quebrar e matar a alma.

Retrato (não generalizador) de um país

Por detrás do ecrã do computador e através da janela, plantam-se três ou quatro árvores novas no jardim. Coisas compridas fininhas e leves, que uma só pessoa carrega.
Ainda assim, andam quatro homens a fazer o serviço: enquanto um cava, os outros conversam. Depois descansa o que cavou e os outros acompanham. Finalmente, alguém mete a árvore pequenina na depressão escavada e conversam mais um bocadinho, até que alguém se lembra que o buraco tem de ser fechado.
Andam quatro homens a fazer de conta que trabalham, sob uma chuva miudinha (e nem essa parece afectá-los) e isso chateia-me à brava.

O «nonsense» do regime e uma possível solução inovadora.

Se tentarmos olhar desapaixonadamente para o que se passa em Portugal, há assim como que uma imanência que ressalta, tipo aura luminescente, a rodear todo o território nacional, e que parece conferir-nos um estatuto diverso e divergente do resto do mundo.

Creio que, já em 1902, Júlio Dantas na sua Ceia dos Cardeais, referia «como é diferente o amor em Portugal». De facto, se estivesse apenas no amor essa diferença, talvez até passássemos despercebidos, aconselhando-se tão só uma acautelada e doméstica gestão dos afectos. 

Mas não. A coisa vai mais longe, em termos de originalidade. Dir-se-ia, mesmo, que se cultiva por cá o contraciclo, a excentricidade, o encanto de alguma marginalidade com o excesso apaixonado pelo trivial, que tantas vezes descamba na inveja versus o ser-capaz-de-fazer, na virulenta maledicência em vez da humilde autocrítica… enfim, em consabidas maleitas de que não há meio de nos regenerarmos ou, então, não queremos mesmo regeneração nenhuma e nestas águas é que nos sentimos a navegar de feição.

E somos, por isso mesmo, capazes de casar a maior estagnação com a realização dos mais piramidais feitos, que não lembravam a ninguém nem ao mundo todo. E lá vamos, em marcha progressiva, sendo felizes, sobreviventes, acomodados, até eventualmente, atingirmos esse estadio supremo do não-ser, que será uma mistura de Disneylândia com o País das Maravilhas da Alice, cultivado numa espécie de grande armazém de sucatas ao abandono, do qual o proprietário se tenha ausentado para parte incerta há mais de uma dúzia de anos…. 

O Presidente da República exerce o seu superior magistério junto dos cidadãos através do Facebook, ferramenta a que se alcandorou pela mão de algum parente mais novo, que lhe revelou, de súbito, um mundo novo onde os amanhãs cantam sempre que um homem quiser e sem contraditório.

O Primeiro-Ministro, um case study de mentiroso compulsivo, de estilo rasca no discurso mas de assessorias sempre à mão, impinge ao país a mais desbragada governação, em exercícios alucinados de autismo… e colhe noventa e tal por cento de votos de apoio na sua família de apaniguados, numa preocupante manifestação de «coisa nossa» mas, ainda assim, temperada a alecrim e rosmaninho, muito ibérica, muito chegadinha ao mar.

Isto, apesar de ser claro até para a UGT – indubitavelmente próxima do PS - quais os principais culpados da actual situação, e cito da sua muito recente (de 19 de Abril, p.p.) posição oficial sobre o processo negocial com a EU, BCE e FMI:

A UGT sempre defendeu que não deveríamos recorrer ao pedido de ajuda externa, face aos condicionamentos políticos, económicos e sociais a que a mesma conduz.

Os sacrifícios que foram exigidos aos portugueses nos últimos 3 anos, primeiro devido à crise financeira e consequente crise económica, e depois devido à necessidade de redução do défice orçamental, poderiam e deveriam ter evitado tal situação.

Infelizmente, erros políticos nacionais e a não resposta adequada da União Europeia à especulação financeira, que recaiu sobre alguns Países, conduziram à actual situação.  

Entretanto, o que temos? As «forças da ordem» mendigam dinheiro para fardamentos. Os juízes não têm verba para os tinteiros das impressoras. Os professores perderam a paciência, algures entre o enésimo relatório e o milionésimo primeiro grito ingloriamente soltado na expectativa de que a turma se cale para o ouvir. O funcionalismo público vai assumindo, com garbo e denodo, o seu estatuto de causador de todos os males do mundo e assume a diminuição de vencimentos como corolário «lógico» da coisa. As empresas públicas querem ser privatizadas. As empresas privadas fazem questão de assumir que o Estado interfira nelas até ao limiar conveniente das conveniências muito próprias e intransmissíveis dos seus gestores. O fisco constrange o cidadão miserável até ao seu mais miserável cêntimo e olha com bonomia para os rios de duvidosos dinheiros que lhe vão perpassando debaixo dos olhos em mais do que duvidosos negócios. Os ucranianos são muito bem vindos, como os caboverdianos já o foram, mas apenas para darem serventias, agora de preferência com formação superior, colhendo nós, os reguilas, ao desbarato, o investimento que, na Ucrânia, se terá feito na atribuição dos seus conhecimentos académicos. Sem atentarmos que os nossos jovens licenciados estão a pirar-se lá para fora… quem sabe, um destes dias para a Ucrânia. Agricultura, Pescas e Indústria foram e mantêm-se a banhos, algures, em parte mais do que incerta. Etc., etc., etc.

Enfim, este é o consagrado discurso da desgraça, de que todos estamos aparentemente fartos, mas que não muda, nem está para mudar.

Alguém próximo de mim preconizou – e eu subscrevo – que a solução do governo do país passaria pela contratação de gestores credenciados, através de anúncio no jornal. Talvez sob o olhar atento da Presidência e da Assembleia da República.

Alguém tem alguma coisa contra? Estariam salvaguardadas as instituições democráticas. Combater-se-ia, em termos de não obrigatoriedade de distribuir lugares pelos amigos, o compadrio instalado e aniquilador de qualquer desidério nacional. E talvez se combatesse com mais eficácia o sacrossanto défice. Volto a perguntar: alguém tem alguma coisa contra?

Ou, colocada a questão de outro modo: haveria alguma diferença, em termos de independência nacional, relativamente ao que ocorre actualmente sob a batuta da «troika»? Eu, daqui, não estou a ver, mas pode haver por aí quem saiba mais e melhor…

Causalidade II

Absolutamente alinhado com a ciência da Causalidade, as escolhas que fazemos ao longo de um percurso não determinam apenas os factores externos ao nosso EU interior, como quem conhecemos, quem amamos, o que fazemos ou como lá chegamos. Determinam também a nossa própria forma de estar e de viver. O nosso coração, a nossa saudade ou o nosso sorriso.
Alguém demasiado focado em determinada tarefa, princípio, ofício, não demorará muito a estar rodeado de vazio humano, sem ter alguém com quem partilhar momentos e sentimentos, e sem que com ele estes sejam partilhados. Alguém muito preocupado em ordenar, mandar, dirigir sem que com respeito tenha atingido esse estádio, estará em pouco tempo a comandar um exército de bolhas de ar sem eco. E muito provavelmente nem dará conta que isso aconteceu.
Um indivíduo que não dê pela passagem de outro na sua vida, não retirará nada que o outro queira oferecer, não dará nada em troca, não haverá proveito. Haverá solidão exponencial no percurso da sua vida.

“Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós.”
Antoine de Saint-Exupéry.


abril 20, 2011

A mentira, por Ricky Gervais

Se calhar estou a ficar como aqueles professores que tanto parodiava, enquanto estudante, por citarem sempre os mesmos autores, fossem eles filósofos ou homens do direito. Tratava-se de gente que, de algum modo, admiravam, pelo que lhes aludiam muitas vezes.
Ora o mesmo se passa comigo. Mas, em vez de Hegel ou Picco de la Mirandola, passo a vida a reportar o meu discurso para Ricardo Araújo Pereira ou Ricky Gervais. Cada um é para o que nasce (e quem nasce lagartixa nunca chega a jacaré, já se sabe).
Serve o intróito para aludir a um filme que apanhei hoje, num dos Telecines, graças a um princípio de gripe (que espero que não passe disso) que me impediu de ir treinar e a um zapping muitíssimo bem sucedido e oportuno: The Invention of Lying (um viva para a tradução!), de 2009, escrito e realizado por Ricky Gervais e Matthew Robinson. Ora, se não conheço o segundo, bastou-me o nome do primeiro (e a leitura da sinopse) para ficar por ali.
Imagine-se um mundo igualzinho ao nosso mas com uma diferença substancial: a mentira é um conceito desconhecido e ninguém possui a capacidade para dizer "coisas que não são" (tradução minha). Deste modo, num banco, por exemplo, qualquer cliente levanta dinheiro sem assinar papeladas e, no caso de uma incongruência quanto a valores, entre o cliente e o sistema, a razão é sempre dada ao cliente, porque o sistema pode falhar mas o cliente não diz "coisas que não são": assim, se um cidadão se apresenta num balcão e quer levantar mil euros, ainda que o sistema dga que ele só possui duzentos na conta, é os mil que leva para casa. Porque não há mentiras.
Pense-se agora que determinado indivíduo descobre, certo dia, que possui a capacidade de dizer inverdades. Ou mentiras, diríamos nós, que estamos habituados a elas. Primeiro, para se safar de uma situação problemática, depois para fazer a mãe feliz, logo de seguida para conquistar a mulher dos seus sonhos ou para recuperar o emprego perdido e o prestígio nunca havido.

A questão, em si, é brilhante.
A questão vista por Ricky Gervais (e o outro, claro, o coisinho, o co-argumentista) é divinal.
Sem querer roubar o gozo da descoberta e da análise a quem quiser ganhar um par de horas de prazer inquieto, fica só a ideia de que a crítica à religião e ao modo como ela foi criada estão presentes, numa ode ao racionalismo e ao ateísmo, de que Gervais se mostrou já adepto.

A ver. Muito.

Causalidade vs Indeterminismo

De uma forma quase abrupta encontramos todo o tipo de surpresas pela vida fora. Foram as escolhas que fizemos ontem, no ano passado, na nossa infância, que determinaram o percurso que pautamos diariamente. Se cumprimentei alguém fora da rotina comum, se ajudei alguém a atravessar a rua, se telefonei para alguém quase inadvertidamente sem conhecer a pessoa e a horas eventualmente impróprias.
Todas essas acções influenciarão se hoje e amanhã conheço este alguém, ou se faço determinada coisa.
Cada pequena acção, por aparentemente irrelevante que seja, contribui para a escrita do processo histórico da nossa existência. Podemos por vezes não ter a certeza dos porquês, das razões pelas quais a vida nos colocou de frente a determinada situação, mas podemos estar seguros que por alguma razão foi, que por acção nossa foi desencadeada e algum motivo futuro certamente desmistificar-se-à à nossa consciência.
Desde Aristóteles que se fala da teoria da Causalidade, e é disto precisamente que falo aqui. Naturalmente não estarei a referir a Causalidade linear onde a causa produz um efeito directo e concreto. Mas da Emergência, onde um conjunto de interacções simples na vida produz um padrão complexo e longo de Causalidade, determinando o desenrolar de uma série de acontecimentos futuros, permanentes ou não.
Naturalmente este conceito ou filosofia determina a aceitação do livre-arbítrio a par da responsabilidade moral, onde as escolhas são efectivamente feitas por nós à luz da nossa consciência, moral e filosofia. Desta forma ficam de fora os acasos, os indeterminismos e afins. E desta forma igualmente resulta que o percurso de vida de cada indivíduo, bem como a sua interacção social e humana, é e será traçado em função das escolhas feitas por cada um.

abril 19, 2011

Ah! E tal! Os dados técnicos não são importantes!...

"Neste momento o que está em curso é apenas uma análise técnica da situação portuguesa, tendo em vista a preparação de negociações políticas (...)". As negociações políticas é que "serão as negociações importantes".
Cavaco Silva (ontem à noite)

A urticária que isto me provoca!...
E mais um motivo para eu ter alergia aos políticos.
A análise técnica não é importante?! Se os decisores fossem menos "políticos" e mais "técnicos", não se perderia nada. Digo eu...

«A terra dos ratos»

Fábula política difundida por Tommy Douglas, proeminente activista e político, eleito en 2004 como "O maior Canadense de todos os tempos".
Como diz o Jorge Castro, "ele há ratos... e ratinhos. E gatos, gatos, gatos... Muito actual no nosso país".

abril 18, 2011

Um dia destes também estão no lixo...

"Standard & Poor's revê em baixa notação dos EUA


A bolsa de Nova Iorque abriu hoje em baixa, no dia em que a agência de notação financeira Standard & Poor's reviu a perspectiva sobre a sua notação de crédito dos Estados Unidos, passando-a de estável para negativa.
(...) A Standard & Poor's afirmou hoje o rating dos Estados Unidos, mas reviu a perspectiva sobre a sua notação de crédito, passando-a de estável para negativa, devido à falta de acordo entre as forças políticas para o ajustamento orçamental. A justificação para o corte na perspectiva do rating passa ainda, segundo a Standard & Poor's, pelos elevados défices orçamentais e o aumento do endividamento da administração norte-americana (...)"

in Jornal Sol

A Rapariga Vulgar (VII)

A beleza da meia luz entorpece a banalização das colunas, nunca deveriam existir colunas aqui, onde o estrondo do rosa agudo se faz sentir no verde desmaiado, dois estabelecimentos lado a lado sem qualquer consideração pela harmonia, os seus néons magoam os sentidos de quem passa; magoa-me que tratem as calçadas, a meia luz, as colunas, os semblantes de quem passa, assim. Mais acima, os CTT são um eco vermelho do estrondo de mil garrafas em queda num contentor; roubam-nos a estética, a beleza, o silêncio, também ninguém os quer, somos todos muito feios. "Precariedade não é futuro", assegura-nos o branco sujo, desconfortável, do cartaz; quando se tornou o desconforto assegurador? O castanho baço do cabelo de uma rapariga, no que se assemelha a uma bicicleta sem rodas, confirma: não é futuro, não é futuro, não é futuro! Não há tom mais tom do futuro que o castanho baço. O futuro é o feio, o feio que entra pelos olhos enquanto um homem feio grita pelo feio cão. O feio corta a toda a volta; à noite, todas as noites, das linhas do passeio, varre-se o presente. [A Rapariga Vulgar (VI)]


Magoa-me, magoa-me, magoa-me, magoo-me, sim, sou eu. Ontem, queimei-me, acidentalmente, o borrão aceso do cigarro caiu-me numa perna e fiquei a ver aquela dor incandescente, tão mais bonita, tão atroz, tão perfeita e forte e viva e nítida que me apaixonei por ela e esqueci-me das outras. Mas depois foi-se, acabou-se, a beleza é beleza pela sua brevidade atroz, toda a dor que é beleza lhe copia a atrocidade e exige alimento ou esvai-se. Talvez se aquela rapariga, aquela que vejo no passeio, aquela que anda em círculos sem se aperceber - todas as pessoas marcadas pela dor que deixam entrar pelos olhos andam em círculos - talvez se aquela rapariga me magoar, talvez consiga acordar mais um pouco dessa dor de ontem em mim, mais um pouco dessa dor que apaga a outra. Ela entende do que lhe falo, ela entende, eu sei, ela entende porque tem lágrimas de gelo; as lágrimas de gelo são as lágrimas últimas, as que nos cortam para nos avisar que vamos ficar sem lágrimas, para nos avisar que os olhos vão ficar cheios dos restos mortais do coração; são, nos seus impiedosos golpes, o último aviso, a última esperança de redenção; a cara vai ficando marcada desses sulcos cortados pelo gelo; depois de secos, os sulcos, são como fossas na terra, muito feias, onde a água já não passa, fantasmas de rios, lembranças do abandono das carícias suaves de um leito azul. Ela sabe do que falo, a rapariga vulgar, e já a tenho cativa, mostrei-lhe a sua dor nos meus bolsos, estendeu as mãos para receber mais um pouco do que lhe dói, do que lhe dói tanto quando tem como quando lhe falta, abri a porta do carro e deixei-a entrar, temos muita dor para oferecer um ao outro.

O PCP e uma falácia de sentido composto

Quando se dá às partes, consideradas isoladamente, o mesmo valor do que ao todo, está-se a incorrer numa falácia de sentido composto.

Quando o Secretário-Geral do Partido Comunista Português diz, referindo-se ao FMI, que "não credenciamos nem negociamos com uma entidade que consideramos que está aqui a praticar uma ingerência", está a dizer que "nós, PCP" não terão credenciado o Fundo de Resgate Europeu para vir cá dar uma mãozinha. Correcto. Por acaso, eu também não. Como uns tantos milhões de portugueses não o fizeram. É bem. Não é para isso que nos pagam.
Agora, quando considera uma "ingerência" a intervenção de uma entidade que, quer gostemos quer não, veio em auxílio de um país em apuros, quando os representantes do povo desse país (o todo), democraticamente eleitos, o chamaram, pese embora isso cause repulsa a muitos elementos desse povo em particular (as partes), está a asneirar. A ser falacioso.

Espero que, ao menos, se trate de um sofisma (falácia intencional), com o intuito de levar os militantes do PCP a acreditar que o PCP tem uma palavra a dizer nesta matéria e que é muito importante e que faz e que acontece. Porque se se trata de um paralogismo (falácia não intencional), o autismo será tão mais grave que o fazer e o acontecer serão, definitivamente, parte de um passado que se recusam a olhar como tal.

abril 16, 2011

Com a verdade me enganas

Quando, no tempo de antena do PPD/PSD, transmitido na passada quinta-feira, 14 de Abril, Paula Teixeira da Cruz, ilustre advogada, militante e membro da direcção do "maior partido da oposição" vem apelar ao voto num PSD liderado por Passos Coelho, porque este advoga políticas que vão "de encontro aos interesses dos portugueses", eu tremo por uma de duas razões:

a) ou a Dra. Teixeira da Cruz desconhece o idioma do país que pretende representar (todos os meus alunos lhe saberiam explicar que "de encontro a" é justamente o oposto de "ao encontro de");
b) ou esta senhora sabe exactamente o que está a dizer e assistimos a uma ameaça em directo, num momento de rara honestidade em tempos pré-eleitorais.

Pelo sim, pelo não, eu tremo.

abril 15, 2011

sem precisar de comentários...


Apenas para complementar as mensagens abaixo para quem esteja com preguiça de leitura -  que deve combater, claro...

«Inconformismo e criatividade» - crónica de Boaventura de Sousa Santos

Transcrevo aqui essa crónica publicada na revista «Visão» da semana passada, do professor Boaventura, escrita da mesma forma com que nos deliciava nas aulas de Introdução às Metodologias das Ciências Sociais, na FEUC:

"Poderá surgir em Portugal algum adversário credível que impeça que um país seja levado à bancarrota pelas agências de rating?
É hoje consensual que o capitalismo necessita de adversários credíveis que atuem como corretivos da sua tendência para a irracionalidade e para a autodestruição, a qual lhe advém da pulsão para funcionalizar ou destruir tudo o que pode interpor-se no seu inexorável caminho para a acumulação infinita de riqueza, por mais antissociais e injustas que sejam as consequências. Durante o século XX esse corretivo foi a ameaça do comunismo e foi a partir dela que, na Europa, se construiu a social-democracia (o modelo social europeu e o direito laboral). Extinta essa ameaça, não foi até hoje possível construir outro adversário credível a nível global.
Nos últimos 30 anos, o FMI, o Banco Mundial, as agências de rating e a desregulação dos mercados financeiros têm sido as manifestações mais agressivas da pulsão irracional do capitalismo. Têm surgido adversários credíveis a nível nacional (muitos países da América Latina) e, sempre que isso ocorre, o capitalismo recua, retoma alguma racionalidade e reorienta a sua pulsão irracional para outros espaços. Na Europa, a social-democracia começou a ruir no dia em que caiu o Muro de Berlim. Como não foi até agora possível reinventá-la, o FMI intervém hoje na Europa como em casa própria.
Poderá surgir em Portugal algum adversário credível capaz de impedir que o país seja levado à bancarrota pela irracionalidade das agências de rating, apostadas em produzir a realidade que serve os interesses dos especuladores financeiros que as controlam com o objetivo de pilhar a riqueza e devastar as bases da coesão social?
É possível imaginar duas vias por onde pode surgir um tal adversário. A primeira é a via institucional: líderes democraticamente eleitos reúnem o consenso das classes populares (contra os media conservadores e os economistas encartados) para praticar um ato de desobediência civil contra os credores e o FMI, aguentam a turbulência criada e relançam a economia do país com maior inclusão social. Foi isto que fez Nestor Kirchner, Presidente da Argentina, em 2003. Recusou-se a aceitar as condições de austeridade impostas pelo FMI, dispôs-se a pagar aos credores apenas um terço da dívida nominal, obteve um financiamento de três biliões de dólares da Venezuela e lançou o país num processo de crescimento anual de 8% até 2008. Foi considerado um pária pelo FMI e seus agentes. Quando morreu, em 2010, o mesmo FMI, com inaudita hipocrisia, elogiou-o pela coragem com que assumira os interesses do país e relançara a economia.
Em Portugal, um país integrado na UE e com líderes treinados na ortodoxia neoliberal, não é crível que o adversário credível possa surgir por via institucional. O corretivo terá de ser europeu e Portugal perdeu a esperança de esperar por ele no momento em que o PSD, de maneira irresponsável, pôs os interesses partidários acima dos interesses do país.
A segunda via é extra-institucional e consiste na rebelião dos cidadãos inconformados com o sequestro da democracia por parte dos mercados financeiros, com a queda na miséria de quem já é pobre e na pobreza de quem era remediado. A rebelião ocorre na rua, mas visa pressionar as instituições a devolver a democracia aos cidadãos. É isto que se está a passar na Islândia. Inconformados com a transformação da dívida de bancos privados em dívida soberana (o que aconteceu entre nós com o escandaloso resgate do BPN), os islandeses mobilizaram-se nas ruas, exigiram uma nova Constituição para defender o país contra aventureiros financeiros e convocaram um referendo em que 93% se manifestaram contra o pagamento da dívida.
O Parlamento procurou retomar a iniciativa política, adoçando as condições de pagamento, mas os cidadãos resolveram voltar a organizar novo referendo, o qual terá lugar a 9 de abril. Para forçar os islandeses a pagar o que não devem, as agências de rating estão a usar contra eles as mesmas técnicas de terror que usam contra os portugueses. No nosso caso é um terror preventivo, dado que os portugueses ainda não se revoltaram. Alguma vez o farão?"

A minha análise às agências de «rating»


E como escreveu o mestre Ricardo Araújo Pereira na sua crónica da «Visão» da semana passada:

"Seria justo que, ao lado de uma notícia que diz «Mercados consideram que o país está a um patamar do lixo», houvesse outra cuja manchete fosse: «Portugal tenta renegociar a dívida junto dos chulos»."

abril 14, 2011

A posta que ninguém está a pensar a sério no plano B

Com a Comunicação Social e a classe política entretidas a esmiuçar o novo papão, o FMI & Brothers (o BCE), nas repercussões negativas da intervenção destes lucrativos beneméritos ou apenas na atribuição de culpas pelo apelo aos abutres, toda a gente parece ter a tal ajuda como um dado adquirido e não vejo ninguém tentar sequer esboçar uma alternativa para o caso de a coisa correr menos bem e os donos dos milhões nos darem com os pés.

Para um povo com propensão para o fatalismo, capaz de fazer um esgar de consternação para ilustrar a sua preocupação com a crise enquanto marca a viagem para um paraíso tropical, é de estranhar a ausência de pessimistas a sério, daqueles que percebem (ou vaticinam) a bronca antes dos outros e arregaçam as mangas na elaboração de um esquema alternativo, de uma saída de emergência para qualquer tipo de cataclismo.

Já nem falo daqueles que nos anos 50 investiram fortunas e horas de trabalho na construção de bunkers auto-suficientes para sobreviverem durante meses a um hipotético holocausto nuclear e que hoje parecem parvos mas na altura poucos os olhavam dessa forma, falo dos Medinas desta terra, dos profetas da desgraça, dos arautos do apocalipse mas em modo fazer em vez de falar.

Ou seja, anda tudo atarantado com o apertar do cinto, com a perda quase total de soberania, com os benefícios e malefícios da ajuda financeira que afinal ainda não está preto no branco pois ainda falta a contabilidade analítica que pode muito bem entornar o caldo se cair na fraqueza aos pragmáticos alemães que nos olham como párias e começam a ficar saturados de acudirem aos molengões e intrujas do sul (a Irlanda é a sul da Gronelândia, pronto).

E se depois da fiscalização os gajos não quiserem assinar os cheques?

Bom, essa hipótese que ninguém parece querer sequer equacionar faz parte do leque de opções de quem tem muito onde enterrar os milhões e se calhar até sabe que a procissão ainda vai no adro abre um mar de possibilidades em termos de teorização, sobretudo se a uma recusa no auxílio sobrevier o maremoto da exclusão de Portugal da zona euro ou ainda pior.

E aqui começam as dúvidas legítimas dos que já perceberam que a torneira dos milhões foi chão que deu uvas, a coisa estava pensada para sermos todos ricos e montes de unidos, federados até, mas em função de tudo correr pelo melhor.

Mas não correu.

A federação europeia não passa agora de uma ideia condenada a amarelecer ao pó e já será muito bom se a União não se desagregar sob a pressão das aflições individuais em cada Estado-Membro.

Mas esse é o lado para onde dormiremos melhor, caso o FMI & Associados (o BCE, pois) nos dêem com o lápis vermelho da censura ao regabofe privilegiando outros com mercados mais numerosos (apetitosos) e finalmente tenhamos que tomar conta de nós mesmos como os islandeses e outros e toda a gente descubra então até onde foi negligente e anti-patriótica a cedência ao desmantelamento da frota pesqueira e de uma agricultura capaz de atrapalhar o escoamento da produção dos países mais endinheirados (ninguém dá nada a ninguém).

Agora dirão, ah e tal mas na altura tinha que ser. Pois tinha, se queríamos mesmo deitar a mão ao guito para esturricar em tudo menos naquilo a que se destinava. Pois tinha, se as coisas tivessem corrido bem e hoje estivéssemos no mesmo plano da Holanda, do Luxemburgo ou, a avaliar pelo alívio de fachada que me cheira a esturro, a própria Espanha. Mas não estamos e se calhar mais valia nessa época ter batido o pé a algumas exigências que agora, em função do que pode acontecer, às tantas nos deixaram descalços.

abril 12, 2011

A Rapariga Vulgar (V)

Aquele escombro absurdo do silêncio mutilado, à deriva num mar de ruído, mantém o olhar inquieto, incauto, quer enrolar o burburinho sólido, tóxico e puxá-lo ao fundo de um castanho ansioliquido. O mundo recolhe às famílias, sobram cá fora os que não pertencem a ninguém.

Aquela, a última do entardecer, é a melhor hora do dia. Ele fuma cigarros, embala o pensamento na inquietude serena do fumo, observa a rapariga vulgar, sem a interrupção incómoda das onomatopeias grunhidas do homem do estabelecimento ao lado. Dali, consegue ver bem até o que não vê. Mais um homem pára o carro e a rapariga entra. Deixa a imaginação segui-los, torna-se, assim, uma sombra invisível que se funde com os seus corpos. A rapariga está deitada, exposta, submissa, delicada. O desejo invade o homem pelos olhos, numa guerra sem opositores conquista o baixo ventre e lança, embriagado pela vitória, empurrado pelo sangue, uma rigidez de um vermelho nítido, a fome viva, lúcida e inequívoca. Vê-o subir o corpo da rapariga, as nádegas duras, masculinas, em contracções vorazes, o peito moreno, as formas geométricas do masculino, um cheiro ardente a suor preso nos dedos, pêlos negros nas costas quadradas, ossudas. Também ele é a rapariga debaixo do homem, deitada, exposta, submissa, delicada. Tremem-lhe os lábios entre o desejo e a bestialidade do primeiro beijo, o trespasse das margens do proibido. O cigarro parece acariciar-lhe a boca, agora que a fome parece ter tornado a pele mais fina, até a aragem parece uma carícia, uma língua proibida, saliva interdita, pensamento varado pela vergonha. E o Sr. João continua ali, sente-se exposto e delicado, submisso ao amante que a imaginação rouba da rapariga para os seus braços, deitado como uma belíssima flor incompleta.

A posta que lhes ando com uma sede...

Nisto da política, para além da assumida ignorância, existe em mim um equilíbrio precário no que respeita à validação do trabalho dos políticos que esta época marada nos ofereceu.

Há dias em que até tento pugnar pela causa, a da democracia que amo, a da esquerda que perfilho, mas há outros em que a saturação de desmentidos, de desmascarados, de trocas de piropos entre gente de uma classe que só deveria albergar, no mínimo, a inteligência necessária para defender o sistema das suas leviandades me conduz a um beco sem saída mental.

Em causa para mim está o dilema entre a defesa instintiva dos mecanismos da Democracia, da credibilidade que resta à classe política que, mal ou bem, é a que temos para fazer a coisa funcionar, e a vontade de desatar à chapada nesta inverosímil cambada que parece fazer de propósito para nos afugentar.

E têm conseguido, como a abstenção crescente comprova. Porém, a subida do tom do discurso sob os efeitos da pressão da crise (das eleições que se avizinham) nas bocas de quem não possui o bom senso para moderar a linguagem em prol de um debate civilizado, decente, acerca de um problema tão grave que uma pessoa já se está mais nas tintas para as causas e menos para as consequências ameaça levar a coisa para outro patamar que me evoca tristes memórias dos carros que vi incendiados na Nazaré por estarem forrados, à época um pecado, com cartazes do “fascista” CDS ou das cenas de pancadaria constantes entre a malta das esquerdas com o MRPP sempre misturado na confusão.

São memórias foleiras de outros tempos igualmente conturbados, inquinados pela intolerância e pela ansiedade de quem queria lutar por algo de importante mas se esquecia que com o excesso de empenho podia destruir a Liberdade pela raiz, na voragem de guerras civis iminentes e outras aberrações típicas de casa sem pão. E sem juízo também.

E a nossa, esta que chamamos Portugal há uns séculos valentes, começa a enfrentar de novo essa realidade da falta de tino generalizada mas desta vez com as rédeas entregues a lideranças bem distintas das que nessa altura definiam o rumo a seguir.

É mesmo de temer, no meio do desespero de causa dos que querem lá chegar e dos que não querem ir embora que multiplica calinadas e aumenta a desconfiança quanto a pessoas, a partidos e mesmo à validade das ideologias, uma escalada de agressividade daquelas que acabam por fomentar os pretextos para a malta na rua querer aliviar à porrada esta permanente tensão.

Os rostos dos figurões sem palavra, sem consistência, sem brilho no olhar, movidos pelas razões erradas e incapazes de distinguirem a emergência de se fazerem mulherzinhas e homenzinhos e arregaçarem mangas por uns anos para reerguerem o que a sua inépcia conjunta mais a conjuntura aziaga que a destapou arrasaram já enjoam.

E cada vez mais me vejo obrigado a engolir em seco perante este impulso que me leva a tentar defender males menores e soluções de recurso a bem de um simulacro de ordem no caos quando, tantas vezes, quase sempre, o que apetece mesmo é mandá-los a todos procurarem alternativas de emprego consonantes com a falta de capacidade que o resultado do seu trabalho anos a fio ilustra nesta situação de merda a que deixámos todos chegar este país.

gente que interessa - uma crónica positiva

Estou farto de alguns gajos! Mas estou tão farto que o simples vislumbre das respectivas imagens ou a audição das respectivas vozes desperta em mim um sentimento tão intenso de rejeição… que nem sei se deva ou não começar a pensar em consultar um psiquiatra.

Daí que tenha decidido virar os sentidos para outros gajos, outro tipo de gajos. Gente que anda por aí, que se cruza comigo na rua, num café e, por vezes, até tem a amabilidade de um sorriso.

Gente dessa que não tem idade, sexo ou estatuto social determinado, pode ser qualquer coisa ou tudo, ao mesmo tempo, mas que transporta em si a dose exacta de Humanidade que a faz ser… gente!

O tal, o próximo, o outro, o irmão, o que vocês quiserem. Mas o ser vivente que, como disse, anda por aí, a dar graças ao mundo e à vida, fazendo coisas que têm o condão de espantar ou maravilhar, até, um tal, um próximo, um outro, um irmão.

Gente que gosta de si e que gosta da vida e que gosta do mundo e que, não sabendo fazer outra coisa, faz coisas que nos espantam ou, até, maravilham e fazem com que o nosso dia fique mais rico, mais feliz, mais pródigo, mais próspero.

Tenho visto gente dessa – felizmente para mim e para tantos – um pouco por toda a parte. Geralmente não pedem muito. Geralmente esperam tudo.

São esses que contam mais. São esses que nos dão lições acerca do que deve ser a vida. São esses que são.

Como mero exemplo do que fica dito, deixo-vos um vídeo que, porventura, a maioria já conhece. É para uma televisão, tem um habitual júri e todo o ambiente é, afinal, convencional. Mas vejam, até ao fim, que vale a pena:



E reflictamos um pouco: que imensíssima camada de sensibilidade teve de percorrer aquele ser para sentir a pulsão necessária que o impeliu à criação de uma tal coreografia e dar uma tal expressividade ao episódio da Morte do Cisne, de Tchaikovsy?

É apenas por isso que eu jamais perderei a esperança nas capacidades desta gente. A tal gente que interessa. O ser-se humano.

Nota - o seu nome John Lennon da Silva - nem de propósito...

abril 11, 2011

Espelho

A ser verdade o célebre adágio segundo o qual somos, antes de mais, aquilo que os outros pensam de nós, não posso deixar de temer que a vida de cada um seja uma gigantomaquia de personas (e, pelos vistos, todas legítimas) em tensão.
Se um dia perdermos o norte relativamente ao que sabemos que somos, ao que quisemos e ousámos construir, não passaremos de esquizofrénicos em busca da aprovação alheia, assistindo de camarote à luta do eu consigo próprio.

E não, nem sequer estou a pensar em Fernando Nobre.

Os FMIgerados inspectores estão a chegar

Amanhã por esta hora já os coveiros da economia portuguesa estarão mergulhados nos números vermelhos que lhes compete, teoricamente, pintar com outro tom.

Claro que não faltam, sobretudo os que mais contribuíram para a vinda dos algozes, aqueles que minimizam a questão afirmando que eles até já cá estiveram e Portugal deu a volta.

Pois deu, mas todos nos lembramos a que preço até cair do céu o milagre chamado CEE que depois se tornou no pesadelo pró-federalista soterrado pela crise internacional, com o salve-se quem puder a ditar leis enquanto os mais desamparados definhavam às garras das mais do que suspeitas agências de notação que aproveitaram o embalo negativo do subprime para tornarem nações reféns destas ajudas financeiras que estrangulam economias e impedem o crescimento de um país.

Os falsos optimistas, que tentam em vão desdramatizar o desastre provocado por uma sucessão de erros, de negligências e de disparates que culminou com a crise política que tanto deve ter agradado a estes senhores que são agora quem manda aqui, não convencem ninguém e esperam-nos vários anos a marcar passo, país e cidadãos, num ritmo imposto de fora, a juntar os cobres para pagar dívidas inventadas pelos malabaristas do rating ou contraídas desde o tempo em que a União Europeia transpirava milhões.

Agora é a nossa vez de suá-los de volta.

abril 10, 2011

47 razões para andarmos baralhados…

O Expresso trouxe-nos, neste fim de semana, o preclaro documento de quarenta e sete insuspeitas (algumas nem tanto e outras nem por isso…) individualidades quanto à imperiosa necessidade de haver, em Portugal, e cito: «um compromisso entre o Presidente da República, o Governo e os principais partidos, para garantir a capacidade de execução de um plano de acção imediato, que permita assegurar a credibilidade externa e o regular financiamento da economia, evitando perturbações adicionais numa campanha eleitoral que deve contribuir para uma escolha serena, livre e informada».

Referem também tais eminências nacionais, insistentemente, nessa «maioria inequívoca», como base de sustentação do tal «compromisso entre os principais partidos…» etc., etc.

Ora, no estado a que as coisas chegaram impor-se-á, obviamente, um pragmatismo – termo tão caro aos políticos da treta, quando as coisas não correm de feição… - na lide da coisa pública. Creio que nisso teremos de estar todos de acordo e, nesta fase da conversa, quer queiramos, quer não.

Perturba-me, no entanto e sobremaneira, a expressão da «maioria inequívoca dos principais partidos» e o que ela tem implícita. Esta exclusão, à partida, dos presuntivos partidos «não principais», assumindo as tais eminências que serão despiciendos no panorama político português, marginaliza, assim, antidemocraticamente, porventura dos mais significativos grupos de cidadãos activos e de profunda consciência de cidadania, goste-se ou não dos dirigentes que, em dado momento, possam estar alcandorados ao topo hierárquico das respectivas organizações, ou das ideologias que professem.

Perturba-me, de igual modo, que suas eminências – a modos que um leal senado da nação – tenha cometido a imperdoável insensatez de não embrulhar no seu pacote de boas (?) intenções os chamados «parceiros sociais» – igrejas incluídas e das diversas fés ­– se, na verdade, é de um desígnio nacional e democrático que aqui se fala.

Isto pela liminar razão de que podem os «partidos da inequívoca maioria» cozinharem os nossos interesses e seu bel prazer que dificilmente chegarão a qualquer lado – e a bem! ­– se não contarem com a cumplicidade e apoio activo da chamada sociedade civil. E isto, que se me depara singelamente liminar, parece ter escapado a este grupo dos 47, denunciando um tique antidemocrático de «democratas por interesse», se assim se lhes pode civilizadamente chamar, que muito me penaliza que integre alguns nomes que fazem parte do meu círculo de referências.

Alguém de bom senso pode imaginar que manterá todas as «gerações à rasca», organizadas ou não, indefinidamente passivas e caladas sem recorrer a severas cargas repressivas, provavelmente já a curto prazo?

O Bloco de Esquerda ou o Partido Comunista Português, ou os Verdes, a CGTP e, até, a UGT, a CIP, a CAP, etc., etc., por aí fora, vão ser ilegalizados, é? É que marginalizados já estão a ser, quer pelos sucessivos governos, quer por este grupo de nobres cidadãos preocupados.  

Querem ver que a infeliz receita da Manuela Ferreira Leite, aquela da interrupção por seis meses da democracia, afinal colheu eco em todos estes bons pensadores?

É que esta chatice da democracia ter mesmo de contar com todos, sendo chata e incómoda, é assim mesmo… E quando não é, não é democracia!     

Nota de rodapé – Um dos signatários dá pelo nome de António Vitorino. Será o mesmo, aquele baixote, que, ainda ontem, perorava em favor do seu querido amigo Zé, no suposto Congresso do PS, contra o resto do mundo, pois que, depois deles, viria coisa mais horrenda que o dilúvio? É este o tal superior interesse de conjugação de esforços? Ou, lamentavelmente, apenas se confirma que o rei continua a ir nu?   

abril 09, 2011

E Portugal, por onde andará?

O médico Hans Rosling mostra a história do desenvolvimento do planeta nos últimos dois séculos, transformando estatísticas em animação gráfica interactiva. Programa "The Joy of Stats" da BBC 4, legendado em português.

O "poder" local

... excerto de um artigo de Mira Lagoa Sobral na revista «C» de 31 de Março de 2011:

"Sinais dos tempos

(...) nos trabalhadores das autarquias com responsabilidades nos diversos patamares das orgânicas das respectivas autarquias em que são trabalhadores por conta de outrém (enquadrados nos sãos princípios, legalmente consagrados e do conhecimento de todos), continuam a verificar-se que são muito poucos os que resistem à tentação de só trabalharem como qualquer trabalhador subordinado. Todos se aprimoram em tanto que querem corresponder que, objectivamente, acabam por extravasar o domínio das competências específicas. Não resistem à tentação de, também, fazer política. Os políticos eleitos decidem no quadro das respectivas competências. Os Directores de primeiro grau das autarquias, na interpretação da decisão tomada e transmitida e na sua execução esmeram-se em, na maioria dos casos, deturparem. Os Chefes da Fiscalização não vêem, os das vistorias vêem mas não vêem, todos lêem mas lêem diferente, de tal forma que a decisão tomada, aquando da execução, se vê desformatada. Acaba sempre por vencer o real. E, nesta matéria, em todo o Portugal, o poder a votos, por razão do futuro destes e destes no futuro, acabam por condescender, fazendo alardeio da sua tolerância, aprovando e ratificando o desrespeito."

abril 08, 2011

Trinta dinheiros mais oitenta mil milhões de euros

Eu confesso que estranhei o entusiasmo da Direita e da alta finança perante a hipótese de Portugal ceder às múltiplas pressões no sentido de empurrar o país para o peditório.

Agora que já conheço duas das condições a serem impostas, flexibilização laboral e ambicioso plano de privatizações (isto, claro, para além de machachada a torto e a direito nas regalias sociais pelas quais a Esquerda sempre lutou) deixei de estranhar.

A Rapariga Vulgar (IV)

A Maria Multidão sai às ruas, traz nos olhos sem olhar o silêncio constantemente mutilado, uma língua esponjosa derrama o seu tamanho baço para fora daquela boca que cospe palavras numa saliva engrossada pela morte da alma. O deserto avançou-lhe pelo peito, faz muito que o coração se transformou num cacto para não morrer de sede. Noites como esta, só escuro, só chiar metálico de tendões (pouco) humanos, só areia, são apenas a dor da lua, o ateísmo crepita nos risos de estranhos contra a sua pele, o arrepio percorre-lhe a luz que se apaga. Já me cansei de gritar que vão matar a lua, faz muito tempo que já me cansei de gritar. Só a solidão não ofende a beleza do silêncio, coagula-o no seu sangue, dissolve-se e mantém-se viva em mim, chama-me para dentro deste templo de carne e mostra a sua tristeza à lua por todas as minhas janelas sempre abertas. [A Rapariga Vulgar (III)]


A mulher lembra-se, ao amanhecer, do amor que fez com o homem, ao tocar o líquido coalhado que reteve na vagina, nada mais reteve, não sobrava mais memória. Todas as manhãs se toca, sozinha, sacia-se em partes que fingirá saciar à noite, em braços alheios, para que lhe saciem o coração. Fecha os olhos e sonha-se uma rapariga vulgar, como aquela que o marido espreita, envergonhado; sonha que atrai desejo suficiente para lhe saciarem o corpo com mais de três golpes de anca, sonha um auge em explosão de abraços entre a ternura e a luxúria, os seios quentes entregues ao toque flamejante de dedos estranhos, contudo meigos, domados pela sua beleza, as pernas entreabrem-se e chega o grito que a almofada amordaça. Mais tarde, sai às ruas, vai espreitar o quadro do marido, da rapariga vulgar e dos seus amantes imaginários.

Bacalhau e chicote

A propósito desta posta desencantada, deixo-vos aqui dois comentários que lá deixaram:

Kikas: "O problema é que passámos muitos anos a dormir... entre o sono, a letargia e o sonho. O nosso clima é ameno, não temos extremos que nos desafiem. Não temos furacões, enxurradas, frios assassinos que nos obriguem a lutar para não morrermos – apenas brumas cálidas e céus azuis que nos adoçam o carácter e a auto-estima. Até em matéria de tradições – devemos ser o único país do mundo cujo prato nacional é feito com algo que não existe nem nunca existiu no respectivo território: o bacalhau.
Sempre fomos buscar o que precisávamos lá fora – e como o encontrámos, desabituámo-nos de procurá-lo cá dentro. Tivemos a pimenta da Índia, o ouro do Brasil, os escravos de Angola e, quando ficámos sem isso (se é que o tivemos verdadeiramente) recorremos aos fundos da União Europeia e aos carrascos do FMI.
O problema é que agora, não somos colonizadores, somos escravos que vão a leilão, facilmente transaccionáveis no mercado de capitais, à mercê de gente sem escrúpulos que nos vão sugar a carne e o sangue."

Charlie: "O Homem sempre fez o mesmo. Fomos nós que, indo lá fora buscar a pimenta, transformámos o «lá fora» em coisa nossa: Portugal. As nossas fronteiras expandiram-se numa geração. Fomos mundo, todo o mundo cabia no Terreiro do Paço e batemos o pé a Espanha, enganámo-los através de uma das manobras de diversão mais espectaculares da História com a invenção das Índias para Oeste, quando nós íamos para o Oriente contornando as Áfricas que desde Ptolomeu se julgavam terra contínua, sem passagem para outros mares. Os outros, mais tarde, fizeram o mesmo. Inglaterra por todo o mundo. Fala-se Inglês por todo o lado, ainda hoje.
Mas manter colónias é pesado, cria desconfortos. Os tempos de hoje são de neo-colonialismo. Os Portugueses sabiam como fazê-lo de forma hábil: de entre os povos dominados, escolhiam uma elite, nunca um grupo, apenas alguns elementos e escolhidos um a um. Davam-lhes privilégios, mordomias e, uma vez ascendidos, utilizavam o que mais faz mexer o Homem - a angústia. Basta uma pequena ameaça, velada, o fazer sentir um desconforto, do tipo de «algo que não está bem». Depois é retirar um privilégio, ter uma conversa mais distante e fria e isto durante uns dias. Depois vai-se ao ataque:
- Escuta.... preciso mesmo de falar contigo.
O interlocutor, pessoa que sentia estar a perder o status, ficava quieto e em expectativa e ouvia:
- Sabes? Não ando satisfeito. Os teus não estão a trabalhar como deve ser e preciso de mais produção. No Puto (Portugal, como se dizia em África) andam aborrecidos porque querem mais café e eu não lhes consigo enviar mais, se calhar tenho que arranjar outra pessoa para o teu lugar...
Não existe melhor forma de ficar com mãos limpas, transferir o odioso e aumentar lucros. No dia seguinte, o chicote estalava nas costas desses malandros, não pelas mãos do Colono, mas através desse que via estar a fugir-lhe das mãos um mundo de benesses, privilégios e status, sem cuidar, pois a memória é volátil, que tudo aquilo já era seu por direito de nascença, por ser daquelas terras muito antes dos chefes brancos terem chegado...
O que se passa nos tempos de hoje é fotocópia, com outros protagonistas, outros chicotes, outros colonos, mas o mesmo fio que mexe as marionetas: a angústia.
Vivemos benesses, criamos status, e agora vivemos o desconforto. Onde está o chefe branco?
Está lá longe, por detrás das secretárias dos Ratings, mancomunadas com o FMI e com as empresas dententoras da dívida dos países.
Por cá estala o chicote. Malandros que não ganham para os juros, bando de malandros, que por vossa causa não vou poder trocar de automóvel este ano nem andar de ski..."

Não! Impossível! Isto dos «mercados» é tudo malta tão séria!

Questiona o Jornal Negócios:
"Houve «insider trading» no pedido de ajuda?
Quando os «traders» olham para os écrãs dos terminais de negociação e observam uma mudança brusca no sentido de uma acção ou obrigação, sabem que aconteceu algo que alterou a leitura dos investidores. Ou, pelo menos, de alguns. Foi o que aconteceu quarta-feira, com os títulos da banca e da dívida pública portuguesa a inverterem a tendência da sessão, fechando em forte alta. Fica a dúvida: no mercado havia quem já soubesse que o ministro das Finanças ia anunciar, horas mais tarde, o pedido de ajuda financeira externa? Os alarmes do sistema de vigilância do mercado dispararam na CMVM."

É como as agências de «rating». Nada é manipulado. São umas santas!


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abril 07, 2011

A posta desencantada

A pessoa adormece, embalada pelo som de palavras tranquilizadoras, democracia, liberdade, e até se permite sonhar com um futuro cada vez melhor, o seu e o de gerações vindouras, os filhos que vemos crescer e a quem transmitimos o legado da confiança que entorpece a passada, bêbedos de sono, entregues a organizações por si sustentadas para garantirem, pelo menos, o essencial.

A máquina que se quer funcional para que a sociedade aconteça sem engulhos ou travões, sem as mesmas limitações de um passado que se viu rejeitado quando o povo se fartou daquilo que agora regressou por uma série de asneiras anedóticas e as ameaças hipotéticas ganharam corpo e tornaram-se tangíveis todas as coisas impossíveis como as pintavam nas histórias de encantar ou nas músicas de embalar no som de palavras prometedoras, garantias de prosperidade, enquanto por detrás do véu vigaristas e especuladores, alquimistas amadores, enriqueciam à custa de um balão que um dia rebentou sobre as nossas cabeças e os pedaços do céu começaram a cair.

E a pessoa entretida a dormir, mesmo depois, com os arquitectos da farsa impunes salvo raras excepções e os restantes (ir)responsáveis por tabela, cúmplices por omissão, ou mesmo por intervenção directa num esquema que nunca souberam interpretar nas repercussões se algum dia corresse mal, com os dedos apontados entre si denunciando culpados de segunda categoria, desviando as atenções dos verdadeiros burlões à escala global, mesmo depois de publicamente expostos na sua condição pelo desastre nos resultados.

E a pessoa adormecida, comatosa, ouvindo ao longe os nomes de culpados laranja, azul, vermelho ou cor de rosa que justiça alguma punirá, alheada do presente envenenado para o futuro comprometido que não faz perder o sono, bêbedos de falsa esperança ou de apatia, porque a pessoa dormita à sombra de palavras antigas como árvores centenárias, honra e compromisso, que julgávamos necessárias ao ponto de ganharem raiz.

Mas as palavras leva-as o vento como às folhas e na prática ninguém sabe (ou responde pel)o que diz…